<$BlogRSDUrl$>
.

HitdaBreakz

7/30/2004

DAVID AXELROD (PARTE I)



David Axelrod iria ser mais um daqueles génios loucos que iam ficar esquecidos para todo o sempre caso o hiphop não viesse para o salvar a um destino mais do que injusto.  Hoje, o nome David Axelrod é sobejamente conhecido nos círculos de diggers e os seus álbuns trocados por quantias elevadas, principalmente os dois primeiros.  Mas já lá vamos.

Axelrod nasceu a 17 de Abril de 1936, na cidade de Los Angeles.  Os seus pais eram pessoas humildes mas com uma consciência política muito forte, com o pai a lutar bastante pelos direitos dos trabalhadores e pelo sindicalismo.  David teve uma adolescência difícil em Los Angeles, num bairro onde coabitavam várias etnias, e passou muito deste tempo a fazer, bem, porcaria, como só um rufia sabe fazer.  Mas o facto de viver num bairro com uma composição tão diversificada de etnias permitiu a Axelrod abrir o ouvido para sons a que outros míudos brancos não estariam normalmente expostos: a soul e o funk.  A sua vida de rua ajudou a que Axelrod criasse uma dependência em heroína que só foi ultrapassada quando Axelrod decide tornar-se boxeur.  Diz Axelrod que uma das suas frases favoritas diz que "joga-se basebol, joga-se basquetebol, até se joga futebol mas nunca jogas boxe" para depois acrescentar que "o boxe exige disciplina e instinto", coisas que ele aplicou depois na sua música.

E é por esta altura que a música entra dentro da vida de Axelrod de uma forma definitiva.  Uma amizade com um músico de jazz chamado Gerald Higgins leva Axelrod a entrar no círculo mais íntimo do jazz.  Isto fez com que Axelrod trabalhasse com a nata de uma cena de jazz em grande expansão, a cena da West Coast.  O seu primeiro trabalho como produtor foi no álbum "The fox" de Harold Land, considerado por muitos especialistas como o melhor trabalho alguma vez feito por Land.  Nunca ouvi o álbum nem conheço a obra de Harold Land por isso faço fé nas palavras desses mesmos especialistas mas nada como descobrir a obra de Land. 

E em 1964, Axelrod entra para a casa que é emblemática na sua vida discográfica, a Capitol. É na Capitol que, enquanto produtor, Axelrod assina os seus melhores trabalhos, provocando até o interesse dos directores da Capitol por um mercado até aí inexplorado por eles, a música negra.  É na Capitol que Axelrod encontra dois artistas com quem vai trabalhar de forma intensa: o cantor Lou Rawls e o saxofonista Julian "Cannonball" Adderley.  Ambos atingiram os seus maiores sucessos com Axelrod atrás da mesa de mistura - Lou Rawls ganhou o seu primeiro Grammy com uma música escrita por Axelrod, o "Dead End Street", e Cannonball Adderley, que "lutava" com o Ramsey Lewis Trio pelo sucesso crossover do jazz para as charts pop, tocando um bop mais limpinho e um jazz cheio de soul, vende discos como quem vende pães com o álbum ao vivo "Mercy, Mercy, Mercy" [audio] (cuja música que dá título ao álbum é um original do Joe Zawinul, posteriormente um dos membros dos Weather Report) que é produzido por Axelrod. 



É Axelrod que indica o caminho a ambos, mostrando a ambos uma direcção musical que nenhum deles antevia para eles próprios, ditada pela música negra que Axelrod conhecia.

E é com todo este sucesso na sua carteira que a Capitol mete no caminho de Axelrod a banda de garage rock, os Electric Prunes. Os Electric Prunes tinham tido um sucesso relativo com o seu primeiro álbum chamado "I had too much to dream (last night)" [audio], cujo single foi muito bem recebido, chegando a um honroso 11º lugar nos charts americanos. No entanto, o álbum foi quase todo escrito por uma dupla de músicos (Annette Tucker e Nancie Mantz) e só no álbum seguinte, chamado "Underground", os Electric Prunes recuperam alguma liberdade musical.  E foi com este espírito musical mais livre que embarcaram num tour de suporte ao álbum pela Europa (recomendo vivamente aos amantes dos Electric Prunes uma bootleg do concerto ao vivo em Estocolmo que é mítico).
 
