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HitdaBreakz

4/27/2008

Rock Technicolor


Há quatro décadas que o mundo convive com a exploração de dimensões alternativas na música popular. O Rock Psicadélico impôs-se no período 67/68 como um sonho de expansão movido a LSD e electricidade e rendeu obras-primas que ainda hoje servem de referência. Dos Beatles e dos Jefferson Airplane até aos Stereolab e, mais recentemente, Radiohead, há uma linha que conduz até ao infinito e mais além. Texto: Rui Miguel Abreu


A indústria de nostalgia construída em torno dos anos 60, praticamente após o momento em que a utopia Beatles se dissolveu para dar origem à mais “negra” década de 70, nunca encaixou da melhor forma o facto de esse ter sido um período de intensa transformação e por isso perpetuou uma ilusão de harmonia que dava conta dos cabelos compridos, da música melodiosa, do pacifismo, do amor e da realidade multicolor, mas esquecia os abismos de feedback, as drogas, os confrontos com a polícia e vias políticas mais radicais. Na verdade, não houve uma década de 60, mas várias. E uma das mais interessantes é a que assistiu ao nascimento do movimento Psicadélico que registou o seu maior impacto no rock, mas que soube alastrar-se igualmente até ao jazz e à soul e a todos os outros géneros que lograram olhar para dentro antes de se lançarem para fora.
Em 1968, ao escrever sobre a histórica Convenção Nacional Democrata de Chicago, o poeta Allen Ginsberg confessava que o seu país o fazia sentir-se “num beco sem saída”. Os assassinatos de Martin Luther King, Jr e de “Bobby” Kennedy, em Abril e Junho, respectivamente, tinham deixado a América em estado de choque e a Convenção Democrata era vista como uma derradeira esperança para acalmar uma nação imersa em protestos e a contas com uma guerra no outro lado do mundo. Mas a Convenção terminou em violentos confrontos com a polícia, muitos deles liderados pelo notório activista anti-Vietname Abbie Hoffman, fundador dos Yippies (membros do Youth International Party). Um dos mais publicitados gestos de Hoffman foi a sua tentativa de reunir 50 mil pessoas em 1967 para através da energia psíquica fazer levitar o Pentágono e terminar a guerra no Vietname. Dois anos depois, porém, Hoffman conseguiu pelo menos arrancar um “fuck you” de Pete Townshend quando interrompeu o concerto dos The Who em Woodstock para protestar contra a prisão de John Sinclair, manager dos MC5 e líder do White Panther Party.
A CIA, bastante activa nesta época com o programa Cointelpro desenhado para desmantelar grupos organizados como os Black Panthers ou para perseguir intelectuais “subversivos” como o escritor negro LeRoi Jones ou até mesmo Allen Ginsberg – que escreveu que enquanto tudo isto se passava J. Edgar Hoover almoçava regular e tranquilamente com membros da Máfia em Nova Iorque… –, prendeu Sinclair por este ter passado dois “charros” de marijuana a agentes sob disfarce. Isto levou a enormes protestos na Crisler Arena de Ann Arbor em 1971 onde figuras como John Lennon, Bob Seeger, Stevie Wonder e Archie Shepp se reuniram para exigir a libertação do homem que levou os MC5 a darem um concerto livre em frente ao local onde se realizou a Convenção Democrata de Chicago. Sinclair tinha fortes ligações à música – John Drake, dos Amboy Dukes (grupo compilado na definitiva Nuggets: Original Artyfacts From The First Psychedelic Era, 1965-1968), escreveu o clássico “Journey To The Center of the Mind” sob o efeito de LSD fornecido pelo manager dos MC5. Para se ter acesso a essa droga, mesmo em 68, havia que ter ligações: “tinhas que conhecer alguém que conhecesse alguém para chegares até ao ácido. O alguém que eu conhecia era o John Sinclair,” recordou Drake quando entrevistado por Jim Derogatis, autor de “Kaleidoscope Eyes: Psychedelic Music From The 1960s to the 1990s”.

