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HitdaBreakz

6/10/2008

Diggin' in Africa: as aventuras de Frank Gossner


No novo número da revista Parq (descarregável em pdf no link indicado atrás), assino um texto sobre Frank Gossner, mentor do fabuloso blog Voodoo Funk (onde há vários sets feitos a partir dos discos descobertos no terreno que todos deveriam descarregar!) que dá conta das suas expedições em África para encontrar vinis que a memória local há muito perdeu. Essas viagens servirão de leit motiv para um documentário que se encontra actualmente em fase de montagem e pós-produção. Para me documentar para o artigo em questão entrevistei o ultra-prestável Frank que a partir de um cyber-café na algo agitada (política e militarmente) Guiné Conakry me respondeu com detalhe e paciência extrema. Prestes a mudar-se para Nova Iorque, com a sua colecção de discos, os seus cães e a sua mulher, Frank desvendou um pouco do seu mundo. Estas são as suas respostas:

Antes da primeira questão, dá-me um pouco de informação sobre o teu passado: quando começaste a tua actividade de DJ, como se iniciaram os teus hábitos de coleccionador, etc.
Tenho coleccionado discos de vários géneros desde que era criança. Sempre amei a música. Comecei a pôr música como DJ em Berlim por volta de 1994. Fazia umas festas conceptuais que eram uma espécie de Sleazy Listening dos anos 60 com projecção de velhos filmes de Sexploitation e com go go girls. Eu estive envolvido no lançamento do disco “Vampyros Lesbos – Sexadelic Dance Party” com faixas de Manfred Hübler & Siegfried Schwab que foram usadas pelo realizador espanhol de Sexploitation Jesus Franco para os filmes “Vampyros Lesbos”, “She Killed In Extasy” e “The Devil Came From Akasava”. Fiz também as festas promocionais para esse disco. Viajei muito por toda a Alemanha com uma trupe de bailarinas go go, uma jaula de go go cromada feita de propósito e algumas caixas cheias de bandas sonoras de clássicos de Sexploitation, Pop francês dos anos 60 e funk movido a órgão Hammond. Em 1996 levei esse conceito para Nova Iorque onde me mantive a fazer a festa “Vampyros Lesbos” semanalmente durante quatro anos e também uma festa mensal em Filadélfia.
Quando é que te apaixonaste por afro-beat e música africana em geral?
Quando vivia em Nova Iorque na segunda metade dos anos 90 passei muito tempo a fazer diggin’ e a procurar singles obscuros de soul e funk. Regressei a Berlim em 2000 e comecei aí uma festa funk chamada Soul Explosion. Continuei e voar para os Estados Unidos para procurar mais singles pelo menos uma vez por ano. Numa dessas viagens descobri a Smith’s Record Store em Filadélfia. Uma loja que se tinha mantido intocada e inexplorada por outros coleccionadores apenas por causa da zona perigosa em que se encontrava e por causa do algo assustador dono, Stan, que não era doido pela companhia de gente branca. Para minha sorte, os preconceitos raciais dele não se estendiam aos europeus e por isso fui o primeiro coleccionador de funk a ter acesso ao seu inacreditável armazém no andar de cima. Numa visita mais tarde, expliquei ao Stan que a minha mulher tinha recebido uma oferta de emprego para a embaixada alemã da Guiné Conakry e que se calhar por causa disso poderia mudar para África por um par de anos. O Stanj disse “hey, bom para ti… deixa cá ver, penso que tenho para aí algures um monte de discos africanos…” Ele levou-me ao seu escritório onde uma parede inteira estava coberta por estantes com discos e mostrou-me alguns lançamentos na editora nigeriana Tabansi. Comprei-lhe o lote inteiro de para aí duas dúzias de discos porque as capas me intrigaram. Uma inspecção mais minuciosa em casa revelou que apenas um dos discos continha material mais funky, mas era um disco incrível: “Na Teef know the road of theef” de Pax Nicholas & The Nettey Family. O líder da banda tocava percussões para o Fela Kuti na altura e as quatro faixas soam inegavelmente a Fela, pelo menos um bocadinho, mas têm um som meio trippy que lhes confere uma aura única e muito funky. Tem até um par de breaks de bateria muito bons. Descobri depois que este disco era tão raro que ninguém tinha ouvido falar dele. A minha curiosidade acerca de discos africanos foi então espicaçada e se antes eu estava preocupado a pensar no que iria fazer nos três anos que iria viver para África, agora sabia que iria passar o tempo a viajar e a procurar mais discos como aquele.
É difícil viajar em África? As expedições para procurar discos foram complicadas, tiveste problemas de segurança?