 
E regressados da Europa, a Capitol entrega o seu próximo álbum a Axelrod para produzir. O álbum chama-se "Mass in F Minor" (editado em Janeiro de 1967), também conhecido pelos fãs dos Prunes como o álbum-que-matou-os-Prunes. Só que a verdade não é bem esta. O "Mass in F Minor" devia era ser considerado mais um dos álbuns do Axelrod já que foi Axelrod que pensou, escreveu e coordenou todo o álbum, sendo os Prunes mais um veículo de realização do que propriamente aquilo q se espera de uma banda que dá nome a um álbum. E isto ainda é menos um álbum dos Prunes e mais um álbum do Axelrod quando posteriormente se soube que foram os Collectors, uma banda do Canadá, que tocaram em vários temas do álbum em vez dos Prunes, por razões de falta de tempo. O álbum é excelente, na minha opinião, rock psicadélico com aquele toque sagrado e épico que caracteriza muitas das obras a solo de Axelrod e que começa a ser delineado, esboçado se quisermos, neste álbum. Um dos temas do "Mass in F Minor", o primeiro ( Kyrie Eleison [audio] ),  ficará para sempre ligado ao mundo cinematográfico já que é usado no clássico filme "Easy Rider". Mas voltemos à música e a Axelrod.
 
 
Axelrod não se limita a este álbum com os Prunes já que logo de seguida grava outro álbum semelhante ao "Mass in F Minor", desta vez intitulado "Release of an oath" (editado em Novembro de 1968), que é um álbum que contém uma das minhas músicas preferidas escritas pelo David Axelrod, o "Holy are you" [audio], um tema que por si só encaixa tudo aquilo que adoro no som do David Axelrod, aquele baixo tão tão característico, a bateria com um som equalizado por Deus, os violinos e aquilo que lhes sai das cordas...  mas não é só isto individualmente que me faz adorar o som do Axelrod.   O que me faz realmente ficar fascinado com o som dele é como, no conjunto, tudo aquilo soa.  Há um característico feel para toda a música do Axelrod e, para quem não conhece a música do Axelrod, o "Holy are you" é a melhor porta de entrada. 
 
O "Release of an oath" é um álbum dos Electric Prunes que não é tocado por nenhum dos Electric Prunes originais, o que o torna um álbum muito estranho na discografia de uma banda.  Por isso, mais uma vez, tenho de considerar o "Release of an oath" mais um álbum do Axelrod.  
 
O que não é de estranhar é o facto de enquanto gravava estes dois álbuns com os Electric Prunes, Axelrod estava já a preparar-se para o som que iria gravar nos seus álbuns a solo.  Mas isso fica para a parte II..

 
(continua)
 

nota : todos os links com a palavra [audio] à frente contêm um pequeno sample em mp3 da música de que se está a falar nesse link.



7/27/2004

O "DJ" ANTES DO "SHADOW"


Basta perguntar a qualquer pessoa minimamente ligada ao digging quem é o maior digger e a resposta costuma ser uma : DJ Shadow. O Cut Chemist (dos Jurassic 5), já com o devido desconto de ser grande amigo do Shadow, considera-o, no filme "Scratch", o "king of digging", o rei. O que fará um puto ser o rei quando tantos outros andam no reino há tanto tempo e com colecções maiores? A resposta também costuma ser uma, uma característica que não se aprende, que não se conquista e muito menos se consegue transmitir : bom gosto. E este bom gosto é bem evidente não só nos discos que sampla mas também nos discos que mostra, não só enquanto dj mas também enquanto divulgador. Recentemente, num dos Worldwide do Gilles Peterson, foi possível ouvir o DJ Shadow a mostrar, pelo simples prazer de mostrar discos, coisas desconhecidas como Christy Essiens num tão incógnito quanto maravilhoso tema chamado "Rumours" [audio] (numa editora nigeriana chamada Afrodisia, pela qual também Fela Kuti editou). Noutro programa de rádio, mistura vários 45 rotações de garage rock dos anos 60, de bandas pouco conhecidas até para quem conhece por dentro o garage rock dos anos 60, esse monstro devorador de bandas que só tocavam para amigos e editavam um single ou dois.