LSD

A Dietilamida do Ácido Lisérgico, ou LSD, é uma substância que foi sintetizada em laboratório pela primeira vez por Albert Hofmann, um cientista suíço que a 19 de Abril de 1943 resolveu experimentar 250 microgramas do seu próprio produto antes de se dirigir a casa de bicicleta, o único meio de transporte disponível na época da guerra. Depois do que se poderá descrever como uma viagem alucinante, o investigador chegou a casa e anotou os efeitos da droga: “Pouco a pouco comecei a apreciar as cores improváveis e as formas que persistiam por trás dos meus olhos fechados. Imagens fantásticas e caleidoscópicas surgiram em mim, explodindo em fontes coloridas.” A viagem de bicileta de Hofmann entrou para o folclore pop graças a temas de gente como os Beach Boys (“I Just Wasn’t Made For These Times”), Pink Floyd (“Bike”) e Tomorrow (“My White Bicycle”).
O primeiro vector de disseminação do LSD foi puramente académico, com artigos em revistas de psiquiatria a chamarem a atenção de escritores como Aldous Huxley, o homem de “Admirável Mundo Novo” e “As Portas da Percepção”, este último o livro que deu nome aos Doors de Jim Morrison. Não demorou para o LSD chegar à Califórnia: o psiquiatra Oscar Janiger e o filósofo Alan Watts começaram a testar os efeitos da droga – um dos pintores a quem Janiger deu LSD afirmou que a experiência teve o mesmo efeito que 4 anos na escola de arte. A elite de LA apressou-se a bater à porta do doutor: Anais Nin, Jack Nicholson, James Coburn, Cary Grant e até o maestro André Previn estão entre os notáveis que, de acordo com Jim Derogatis, sentiram no espírito os efeitos do LSD. Timothy Leary não tardaria também a experimentar o químico, colocando Harvard no mapa. As universidades revelaram-se mesmo pólos fundamentais para a divulgação do fármaco – Ken Kesey, mentor dos Merry Pranksters que haveriam de promover os famosíssimos “Acid Tests, descobriu o LSD como voluntário em experiências promovidas pela CIA na universidade de Stanford. Na rota de disseminação do ácido lisérgico seguiu-se Nova Iorque, cidade com uma extremamente activa cena underground de poetas beat e músicos folk desejosos de alargar a sua visão interior. Peter Stampfel, dos Holy Modal Rounders do Lower East Side de Nova Iorque, era um desses músicos. O seu tema “Hesitation Blues”, de 1963, é supostamente o primeiro a mencionar a palavra “psychedelic”! No ano seguinte, Bob Dylan cantava em “Mr. Tambourine Man” “take me for a trip upon your magic swirling ship…”. Os tempos estavam a mudar.

Acid Tests

Em 1964, a América aguardava ansiosamente algo que a subtraísse ao torpor em que os benefícios económicos do Plano Marshall a haviam mergulhado: carros luxuosos, casas nos subúrbios, aparelhagens com som estereofónico e filhos suficientes para darem origem a um baby boom e a um novo mercado feito de adolescentes que ajudou a propagar o rock and roll. A televisão ainda era a preto e branco, tal como a sociedade e, de certa forma, a música: os concertos tinham lugar em teatros, de luzes bem acesas para se ver o palco e as canções tinham que valer por si mesmas – sem adereços de qualquer espécie. A British Invasion liderada pelos Beatles teve o mérito de mostrar à América que o mundo tinha avançado para lá de 1959, mas nada fez para mudar a forma como a música era apresentada aos baby boomers.
Em 1968, Tom Wolfe, arauto do New Journalism, publicou o livro “The Electric Kool-aid Acid Test”, que Gus Van Sant vai agora adaptar ao cinema (ver caixa). Nesta obra, o autor de “A Fogueira das Vaidades” descrevia as festas promovidas pelos Merry Pranksters de Ken Kesey, que era uma verdadeira celebridade na América graças ao sucesso de “Voando Sobre um Ninho de Cucos”, a sua primeira novela inspirada na experiência como cobaia nos testes de LSD em Stanford. “Começou como uma festa,” escreveu Wolfe sobre o primeiro Acid Test, de 1965, “com filmes projectados nas paredes e luzes e fitas e os Pranksters a fornecerem eles mesmo a música, e isto para não mencionar o LSD.” Algures entre o primeiro Acid Test e a edição do álbum de estreia dos Grateful Dead em 1967 – eram eles a banda residente nas festas de Ken Kesey – nasceu o rock psicadélico e o concerto de rock moderno, autêntico happening de imersão total num mundo de som, imagem, cor e volume. Alguém tinha, finalmente, apagado as luzes da sala para acender as do espírito.

