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HitdaBreakz

10/27/2004

MÚSICA PARA CINEMA # 1 - BARRY WHITE: TOGETHER BROTHERS (1974)




Hoje inauguramos por aqui mais uma série, desta vez dedicada ao vasto universo das bandas sonoras. Não trataremos de fazer um top das melhores bandas sonoras, tão somente sugerir algumas bandas sonoras que, pela genialidade dos seus compositores ou arranjadores, deveriam constar da discografia de qualquer digger, quer pelos samples quer pelo valor intrínseco da música.
É sabido que as bandas sonoras são tratadas quase como um género dentro da música. Mas as próprias bandas sonoras subdividem-se em vários tipos e géneros mais específicos: há, claro, as bandas sonoras de Blaxploitation, as de Western Spaghetti, as de filmes policiais, as de cinema italiano, aquelas que se limitam a compilar temas de diversas origens, etc. Depois há os compositores mais famosos que quase são tratados como géneros particulares em si mesmo: Lalo Schifrin, John Barry, Ennio Morricone, Bernard Herrmann, Roy Budd. Enfim, as direcções para seguirmos quando entramos no mundo das BSO's são imensas. Encarem por isso mesmo esta série como um conjunto de sugestões de caminhos para explorar. Iremos tentar ser o mais abrangentes possível e avançar novos títulos com a regularidade possível.

Para já começamos com Together Brothers (20th Century Records/1974) da Love Unlimited Orchestra de Barry White.
Desde que o filme Shaft salvou a MGM da falência em 1971 que a imposição de heróis e histórias de gente negra no grande ecrã se tornou regular e constante, sendo que o entusiasmo com que a indústria cinematográfica explorou esse filão na primeira metade dos anos 70 (ver texto sobre a Blaxploitation do dia 2 de Outubro) foi suficiente para cunhar um novo género. Paralelamente à emergência de uma nova geração de actores, como Richard Roundtree ou Pam Grier, estes filmes foram igualmente veículo para a consagração de uma série de grandes nomes da música negra, como Curtis Mayfield, Marvin Gaye, Isaac Hayes, Roy Ayers, James Brown, Willie Hutch ou Barry White.
Together Brothers é creditado à Love Unlimited Orchestra, produzido por Barry White e orquestrado pela habitual dupla de White e Gene Page (que gravou em nome próprio alguns belíssimos discos). White era muitas vezes apontado como o homem dos grooves acetinados e a sua Love Unlimited Orchestra foi veículo para muitos temas servidos por grandiosos arranjos de cordas e cadências mais doces (o clássico Love's Theme é um bom exemplo). Mas curiosamente neste álbum, White aproveitou para fazer algumas experiências. O disco foi concebido como uma verdadeira banda sonora, com temas que claramente seguem as tensões ilustradas no grande ecrã e não apenas como um conjunto disperso de canções. Barry parece ter aproveitado esta oportunidade para explorar um lado diferente da sua musicalidade, tal como aconteceu com Marvin Gaye em Trouble Man. Os temas aqui são mais incisivos, as baterias mais pesadas e proeminentes, o baixo mais autoritário e as cordas elementos de dramatismo e não necessariamente tradutoras de melodia. Nunca vi o filme, mas se for tão bom como a banda sonora deve ser fantástico.
Este álbum de Barry White não é complicado de arranjar e nem sequer é um álbum raro, por isso não há-de pesar muito no vosso orçamento. E já o vi algumas vezes em território nacional por isso, definitivamente, há por aí cópias, só é necessário procurá-las.
Ficam aqui três amostras deste álbum com 21 temas:

TOGETHER BROTHERS BSO - Stick Up
TOGETHER BROTHERS BSO - Can't Seem To Find Him
TOGETHER BROTHERS BSO - Alive and Well

Barry White faleceu em Julho do ano passado. Fica aqui uma pequena nota que escrevi sobre o cantor para a Dance Club por essa ocasião.

BARRY WHITE

Morreu o ícone do amor

Barry White acabou de se juntar ao All Star Group que num local desconhecido do nosso universo actua todas as noites para o tipo que vai puxando os cordelinhos da vida. Juntamente com Marvin Gaye, Donny Hatthaway, Curtis Mayfield, Edwin Starr, Tammi Terrell e uma orquestra de grandes músicos, Barry White assegura o “basso profondo” que faz tremer as próprias paredes do céu. O Ícone partiu, mas a sua música vai ficar.
O cantor faleceu no dia 5 de Julho de 2003 vítima de uma insuficiência renal, aos 58 anos. E morreu tendo conseguido elevar a sua arte à condição de sinónimo máximo de romantismo para a geração que cresceu nos anos 70. Mesmo para as gerações mais recentes, Barry foi elevado à condição de Ícone do Amor, muito graças à constante reciclagem da sua música e ao autêntico culto de que era alvo em séries de televisão como “Allie McBeal” ou até “Os Simpsons” onde a sua música e imagem eram usadas para transmitir uma ideia de sofisticação e quase-transgressão em relação aos actuais códigos do romance.
A Igreja foi onde Barry White aprendeu a cantar o amor. Mas foi um amor muito mais terreno que o haveria de impôr. Depois de ter feito a travessia dos anos 60 como cantor em vários grupos, como os Majestics ou os Atlantics, Barry descobriu a sua verdadeira vocação quando, nos anos 70, criou o trio Love Unlimited e começou a compor e a orquestrar as suas peças de romantismo incondicional a que juntava luxuriantes secções de cordas que ajudariam a definir os rumos do Disco Sound (“Love's Theme” é um dos mais duradouros clássicos das pistas de dança).
O sucesso alcançado com a sua fórmula deu-lhe a coragem necessária para, ainda durante a primeira parte da década de 70 avançar em nome próprio para uma carreira na música. Temas como I'm Gonna Love You Just A Little More Baby, Never, Never Gonna Give Ya Up (ambos de 1973), Can't Get Enough Of Your Love, Babe e You're The First, The Last, My Everything (o tema de 1974 usado de forma recorrente na série “Allie McBeal”) trouxeram-lhe sucesso e elevaram-no à condição de artifice máximo do amor feito canção. Grooves dolentes, arranjos sumptuosos, linhas de baixo insinuantes e, por cima, aquele “basso profondo” arrebatador que transmitia, no seu timbre e postura, todo o desejo e luxúria do mundo. Por alguma razão, afirmava-se naturalmente que muitos dos bebés feitos na América durante os anos 70 tinham tido por banda sonora do acto criador um dos discos de Barry White.
Em álbuns como I've Got So Much To Give, Stone Gon', Can't Get Enough, “Just Another Way To Say I Love You”, “Let The Music Play” ou a banda sonora de Together Brothers (a sua contribuição para o manancial de grandes bandas sonoras da blaxploitation nos anos 70), Barry White afirmou a sofisticação da comunidade negra, a pulsão sexual da sua geração e a celebração do amor na cama e nas pistas de dança. Paralelamente, pelo caminho, foi deixando breaks e samples avulsos que prolongariam o efeito da sua música ao serem adoptados pela comunidade Hip Hop ao longo dos anos.
Os anos 80 foram uma pequena travessia do deserto para Barry White (em termos de discos), embora ao vivo a sua chama continuasse bem alta. Mas com os já citados programas de TV e com o álbum The Icon is Love, Barry regressou em grande nos anos 90: às vendas, aos Grammys, ao reconhecimento do seu público. A pulsão apaga-se agora, pelo menos na sua dimensão terrena, e deixa-nos um carreira para redescobrir e muitos discos para explorar.