Mas os mais evidentes exemplos do gosto do DJ Shadow, para além dos álbuns, são três dj sets gravados para disco, sendo dois deles em parceria com Cut Chemist : o Brainfreeze, o Product Placement e o Diminishing Returns. Os três sets são bons exemplos daquela regra silenciosa dos diggers : nenhum deles tem tracklisting, nem informação nenhuma sobre o que está a tocar, compete aos diggers descobrirem o que está a tocar, principalmente os temas que lhes tocam mais a eles. E há tantos temas ali que a mim me tocam, coisas como o "Cosmic Sea" [audio] dos Mystic Moods (que tenho na minha colecção, herdado dos meus pais - o único disco funk no meio de vários Amálias e Zeca Afonsos); ou o "Hey Joyce" do Lou Courtney, música que foi imortalizada no léxico hiphop pelo Large Professor dos Main Source ["He got so much soul (he don't need no music)" [audio] do álbum "Breakin Atoms" (Wild Pitch, 1991)]; ou os quase celestiais sons do "Mount Airy Groove" [audio] dos Pieces of a Dream; ou o "Sunrise" [audio] dos ingleses CCS, que abre o disco psych do Diminishing Returns - em todos estes sets, DJ Shadow deixa um cunho bem pessoal daquilo que ele entende ser "boa música". É também nestes mixes que nos lembramos que existe um "DJ" antes do "Shadow".  É que a maioria olha só para DJ Shadow enquanto produtor, esquecendo que ele nunca deixou de ser dj.  Por isso, vamos olhar para DJ Shadow, neste post, enquanto dj, falando dos três sets que ele oficialmente editou em disco. 

O Brainfreeze e o Product Placement podem ser considerados sets quase irmãos. Foram ambos vendidos nos shows da dupla, têm ambos a mesma estrutura, já que são compostos por duas faixas, são ambos limitados e giram os dois à volta de 45 rotações anunciando produtos para venda. O Brainfreeze mistura apenas funk 45s (com três ou quatro excepções, entre elasl o "Numbers" dos Kraftwerk mas se Afrika Bambataa vê funk nos Kraftwerk...) com break clássico atrás de break clássico atrás de break clássico e revolve à volta de um 45 rotações da cadeia 7-Eleven chamado "Dance the slurp". Nele, ambos os DJs evitam os excessos de scratchs em que muitos djs de hiphop facilmente caem e deixam a música falar por si. No Product Placement, a selecção musical é mais abrangente e vai de modo mais evidente denunciar a total palette de gostos de ambos os djs. Isto é patente não só num maior número de faixas de hiphop dos anos 80 ou de electro da mesma década mas também com um maior destaque ao rock. No entanto, nunca o set se esquece do papel principal que a soul e o funk têm. E qual é o produto anunciado no Product Placement? Para dizer a verdade, são vários: há um que explica às pessoas como é bom cozinhar com gás (butano, provavelmente), há outro que diz como é bom beber leite e por último, e quanto a mim o principal, um anúncio à Coca Cola com o slogan "It's the real thing". Tenho uma opinião bem diferente desta, já que acho que, por ser mais abrangente musicalmente e por conter mais coisas menos óbvias, o set do Product Placement é mais rico que o Brainfreeze. 


Por último, o Diminishing Returns, o set a solo de DJ Shadow. Dividido por 2 CDs, acaba por ser uma quase ruptura em relação aos outros dois sets. Enquanto os dois primeiros são um CD dividido por duas faixas, este são dois CDs com uma faixa cada; enquanto que os dois primeiros são manifestamente sets de funk e soul, este tem um disco quase exclusivamente com hiphop dos anos 80 e um outro com apenas rock psicadélico e derivados. Continua é a ter prensagens muito pequenas (fala-se em 1000 cópias para o mundo inteiro). O Diminishing Returns só podia ser adquirido no site do DJ Shadow e vinha numa bolsinha transparente com dois pisa-copos e alguns autocolantes, pelo preço de 15 dólares. Nem uns dias depois, e numa repetição do que aconteceu com os Brainfreeze e com os Product Placement originais, as regras da oferta e da procura entraram em acção e packs Diminishing Returns eram vendidos a um preço médio de 100 e poucos dólares (ainda hoje esse preço médio não é irrealista).  Mas isto é folclore comparado com o que lá vem dentro: não só temos uma pequena antologia de hiphop menos conhecido e de grande qualidade como também temos uma mistura de temas raríssimos de rock psicadélico, rock cristão (xian rock) e garage rock, misturados de forma irrepreensível.  Aliás, ambos os sets do Diminishing Returns são cuidadosamente misturados e demonstram toda a técnica do DJ Shadow a manipular os pratos, perfeitamente evidente no set de psych em que consegue fazer passagens extremamente fluídas entre músicas que à partida não foram feitas para serem misturadas.  E, como cereja no topo do bolo, um original do Shadow, chamado "War is hell".