Beatles & Beach Boys

Brian Wilson experimentou LSD pela primeira vez em 1965. O ácido chegou-lhe às mãos através de Augustus Stanley que nesta altura operava o primeiro laboratório “caseiro” de fabrico deste químico quando não estava ocupado a tratar do som ao vivo dos Grateful Dead. “As minhas ‘trips’ levaram-me até às portas da consciência e depois para o outro lado,” escreveu o líder dos Beach Boys em “Wouldn’t It Be Nice”. A fragilidade emocional e psíquica de Brian Wilson foi bem documentada ao longo da história: nesta época, o cantor acreditava que o futuro da pop passava pelas suas criações e pelas dos Beatles, com quem mantinha uma relação simultânea de admiração profunda e competição cerrada. Depois de ouvir Rubber Soul, Wilson colocou a fasquia muito alta e resolveu deixar de acompanhar a sua banda ao vivo para se concentrar no trabalho de estúdio.
Até “I Want to Hold Your Hand”, de 1964, os Beatles e praticamente todos os outros grupos musicais gravavam ao vivo em gravadores de duas pistas. Quando Brian Wilson entrou em estúdio para gravar Pet Sounds a tecnologia já tinha evoluído bastante e o líder dos Beach Boys tinha à sua disposição gravadores de quatro e oito pistas. As bases instrumentais de Pet Sounds foram todas gravadas ao vivo no gravador de 4 pistas e depois misturadas para uma única pista do gravador maior. Nas sete pistas restantes, Wilson gravou as vozes dos seus companheiros e pormenores adicionais que ajudassem a realizar a sua visão de “sinfonias de bolso”.
Com efeitos de “reverb” e “phasing”, instrumentos electrónicos primitivos como o theremin (usado em “Good Vibrations”) e a possibilidade de manipular a fita de acordo com experiências já realizadas no âmbito da escola francesa de música concreta ou nos laboratórios da BBC por pioneiros como Delia Derbyshire, os músicos tinham finalmente a possibilidade de duplicar os efeitos provocados pela ingestão de LSD e manipular as noções de tempo e espaço em música, transformando o estúdio na mais fundamental das ferramentas de criação.
Os Beatles, no álbum Revolver, editado apenas 3 meses depois de Pet Sounds, em Agosto de 66, também mergulharam declaradamente no oceano psicadélico que se estendia à sua frente. John Lennon tinha experimentado LSD pela primeira vez no final de 1965, usando inclusivamente o manual correcto para isso – “The Psychedelic Experience”, o livro que Tomothy Leary tinha elaborado como um guia para a abertura das portas da percepção a partir do “Livro Tibetano dos Mortos”. Meses mais tarde, Lennon escreveu “Tomorrow Never Knows” inspirado directamente nessa “viagem”, usando até várias frases do livro de Leary na letra desse tema.
Menos de um ano depois, os Beatles editariam Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band, álbum conceptual onde o estúdio – e já não o palco – se assume como central no processo de criação. Canções como “Lucy in the Sky with Diamonds” (LSD…) ou “A Day in the Life” mostram claramente que os Beatles abraçaram a experiência psicadélica, inclusivamente levando-os a perder a imagem de “bons rapazes” quando começaram a atirar com frases como “o LSD abriu-me os olhos” para uma imprensa sedenta de escândalo. Ainda assim, havia também outra imprensa que não lhes poupava elogios: o crítico Langdon Winner, citado por Greil Marcus, escreveu que “o mais próximo que a Civilização Ocidental esteve da unidade depois do Congresso de Viena em 1815 foi na semana em que Sgt Pepper’s foi editado. Em todas as cidades da Europa e da América as aparelhagens e a rádio tocavam… e toda a gente ouviu.”

São Francisco

É na cidade de São Francisco que se deve procurar o epicentro do terramoto psicadélico. Por um conjunto alargado de razões – incluindo rendas baixas na zona delimitada pela rua Haight e a avenida Ashbury, locais para tocar como o clube The Matrix, pertença de Marty Nalin dos Jefferson Airplane, ou velhos salões de baile como o Avalon e o Fillmore e uma atmosfera permeável à extravagância – esta cidade revelou ser o perfeito viveiro para uma geração de bandas que entendia que o rock podia e devia ser transformado.
Uma das mais notórias bandas de São Francisco, os Jefferson Airplane, emergiu do circuito folk da cidade e cedo aderiu ao caderno de estilo psicadélico procurando influências vindas de fora da esfera rock – como a música indiana e a literatura de Lewis Carroll, por exemplo. Foi com a entrada da antiga vocalista dos Great Society, Grace Slick, que o grupo adquiriu notoriedade. Canções como “White Rabbit” e “Somebody to Love” levaram os Jefferson Aiplane até às capas da Newsweek e da Time, revistas que na época procuravam os novos símbolos para a geração do “Verão do Amor”. E de repente, “psychedelic” era uma palavra usada pela América suburbana.
Apesar da notoriedade dos Jefferson Airplane, São Francisco era suficientemente grande para albergar outras bandas com propostas musicais bem diferentes. Os Greateful Dead cresceram nos Acid Tests e transformam-se num grupo que a partir dos blues partia para intensas sessões de improviso e criação onde o jazz, o rock, a erudição de Stockhausen, o country e o LSD eram sempre ingredientes activos.
Os Dead, juntamente com os Jefferson Airplane e os Quicksilver Messenger Service, estiveram entre as bandas de rock que animaram o histórico Human Be-In, um evento que teve lugar em14 de Janeiro de 67 para reagir contra a lei de proibição de consumo de LSD promulgada uns meses antes. No Golden Gate Park de São Francisco congregaram-se as tribos, como se referia na capa do primeiro número do San Francisco Oracle, importante veículo de contracultura impresso entre 66 e 68 em Haight-Ashbury, e além dos grupos de rock subiram também ao palco poetas como Allen Ginsberg e agitadores como Timothy Leary que no seu discurso proferiu a famosa frase “Turn on, tune in, drop out” que se tornaria num dos mais duráveis símbolos “destes” anos 60.

