<$BlogRSDUrl$>
.

HitdaBreakz

8/01/2005

Reflexões sobre o allthebreaks.com


O texto do digga, no blog, sobre o Allthebreaks.com fez-me pensar sobre esta questão. Eu adoro diggin', adoro procurar discos. E sempre tive uma certa maneira de ver todo este processo. Não é uma postura pedante e acéfala do "sim, é oh tão cool só samplar discos originais" mas antes uma postura não só de respeito pela música mas também de aprendizagem, da viagem que a procura de sons para dar à nossa música nos permite fazer por todo o universo musical. Afinal de contas, tanto se pode samplar um baixo de um disco de blues como de um disco de EBM.
Por isso, quando digo mundo da música, digo mesmo mundo da música. Quem me lê aqui no blog, sabe da minha paixão por tudo o que anda a sair nos campos da electrónica mais dançante e não tenham dúvidas que o funk é o caibro onde
assenta todo o meu interesse por esta electrónica para o século XXI. Mais
interessante ainda, falar com os produtores deste tipo de sonoridades e discutir
com eles breaks de funk e perceber, também através deles, que o funk se
transmutou mas não desapareceu nas suas produções (da Missy à Amerie, do Kaos aos Glimmer Twins, do Justus Kohncke ao Robag Whrume, do Steve Kotey ao Emperor Machine, todos eles têm, nos discos que fazem, funk - basta ouvirem!).

Não perceber isto é, lamento dizê-lo, ver metade do problema. É tomar
conhecimento de que há música para o qual nós não sabemos dar explicação,
aceitando passivamente a incompreensibilidade da razão porque é que algo soa
como soa. Só o passado oferece respostas para o presente e nos permite
visualizar o futuro (nem que seja para dizer que isto já foi feito assim, logo
não pode voltar a ser feito da mesma moda). Como é que os Oasis podem ser
levados a sério quando se conhecem uns Beatles?


Image hosted by Photobucket.com

Olho para os samples como se fossem ingredientes para cozinhar. E sinto que os samples originais, por serem a fonte pura, são como usar produtos feitos directamente da terra. As compilações, porque remisturadas e remasterizadas por outra pessoa, já tiveram mãos para além das das pessoas que fizeram o disco originalmente e, nesse sentido, são como as conservas - são a mesma coisa mas não sabem tão bem como o produto fresco. E acho que a soma de muitos elementos puros, tal como os alimentos frescos, tem que ser melhor (ou pelo menos mais autêntico) que a soma de elementos comprados enlatados num supermercado qualquer. É como comer um hamburger feito por nós em casa e um no McDonald's. É carne no meio de pão - mas saberá igual?

Vocês perguntam : "Mas as diferenças são mínimas! Ninguém nota!" E eu respondo : Têm toda a razão. Ninguém nota, é quase impossível. Mas é no íntimo que encontro respostas para isso. É eu próprio saber que fui sincero com aquilo que mais amo : a música. Como também sei que há tanto tanto disco por aí e tanto tanto break por aí que não é preciso andarmos todos a samplar a mesma coisa. Esta linha de baixo desta comp servia tão bem, não servia? Procura, faz diggin', tenta encontrar outra. Da incerteza pode nascer algo de genial.

O Miguel Torga, numa conversa com pessoas minhas amigas, disse, uma vez, que andava, às vezes, durante dias por Coimbra a vaguear, a pensar, à procura de uma palavra para os seus poemas. Nunca mais esqueci isto. Não é isto diggin' na sua forma mais intensa? Não é isto que o Miguel Torga estava a fazer algo análogo ao diggin', só que na sua própria mente? Se fosse outra pessoa qualquer, tinha um dicionário de rimas ou de sinónimos e ia lá buscar a palavra que melhor coubesse ali. Mas não, tinha de ser ele próprio a chegar lá. Só assim fazia sentido.
Só assim, também, é que ele é o monstro da escrita que é, digo eu.

"Mas será que só com originais é que chegas a esse nível? Não mostraste há tempos o estúdio do Dr. Dre com as Dusty Fingers lá?"

Claro que usar só samples originais não vos tornará um Torga do sampling. Mas é em todo o processo que envolve o sample original que vocês dão passos muito seguros para lá chegar. Samplando duma compilação, vocês aceitam o que vos é dado, de mão beijada. Pegam no sample, metem na MPC, cortam, manipulam, alteram e fazem uma coisa brilhante. E aprendem o nome do break. E eu acho tudo isso muito bom, sou todo a favor de saberem quais são os breaks mais importantes do hiphop (e a lista do Allthebreaks.com, de tão completa que é, deve ser a vossa segunda escolha - a seguir ao Break da Semana, claro! - para conhecerem tantos destes breaks clássicos).


Image hosted by Photobucket.com

Mas ouviram o tema? Não, ouviram os dois segundos que contêm o break. Ouviram o álbum? Como poderiam, se nem sequer o têm? Conhecem o nome do baterista? Será que tem outros breaks iguais? Onde estão? Será que tem breaks melhores que estes (se fez este, porque não iria fazer outros?)? E a editora? Será que tem mais música desta? E este ano? Haverá mais coisas deste tipo de som? E o som? Será que o produtor é um Allen Touissant desconhecido? Terá mais discos onde tenha sentido haver necessidade das peles falarem debaixo da sua discografia?Nenhuma compilação vos responde a isto. Só os originais. Só com eles é que vocês crescem e evoluem enquanto ouvintes e amantes de música. É todo um processo de aprendizagem que está associado ao diggin', e que o digga tão bem exprimiu no seu texto, que faz com que o diggin' seja, ele próprio, não só a procura de discos para a nossa colecção ou para meter na MPC, mas também a procura de discos para nos alimentar a alma. E sem uma alma alimentada de música, como é que vocês querem fazer música?