Depois de ouvir os sets do Brainfreeze e do Product Placement, fica sempre a mágoa de aqui em Portugal não termos tido a felicidade de ver nenhum dos sets ao vivo.  Para minorar este aspecto, existem dois DVDs chamados Freeze e Product Placement On Tour, onde é possível ver ambos os sets a serem tocados conforme estão destinados a serem tocados: para um público. E para quem não quer gastar uma pequena fortuna na compra dos originais em CD, há também a possibilidade de adquirir bootlegs dos três sets, a preços bem mais acessíveis que os originais. Só que nada bate o sabor original, pois não?

nota : todos os links com a palavra [audio] à frente contêm um pequeno sample em mp3 da música de que se está a falar nesse link.




7/26/2004

HARD ROCKIN' BEATS


O texto que publicámos abaixo vinha originalmente acompanhado de um chart com 10 beats perfeitos como iniciação ao Beat Diggin' por não serem complicados de arranjar. Fica aqui a lista!


Rare Earth "I Just want to Celebrate"
Aphrodite’s Child "Air"
Billy Squier "Big Beat"
Billy Joel "Stilletto"
Led Zeppelin "When The Levee Breaks"
Paul McCartney "Momma Miss America"
Zulu "Okawanga Swamp"
Manuel Gas "I’m a Man"
Alice Cooper "Public Animal # 9"
Funk Inc. "Kool is Back"




DIGGIN': SAY WHAT?...


Este texto já tem uns anos e foi publicado num dos primeiros números da revista Op, mas continua a ajudar a explicar muito bem o que é isto do Beat Diggin'. Rui Miguel Abreu é o autor.

----------------------

Beat diggin’ 4 life!!!

Um armazém. Toneladas de rodelas de vinil esquecidas pelo tempo e apagadas pela poeira. Um homem com uma missão equipado com um gira-discos portátil e um conhecimento enciclopédico da História da música gravada. Como pistas, uma lista infindável de nomes e referências cruzadas – editoras, produtores, músicos de sessão, palavras-chave – armazenadas na memória. E, claro, uma paciência sem limites alimentada a adrenalina pura descarregada quando uma luzinha se acende por via de uma das tais referências cruzadas que aparece impressa na etiqueta de uma aquelas rodelas de vinil que nunca se tem a certeza se existe, mas que quando aparece dá enquadramento à fé pessoal de que ainda há vida naqueles pedaços de plástico. Isto é beat digging, beat mining ou "arqueologia sonora" para todos os que fazem da procura de discos uma actividade norteadora da sua forma de expressão musical.

Os beat diggers são, geralmente, produtores ou DJ’s (ou ambos...). Nos Estados Unidos movimentam-se, essencialmente, no grande território do hip hop, mas na Europa, todos os produtores que usam o sampling como paleta sonora nas suas criações musicais são, em graus diferentes, beat diggers convictos. De ambos os lados do oceano, procura-se matéria prima para insuflar nas criações próprias. Breakbeats, principalmente. Mas também arranjos orquestrais, pianos, saxofones, enfim, todos os instrumentos que possam ganhar um novo sentido quando inseridos num contexto renovado, pensado pelo produtor. Quando Mark Rae usa um tema de Claude Denjean gravado em 1974 para a Phase 4 para construir um tema juntamente com Mr. Scruff, isso é o resultado de um apurado faro no que à actividade do beat digging diz respeito.
Nomes históricos da mitologia do hip hop como Afrika Bambaataa e Grandmaster Flash são os pioneiros do beat digging. Antes de o hip hop se ter encontrado com a sua própria denominação, o que existia eram festas ilegais no Bronx onde o melhor DJ era o que conseguia prolongar por mais tempo o fluxo de breakbeats (conseguido através do uso de duas cópias do mesmo disco) dando assim aos B-Boys o combustível rítmico necessário para alimentar as suas acrobacias. Com o tempo, esses breakbeats começaram a servir de base para as primeiras produções, lançando-se aí o dogma do sampling – ao samplar, o produtor reforça a linha de continuidade da música negra, homenageia as suas raízes e, ao mesmo tempo, sublinha os seus skills de beat digger ao recuperar para o presente temas obscuros. O hip hop consegue assim a incrível dicotomia de ser, a um tempo, uma música de rua com um sentido profundamente académico.