Viajei extensivamente pela Serra Leoa (8 viagens), Ghana (5 viagens) e Benim (9 viagens). Também fui ao Mali e à Costa do Marfim em várias ocasiões. Viajar em África é bastante diferente de viajar na Europa ou nos Estados Unidos. Na maior parte das vezes não há comboios e a maior parte das pessoas usa os “bush táxis” que normalmente são carros todos rebentados onde entra tanta gente quanto é possível (num carro pequeno isso significa 4 ou 5 pessoas na parte de trás mais duas pessoas no lugar ao lado do condutor!). Ás vezes há autocarros grandes que ligam as cidades mais importantes, alguns têm até ar condicionado e os atrasos são normais – se for de algumas horas apenas ninguém fala em atraso. Um atraso em África começa para aí nas doze horas e isso acontece muito frequentemente. Atravessar fronteiras pode ser um pesadelo, a corrupção está muito espalhada e os empregados do estado dependem dos subornos pois têm famílias para alimentar e é frequente passarem meses sem que recebam ordenado.
Não viajei na Nigéria. Lagos é demasiado perigosa para andar a correr por vários bairros com os bolsos cheios de dinheiro. Se andam a procurar discos tens que ter sempre dinheiro contigo para fazer uma compra caso uma oportunidade se apresente. Tenho sempre que ir onde quer que o meu guia local me leve. Provavelmente podes ter alguma segurança em Lagos se te mantiveres em certas zonas da cidade, mas não seria possível fazer qualquer tipo de diggin’ a sério e directo. É por isso que contrato pessoas para me procurarem discos na Nigéria e depois mos levarem até Cotonou no Benim que fica a três curtas horas de distância.
Em termos de segurança, nunca tive nenhum problema sério. Quer dizer, uma vez fui assaltado por alguém armado com uma faca em Cotonou, mas isso aconteceu por minha culpa: foi estúpido apanhar um táxi-motorizada para me levar através da zona mais perigosa da cidade durante a noite. O momento mais assustador foi quando tive que deixar a Guiné por causa de violentos confrontos entre gente que protestava contra o governo e as forças armadas. Viajar longas distâncias através de um país africano sob lei marcial não é algo que me apeteça repetir tão cedo.
A música africana ainda é muito pouco conhecida fora de África, embora várias compilações e reedições tenham começado a aparecer nos últimos anos. Assim sendo, como é que sabes o que procurar? Ou compras discos por instinto?
Comecei por coleccionar apenas discos de funk africano e afrobeat que pudesse usar para a minha actividade de DJ. Eu tinha uma enorme lista de discos que procurava e passava cópias a toda a agente. Ainda assim, muitas das melhores coisas que encontrei foi em discos que nem sabia que existiam. Ando sempre com um gira-discos portátil comigo e sem ele estaria perdido.
Nos últimos tempos tenho comprado também outros tipos de música africana: há demasiadas coisas boas por lá para me limitar apenas ao lado mais funky da música.
Quando é que a ideia de fazer um documentário surgiu?
Para minha surpresa, fui contactado por vários produtores de cinema que mostraram interesse em filmar as minhas expedições em África. Escolhi trabalhar com a Leigh Iacobucci porque ela já tinha vivido uns meses em Accra e parecia estar mais acostumada aos hábitos africanos. Em África, muita gente não quereria que lhes tirassem uma foto. As pessoas não querem sentir-se culturalmente exploradas por uns tipos brancos que lhes apontam as câmaras sem lhes oferecerem um pequeno presente e que depois vendem as imagens a alguma estação de televisão ou a quem lhes proporcione um certo lucro. A maior parte dos Ocidentais também não entende a forma que muitos africanos ocidentais têm de valorizar uma fotografia. Se alguém te tira uma foto então passa a ter uma cópia da tua aparência. Isto pode ser perigoso até porque as fotografias são muitas vezes usadas por feiticeiros para lançar feitiços que podem resultar em qualquer coisa: para te apaixonares por uma determinada pessoa, para teres muito sucesso no teu negócio, mas se encontrares o feiticeiro certo para determinado trabalho também podes fazer com que alguém perca a visão, fique louco ou morra. Tudo o que é preciso para que isso aconteça é um pouco de dinheiro, uma fotografia e um nome. Pode ser superstição e podemos tentar rir-nos disto, mas praticamente toda a gente por aqui (Frank ainda estava na Guiné quando respondeu a estas perguntas) acredita nestas coisa, mesmo as que têm educação e estudos. Se não exibires a atitude certa e se não andares com o tipo certo de pessoas, nunca serias capaz de conseguir fotos reais e autênticas.
Há algum tipo de plano para a estreia do documentário?
Ainda não, a montagem vai levar alguns meses, mas tenho a certeza que faremos algumas festas de lançamento com muita música e dança.
Além dos sets incríveis que fazes para o teu blog, alguma vez usaste os discos que encontras para contribuir para alguma compilação?
Haverá uma reedição do álbum de Pax Nicholas no final do ano e já há planos para outros lançamentos.
Estás a mudar-te de novo para Nova Iorque: vais dar uso à tua colecção e criar uma noite de afro-beat por lá?
NYC é a minha segunda casa. Tenho mais amigos lá do que em qualquer outro lugar do mundo. Propuseram-me um programa de rádio semanal na WFMU que começará em Outubro e que será perfeito para mim, até para poder tocar alguns dos discos que encontrei e que não são talhados para os clubes. Também tenho planos para criar uma noite afrobeat regular. A minha primeira data em Nova Iorque será já a 12 de Julho no APT.

