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HitdaBreakz

11/20/2004

TALES FROM THE (DIGGIN') CRYPT # 2




Sim, já sei... Estavam a pensar que já me tinha esquecido desta série? Nem desta, nem da outra. Mas há que gerir o tempo e, sobretudo, a emoção. É que não quero matar ninguém do coração, com estas histórias de terror vinílico. Mas é chegada a hora de mais uma incursão no tenebroso universo do diggin', onde um homem (isto é um boys club, não é? infelizmente, parece que sim...) nunca sabe o que o espera. É que se pensam que é só apanhar discos na feira por tuta e meia e ir para casa a rir sabendo que se leva ali um holy grail de uma centena de libras (também é...) estão perfeitamente enganados. Enfim, vamos em frente.
Lembro-me de uma história ocorrida em 1998 que é de verdadeiro terror. E a foto acima, embora não se refira directamente ao caso ocorrido, já vos deve dar uma pista do terror que aí vem.
Corria o ano de 1998 (grande ano para mim, devo dizer, com o envolvimento pessoal que tive em discos dos Cool Hipnoise, Boss AC, Mind da Gap...) e o Hip Hop fervilhava em Lisboa, embora ninguém reparasse nisso. Foi nesse ano que arrancou o Hip Hop Don't Stop na rádio Marginal e foi nesse ano - se não me falha a memória - que o DJ francês Dee Nasty se deslocou a Lisboa para uma memorável noite no Ciclone, antigo Johnny Guitar. Nessa época, o Diggin' já fazia parte dos meus hábitos regulares e uns dias antes da noite com Dee Nasty no Ciclone tinha conhecido um senhor de meia idade na Feira da Ladra com uma caixa de discos interessante de onde me lembro de retirar coisas como o On The Corner do Miles Davis e o Headhunters do Herbie Hancock. Conversa puxa conversa e eu fiquei a saber que o senhor morava no Dafundo e que tinha bastantes mais discos lá por casa, herdados de um irmão, de que queria desfazer-se. A julgar pela amostra da caixa, a colecção ("sei lá... mais de mil", foi como o homem a descreveu) deveria ser interessante. Ora nós combinámos encontrar-nos na semana seguinte para que eu visse com cuidado todos esses discos. Obviamente, guardei segredo e andei o resto da semana com um enorme sorriso nos lábios.
Entretanto, Dee Nasty chegou a Lisboa, passou pelo estúdio onde estava Boss AC a trabalhar e chegou a noite da festa no Ciclone. Lembro-me que foi uma festa fabulosa: Dee Nasty partiu tudo com uma primorosa selecção de clássicos, party bangers, funk e ragga colados com skills e scratches certeiros. O Ciclone estava a abarrotar e todas as cabeças do movimento Hip Hop de Lisboa se encontravam presentes. Nessa noite rebentou também a maior tempestade de que Lisboa tem memória e toda a gente que estava no Ciclone ficou fechada até para aí às 7 da manhã, altura em que o verdadeiro ciclone do exterior abrandou e permitiu às pessoas aventurarem-se nas ruas à procura do carro ou de táxi. Lembro-me que o DJ Jaws-T ficou apeado depois de encontrar em Santos o seu carro a boiar (carro que foi para sucata por causa disso...)! Mas enfim, lá encontrámos um taxi para aí hora e meia depois de termos saído do Ciclone. Passada a aventura de chegar a casa, foi tempo de repousar e depois, na noite seguinte, de ver os milhões em estragos de que Lisboa havia sido vítima.
O que é que isto tem a ver com o senhor da Feira da Ladra? Nada, pensei eu na altura. Até porque no meio da conversa fiquei a saber que ele morava num terceiro andar. E foi com o papel onde ele tinha escrito essa morada que eu me dirigi ao seu encontro uns dias depois da tempestade.
Fui então até ao Dafundo, encontrei o prédio, subi as escadas e bati à porta. Quando o senhor me viu fez uma expressão estranha e soltou um desanimador "ah! é você...!". Eu lá me desfiz em sorrisos, perguntei-lhe como estava e depois fiz o inevitável comentário sobre a tempestade que tínhamos acabado de atravessar. "Pois é, as inundações... venha comigo!" O homem estava a comportar-se de uma forma muito estranha, mas lá apanhou as chaves e convidou-me a segui-lo, sem que eu percebesse o que se passava (afinal não me tinha convidado a entrar em casa...). Descemos a escada até à cave, onde o homem abriu uma porta e revelou o terror: a água tinha inundado a cave e só os bombeiros é que tinham , no dia anterior à minha visita, conseguido secar a água, com bombas e com varas com que limparam os escoadores. Entretanto os discos, que estavam guardados em várias caixas de papelão, tinham passado dois dias submersos em água e lama. O cenário era aterrador e semelhante, pelo menos no impacto, ao que a foto de cima mostra (o espólio da Loja Attic Records depois das inundações do Midwest americano há um par de anos). Lembro-me que quase chorei e que não consegui dizer nada ao homem. Limitei-me a agradecer-lhe o incómodo, virei costas e fui-me embora. Durante uns tempos não fui sequer à feira porque não me queria lembrar daquela história. E nunca mais vi o senhor em causa. Obviamente, não faço a mínima ideia se naquelas caixas se escondiam mais discos como os que eu tinha comprado na feira ao tal senhor do Dafundo, mas o potencial era elevado. Enfim, ainda bem que moro numa zona elevada, é o que posso dizer...