Os produtores e DJ’s tornaram-se os verdadeiros arquivistas da história da música negra sendo o seu conhecimento dos movimentos estéticos, dos protagonistas de cada escola e do output das editoras respectivas superior ao dos próprios músicos envolvidos na gest(aç)ão dos géneros que alimentaram essas edições. E graças a esse conhecimento profundo da memória musical impressa em vinil, o produtor/DJ tem influído de forma decisiva nas voltas e reviravoltas do segmento de mercado mais voltado para a música dita de dança. "Correntes" que têm recuperado tipologias como o jazz, o triângulo lounge/easy listening/exotica, o funk, o reggae ou, entre outras coisas, a "library music" devem tudo à curiosidade crónica dos beat diggers que na sua procura incessante do breakbeat perfeito têm explorado todos os géneros recuperando do esquecimento nomes obscuros e dando-lhes uma nova vida através do sampler ou dos pratos de gira-discos.

Quem afirma de ânimo leve que não existe talento na manipulação de um sampler deveria estar preparado para delimitar essa observação. Tal como Arto Lindsay não aborda a guitarra da mesma maneira que, digamos, Keith Richards, um produtor como DJ Shadow não tem, obviamente, uma atitude face ao sampling semelhante à de alguém como os Thievery Corporation. O sampler é uma espécie de organismo vivo que, com o tempo, acaba por apreender a personalidade do seu manipulador e tornar-se quase uma extensão do seu pensamento artístico. Por isso mesmo, eu diria que não existe talento na manipulação de um sampler quando basicamente se usa esse instrumento para construir um loop com base num dos milhares de Sample CD’s disponíveis do mercado. Trata-se de CD’s que já trazem sons cortados, alinhados, limpinhos e prontos a entrar na linha de montagem. Comprar um destes CD’s para construir música não é muito diferente de comprar uma caixa com um puzzle já montado. Não só é um pouco "desonesto" como expõe quem opta por essa via à eventualidade de outro programador preguiçoso que comprou o mesmo CD-de-sons-para-samplar estar a fazer uma música idêntica. E talvez por aí se comece a perceber porque é que realmente não existem tantas diferenças como isso entre os Tosca e um dos seus incontáveis clones...

No extremo oposto, está, claro, o beat digger inteligente. O que mergulha em cada Remar, Feira da Ladra, loja de segunda mão, o que analisa com olho clínico os anúncios da Ocasião dispondo-se depois a passar uma tarde em casa de uma senhora velhinha que já não encontra utilidade para os discos do seu falecido marido. O que faz tudo isso para procurar o disco certo com selo da Phase 4, o álbum onde Fausto Pappetti assina uma versão de "Love Theme" de Barry White, o single de Ravi Shankar que tocado na rotação errada nos ensina o que é o trip hop ou que não teme a ameaça velada de apelidos como Kaempfert, Last, Montenegro ou Mauriat. Desses discos nascem obras-primas. Todos os dias...



ENNIO MORRICONE: DANGER DIABOLIK




Já hoje de madrugada, a ausência de sono combinada com um telecomando levou-me a apanhar no canal de cinema Gallery da TV Cabo um filme bem interessante que nunca tinha visto - Danger:Diabolik.
O filme realizado por Mario Bava e baseado nas aventuras de um herói dos comics já se encontra disponível em DVD (por exemplo, através da Amazon) e tem como grandes pontos de interesse a presença de Marisa Mell (uma bombshell loura daquelas que animavam a imaginação dos nossos pais!) e décors de um design absolutamente espantoso que são um óptimo indicador da qualidade do design de interiores italiano dos anos 60 (o filme data de 1968 e esse, como se irá perceber, é um pormenor muito importante para o que irei referir a seguir). Mas, o mais interessante mesmo é a banda sonora. A música do filme oscila entre o groove psicadélico induzido por LSD e paisagens electrónicas experimentais. O facto de alguns dos sons soarem particularmente familiares levou-me a fazer uma pequena investigação no google que rapidamente me fez perceber que se trata de uma obra do mais prolífico dos compositores para cinema, Ennio Morricone.
A banda sonora é realmente fantástica e, como não podia deixar de ser, muito rara. Aparentemente o álbum nunca foi editado em condições, tendo sido distribuído apenas em quantidades limitadas. As reedições em CD são igualmente de legalidade duvidosa e algumas (há várias e podem encontrar-se, por exemplo, na Dustygroove) são feitas simplesmente a partir da edição europeia em DVD. Tudo isto porque o mestre Morricone não gostou do seu trabalho de composição para este filme, vá-se lá saber porquê. Os masters esses ou estão nas mãos de Morricone (que se recusa a reeditá-los, talvez por andar tão ocupado com Dulce Pontes...) ou arderam num fogo que destruiu um estúdio onde estariam guardados. Tudo depende das fontes consultadas. Enfim, mas se algum dia colocarem as mãos num desses tais vinis de edição limitada que acompanharam o lançamento do filme em 1968, não se esqueçam de me enviar uma cópia! Aqueles grooves ácidos e a minha colecção iriam dar-se muito bem.