Podes dar-me o TOP 5 das tuas descobertas em África?

01. The Poly Rythmo LP com Vincent Ahehehinnou (ALS 005).
Provavelmente o mais raro e mais cru dos álbuns da Poly Rythmo e todas as faixas são incríveis.

02. Marijata - This is Marijata
Depois das compilações “Ghana Soundz” na Soundway Records, todos os DJs queriam ter uma cópia disto… A maior parte das pessoas não sabe no entanto que além do tema “No condition is permanent” que aparece na compilação, há no disco mais duas faixas funky perfeitas para os clubes e um tema soul muito bom.

03. Stanislas Tohon - Dans le tchink systeme
Álbum de estreia do Stan que até aos dias de hoje permanece um dos mais populares cantores do Benim. Este é muito, mas mesmo muito complicado de encontrar e contém a bomba Afro-Latin-Funk “Paix Lo” que já agitou pistas de dança em Madrid, Berlin e NYC.

04. Pax Nicholas & The Nettey Family - Na teef know the road of theef
“You” é provavelmente uma das canções afrobeat mais cativantes que já ouvi.

05. Djimmy Ferry - Egbemi black
O Djimmy passou a maior parte da sua juventude em França, antes de regressar ao Benim onde gravou uma série de singles de garage-funk e um LP. A maior parte das gravações dele sofrem de péssima qualidade sonora, mas não este single. Também é a melhor faixa dele, na minha opinião. “Egbemi black” foi gravado em 1970 e soa a MC5 com James Brown a cantar em Yoruba.


Imagens cortesia de Frank Gossner e do blog Voodoo Funk.