<$BlogRSDUrl$>
.

HitdaBreakz

5/05/2008

30 anos de rodas de aço



O aniversário de um gira-discos é mais importante do que se possa pensar: nas três décadas em que o Technics SL-1200MK2 tem estado activo o mundo mudou e um pouco por sua causa: o Hip Hop e o culto crescente do dj como super-estrela devem tudo a estas rodas de aço que a partir do Japão tomaram conta do mundo.


Numa época de gadgets cada vez mais fantásticos, no sentido George Lucas do termo, e do desaparecimento da música do terreno do palpável, é admirável perceber que uma invenção com três décadas continua, teimosamente, a ser ferramenta talhada para a descoberta e a invenção. Foi há 30 anos que a Matsushita, fabricante japonês da marca Technics, colocou no mercado o modelo SL-1200MK2 que, ainda hoje, é usado por djs de todo o mundo.
A série 1200 da Technics está no mercado desde 1972 e por isso equipou muitas das cabines de Nova Iorque fundamentais na construção da arquitectura Disco Sound que dominaria boa parte dessa década. Mas só em 1978 é que surgiu no mercado o modelo que ainda hoje serve de base à versão mais comum, a 1210. A Technics introduziu poucas alterações no seu gira-discos desde 1978 sendo sobretudo sensível a pequenas modificações sugeridas pelo próprio uso que os djs lhe davam. As rodas de aço, como Grandmaster Flash lhes chamou, são, na verdade, o pilar técnico de uma revolução.
Meros 15 anos após o aparecimento dos Beatles, no Bronx nasceu outro tipo de culto: nos bairros sociais de uma das mais devastadas zonas da cidade de Nova Iorque, multidões reuniam-se para observar não um grupo de rapazes com guitarras, baixos e baterias, mas pioneiros como Afrika Bambaataa e Jazzy Jay, Kool Herc, Grandmaster Flash e Grandwizard Theodore, DJ Hollywood, DJ Breakout e outras lendas que mesmo dispensando instrumentação convencional conseguiam concentrar em si as atenções como verdadeiras estrelas.
Nesta altura o Hip Hop começava a impor os seus códigos, mas a partir de Manhattan outro tipo de revolução já estava em marcha e o dj como shaman, capaz de conjurar espíritos e manipular emoções pela forma como sequenciava os seus discos, começava a adivinhar-se. Em locais como o Gallery ou o mítico Studio 54 as pessoas reuniam-se em torno de um tipo, muitas vezes italiano, para dançar e estilhaçar convenções arcaicas de identidade sexual e social. No virar da década, o poder e alcance do dj era uma realidade incontornável e nomes como o de Larry Levan ecoavam como se de semi-deuses se tratassem.
Entretanto, em Chicago e Detroit outras revoluções desenhavam-se tendo igualmente o Technics 1200 como principal ferramenta. O House e o Techno nasceram ambos a partir das explorações de DJs como Frankie Knuckles, Ron Hardy ou Electrifying Mojo que em clubes ou na rádio apontavam a direcção pela forma com que usavam os seus gira-discos: mais do que meras ferramentas, os pratos onde se colocava o vinil eram extensões da própria personalidade dos djs.
As bases para uma nova ordem, que se tornou evidente depois da explosão da cultura de clubes no arranque dos anos 90, estavam lançadas e o dj como super-estrela tornou-se realidade. Obviamente muitos dos grandes nomes que hoje fazem o circuito mundial de super-clubes, funcionando como uma espécie de jet-set do mundo dos djs, há muito dispensaram o vinil como suporte principal da música que tocam. Mas graças a novas tecnologias como o Serato, mesmo armados com laptops esses djs continuam a utilizar o gira-discos como interface principal para a sua própria relação com a música: podem ter eliminado essa incurável fonte de problemas para a coluna que são as toneladas de vinil que tinham que se carregar para os clubes, mas não dispensaram as rodas de aço que permitem a manipulação da música.
Claro que para a comunidade mundial de gira-disquistas o Technics SL-1200MK2 continua a ser uma referência. Estes guerreiros que nasceram do Hip Hop, transformaram o gira-discos num autêntico instrumento levando a que DJs passassem a ser vistos na companhia de músicos “convencionais”: desde que Herbie Hancock recrutou Grandmixer DST para “Rockit” que uma nova tribo emergiu e passou a realizar calculadas experiências de manipulação de tempo e espaço a partir dos Technics. Por causa disso, algures no virar desta década anunciou-se que no Japão a venda de gira-discos tinha ultrapassado a das guitarras eléctricas. Ser DJ passou, pelo menos durante um certo período, a ser um objectivo mais desejado do que ser o novo Van Halen ou Slash.
Hoje, são várias as marcas – Vestax, Gemini, Numark, Stanton… – que competem no mercado que a Technics inventou sozinha. E os novos modelos de gira-discos que continuam a surgir no mercado todos os anos funcionam como monumento à longevidade de um pedaço de tecnologia que de facto revolucionou o mundo da música.

Publicado originalmente no número 2 da revista Parq.