7/25/2004

LEITURA PARA UMA TARDE DE VERÃO...



...na verdade, para muitas tardes de Verão, uma vez que as quase 450 páginas de Sweet Soul Music assinadas por Peter Guralnick não se consomem assim tão rapidamente.
Sweet Soul Music foi publicado originalmente em 1986 e é um dos melhores livros que já me passou diante dos olhos. Peter Guralnick tem a vantagem de ter vivido em primeira mão parte do período formativo da Soul. Sente-se, como é óbvio, a paixão deste homem pela música que emanou do Sul dos Estados Unidos e que haveria de mudar a paisagem sonora americana (o subtítulo do livro é Rhythm and Blues and The Southern Dream of Freedom!). A forma intensa e profundamente visual como nos conta as histórias de gente como Ray Charles, Solomon Burke, Sam Cooke, Otis Redding, Al Green, James Brown ou de editoras como a Stax transporta-nos até uma época e emerge-nos numa realidade que hoje é apenas imaginável. Esta Soul de que Guralnick fala esteve na origem de muita coisa - incluindo de algum Hip Hop, quanto mais não seja por ter fornecido combustível para samplers - mas está, sobretudo, na base de uma forma de fazer, sentir e viver a música que ainda hoje faz sentido. Sobretudo porque a Soul do Sul dos Estados Unidos (tão diferente de outros tipos de Soul, como aquele que a Motown popularizou e que Guralnick afirma ser "apenas" música Pop)se apoiou desde sempre em pequenas estruturas editoriais, com espírito de família e alma aventureira.
Indispensável!!!



ENLACE FUNK




Para um digger aplicado há muitas ferramentas indispensáveis. A mais importante - depois de um faro apurado - é, sem dúvida, a informação. Na barra de links aqui ao lado já existem umas pistas que podem ser exploradas e com o tempo iremos colocando mais algumas. É óbvio que de todas as ferramentas a Internet será talvez a mais importante, para os que querem compilar informações para não andarem para aí às cegas. Mas há algumas revistas bem interessantes que ajudam os diggers de todo o mundo a angariar informações preciosas. A melhor será talvez a Wax Poetics e logo que eu coloque as minhas mãos no número 9 desta excelente publicação deixarei poraqui um texto dedicado a ela.
Mas, na vizinha Espanha, há uma revista bem interessante que dá pelo nome de Enlace Funk e que será provavelmente mais fácil de adquirir. Para tanto contactem o mail enlacefunk@inicia.es. Esta revista terá o inconveniente de ser escrita em castelhano, mas não é nada que afaste um digger dedicado. Ainda por cima nós, os portugueses, que entendemos os espanhóis muito mais facilmente do que eles, aparentemente, nos entendem a nós... A Enlace Funk vem acompanhada de um CD todos os meses, carregado de preciosidades Funk ou de sets com música brasileira, por exemplo. O número mais recente traz o grande Roy Ayers na capa e artigos com a Stones Throw ou Betty Davis, entre outros assuntos de interesse. Vale bem a pena ler!


PORTABLE WHEELS OF STEEL


Qualquer digger, seja qual fôr o seu grau de experiência, já passou pela situação que vou descrever: imaginem que andam à procura de discos num local não convencional onde não vos é permitida a audição daquelas rodelas de vinil antes da compra. Na Feira da Ladra, por exemplo.
Ok. Depois de muitas dezenas de álbuns e singles absolutamente inúteis e quando a esperança já começa a desvanecer-se eis que se nos atravessa no caminho um daqueles discos de que nunca ouvimos falar, mas cuja capa nos desperta aquele típico instinto de digger: editado nos anos 70 por um tipo barbudo que na contracapa exibe uma vasta colecção de Moogs, Oberheims e Arps. Na ficha técnica há ainda a referência a um baterista e um dos temas tem no título uma palavra mágica como "Funk", "Rhythm", "Groove", "Beat", "Stomp" ou "Afro". Às vezes até nos deparamos com títulos com mais do que uma dessas palavras. Enfim, isso poderá querer dizer uma de duas coisas: ou o tipo da capa está desesperado a tentar convencer-nos de que há naquele disco qualquer coisa que valha a pena passar para o nosso sampler ou, pelo contrário, sabe mesmo do que está a falar. No segundo caso gastaremos os nossos 2 euros e, depois de chegarmos a casa, descobriremos um disco cheio de "grooves" sampláveis e até tocáveis naquelas noites em que nos colocamos por trás dos gira-discos para dar música a quem só parece interessado em beber umas cervejas. Mas, mais frequentemente do que seria desejável, a chegada a casa confirmará apenas que o tal barbudo é um desprezível músico francês que entende tanto de funk como um brother do Alabama habituado a tocar em roadhouses cheios de fumo entende o processo de feitura do queijo camembert.
Pois bem, nestas situações o ideal seria ter à mão um gira-discos portátil para, antes de passar os 2 euros ao senhor da Feira que está a vender aquele disco, conferir se tantos Moogs e Oberheims resultaram numa preciosidade de funk europeu. Para os diggers mais experimentados, o Rolls Royce dos gira-discos portáteis é o Soundburger da Audio Tecnica. Já não se fabrica e em sites como o Ebay, quando aparece, costuma vender-se pela marca dos 300 dólares. Mas como já expliquei noutro post, às vezes aparecem por aí em segunda mão a preços bem mais apetecíveis. O Soundburger tem entrada para dois pares de auscultadores e possui um sistema que lhe permite tocar discos (tanto de 7 como de 12 polegadas) na vertical. E com uma qualidade de som irrepreensível. Consome pilhas (4 das médias de 1,5 volts) com alguma velocidade, mas é porque possui uma "cilindrada" acima da média.

Fica aqui uma foto do meu Soundburger, o tal que comprei novo dentro da caixa. O primeiro que comprei vendi-o para Inglaterra pelos tais 300 dólares que mencionei há pouco.



Outro modelo bastante popular entre os diggers é o Columbia GP3, porque ainda se produz no Japão. É pequeno e robusto e quem o usa regularmente dá-lhe nota alta.



A utilidade destes objectos para os diggers é tal que algumas marcas, atentas ao fenómeno do Hip Hop em geral, resolveram começar a produzir novos modelos feitos à medida das necessidades de quem faz da procura de velhas rodelas de vinil um estilo de vida. A Numark e a Vestax possuem ambas modelos portáteis. O PT01 e a Handy Trax, respectivamente.





Um search no Google poderá dar-vos mais informações sobre estes modelos. Só um aviso à navegação: de todas as vezes que me fiz acompanhar do meu Sounburger nas minhas expedições de diggin' causava sempre espanto e assombro tanto nos vendedores de discos como entre os populares que se passeavam nas feiras por estar a ouvir discos naquela maquineta. Nos Estados Unidos já ninguém olha para o lado duas vezes quando vê alguém a usar um gira-discos portátil, mas por cá ainda há quem fique com a sensação de que somos extra-terrestres e que os nossos gira-discos portáteis são poderosas máquinas movidas a laser capazes de destruir o mundo.




5 BREAKS ESCALDANTES PARA UM DIA DE SOL




Bo Diddley – Big Bad Bo

O tema que interessa é Hit and Miss, com um mostruoso break de bateria e congas, carregado de suor funk até mais não!



Dennis Coffey – Scorpio

Um verdadeiro clássico e, sem dúvida, uma das fundações do Hip Hop. Este tema, Scorpio, pode ser encontrado no álbum Evolution de Dennis Coffey, mas também num delicioso 45. Tem um dos breaks mais longos da história e foi, desde cedo, um dos hits nas pistas onde os B-Boys se agitavam.



Deodato - Prelude

Deodato é um mestre brasileiro. Como arranjador trabalhou para gente tão diferente como Sinatra ou os Kool & The Gang. Mas há pérolas para descobrir nos seus discos a solo, principalmente os belíssimos álbuns do seu período CTI. Este foi o primeiro que gravou para a editora de Creed Taylor e obteve um enorme sucesso. Para acção de bateria não perturbada por outros instrumentos, é ir directo ao tema September 13. É garantido!



Lou Donaldson - Hot Dog

Gravado para a Blue Note, este álbum do grande saxofonista Lou Donaldson foi samplado pelos, entre outros, De la Soul. É no tema Turtle Walk que descobrimos um espantoso break, uma espécie de energia acumulada da herança do R&B mais rough que fez o som do grande Lou distinguir-se dos demais.



Donny Hathaway - Donny Hathaway

O tema em foco é Magnificent Sanctuary Band, uma marcha que arranca com um belíssimo e sincopado break. Importante saber que este tema também existe disponível em 45, para efeito extra do groove! Donny foi um dos maiores cantores soul de sempre e todos os seus álbuns merecem ser ouvidos, mas no que a breaks diz respeito, este é o tema para procurar.


DIGGIN' COM 40º À SOMBRA


Não é lá muito saudável passar hoje na Feira de Algés. O calor que se faz sentir é não apenas perigoso para a nossa pele, mas, sobretudo, uma tortura para quem gosta de discos e não os consegue ver a derreter ao sol. A passagem por isso mesmo foi rápida, mas ainda houve tempo de trazer dois disquitos:



e



Não se pode dizer que algum dos discos seja terrivelmente importante, mas por 1 euro também não me vou queixar muito. O álbum de Luís Morais , grande saxofonista de Cabo Verde falecido há dois anos, tem data incerta, mas é de finais dos anos 60 ou inícios dos 70 e tem por título O Internacional. Embora cheia de momentos de beleza, a música de Cabo Verde não é de grande interesse para os beat diggers. Ou seja, apesar de se poderem encontrar belíssimos loops nos discos de Cabo Verde, não esperem descobrir grandes breaks de bateria. Este álbum de Luís Morais, no entanto, tem uma belíssima versão do standard brasileiro "Birimbau". Balanço e classe na execução. Não se pode exigir mais.

Já o álbum de Michel Legrand... bem, não é o grande disco dele, mas este Themes and Variations de 1975 tem dois ou três pontos de interesse, nomeadamente os temas "Theme From The Go Between", "The Deep Blue C" e "Picasso Summer". Big Band Funk com um toque francês adaptado ao mundo das bandas sonoras. Para receita não soa mal...

E para já é tudo!


7/24/2004

FEIRA DE ALGÉS


Amanhã é dia de feira de velharias em Algés. Há três domingos por mês em que jardins do concelho de Oeiras recebem feiras de velharias. Entre muita tralha que não interessa a ninguém há sempre muitos discos para ver a preços imbatíveis. A feira de Algés tem-me tratado bem ao longo dos últimos dez anos. Entre outras coisas já rendeu dois soundburgers a pouco mais de 10 euros cada. Para quem não sabe, o soundburger é o melhor gira-discos portátil do mundo, produzido nos anos 80 pela audio tecnica. Um dos soundburgers que encontrei na feira de algés estava um pouco usado, mas um reparador de material áudio deixou-o a funcionar em pleno. O segundo que encontrei por lá - há uns 4 anos - estava, no entanto, novinho e dentro da caixa!!! Enfim, só um chamariz para quem quiser dar amanhã um salto até Algés. Fica aqui uma imagem deste gira-discos portátil que aparece na capa de um álbum de uns tipos de boa memória chamados Akotcha.



No que aos discos diz respeito, também não me posso queixar. Duas das preciosidades mais ou menos recentes que por lá apanhei foram o excelente Movements de Johnny Harris (o tipo responsável pelos arranjos no grande Something da Shirley Bassey) e o fabuloso Som Psicodelico dos brasileiros Fórmula 7. Dois grandes discos por preços bem pequenos. Fica o aviso feito então. Tentem é não ir mais cedo do que eu!









1,2,3, 4. Let's go!


É verdade, eis mais um blog a entrar - como é que se diz? - na blogosfera. No Hit Da Breakz irá escrever-se sobre diggin', sobre samples, vinil, expedições de procura de beats, hip hop, samplers, televisão (afinal a série Os Sopranos está a ser reposta na 2, certo?), revistas, vinil, gira-discos, funk, prog, library music (já disse vinil?) e sobre o que mais me apetecer. Com uma regularidade intensa, espero eu. E pronto, estão feitas as apresentações. Vamos a isto!