Nuggets

Como em todas as coisas, um pouco de perspectiva beneficia sempre qualquer olhar. E foi com uma distância confortável que em 1972 a Elektra, etiqueta do grupo Warner, editou a crucial compilação Nuggets: Original Artyfacts From The First Psychedelic Era, 1965-1968. Organizada por Jac Holzman, fundador da Elektra, e por Lenny Kaye (mais tarde guitarrista de Patty Smith e produtor de renome com trabalhos de Suzanne Veja ou Kristin Hersh no seu currículo), essa compilação revelou ser extremamente influente e até visionária: uma das primeiras vezes que o termo “punk rock” foi utilizado foi precisamente nas notas de capa assinadas por Kaye. No entanto, a geração agregada em Nuggets era significativamente diferente daquela que a partir de São Francisco perseguia os efeitos hipnóticos do LSD nas suas canções. “Essas bandas estavam mais viciadas no pedal Gibson Fuzztone, o primeiro Fuzztone que saiu, do que em qualquer droga,” afirmou Kaye ao autor de “Kaleidoscope Eyes”. “A menos que se vivesse em Nova Iorque ou San Francisco, duvido que se conseguisse ter acesso a LSD. Muito daquilo era apenas desejo. Isso é que fazia aquelas bandas serem maravilhosas – havia milhões delas e se elas fossem ouvidas a 5 quarteirões de distância isso de certa maneira estragaria o que estavam a fazer.”
Tal como os inúmeros grupos de funk que cresceram na sombra de James Brown e que só mais tarde viram a sua validade assegurada nas compilações que os recuperaram, também esta geração psicadélica precisou de tempo para se revelar. No entanto, nem todos os grupos compilados em Nuggets eram obscuros: os Electric Prunes, os Standells ou os Count Five (cujo hit “Psychotic Reaction” serviu de título a uma antologia de textos de Lester Bangs) chegaram perto dos lugares cimeiros da Billboard. Mas o impacto maior destes grupos foi registado nas gerações seguintes e na influência que surtiram sobre a escola punk, sobretudo a americana. A primeira edição em 72 e a segunda em 76 surgiram no timing certo para marcar todos os que a partir dos Ramones investiram na arte das canções com dois acordes.

Psych UK

A explosão pop em Inglaterra liderada pelos Beatles e Rolling Stones teve como consequência directa uma abertura enorme nos clubes e editoras e por isso muita música realmente desafiante foi lançada nessa época. Donovan, considerado por muitos como a resposta britânica a Bob Dylan, é um dos mais interessantes exemplos de psicadelismo em terras de Sua Majestade: “Sunshine Superman”, “Mellow Yellow” (tema que incluía arranjos de John Paul Jones e vozes sussuradas de Paul McCartney) e, sobretudo, “Hurdy Gurdy Man” (resposta a “Mr. Tambourine Man” de Dylan com a colaboração de Jimmy Page e John Bonham que estavam prestes a formar os Led Zeppelin com John Paul Jones) são destaques numa carreira que se revelaria demasiado curta. Donovan era originário da cena folk britânica – onde militavam artistas como Bert Jansch, Nick Drake, Fairport Convention ou a Incredible String Band – um dos pilares da imposição do psicadelismo no Reino Unido (tal como tinha acontecido também nos Estados Unidos). O outro pilar fundamental da primeira geração psicadélica britânica foi, sem dúvida, o clube UFO.
Fundado por Joe Boyd, produtor americano que ajudou a impor várias carreiras notórias na cena folk-rock britânica (incluindo as de Nick Drake e Richard Thompson), e pelo fotógrafo e jornalista inglês John Hopkins, o clube UFO operava na cave do número 31 de Tottenham Court Road e rapidamente se afirmou como ponto de passagem obrigatório no circuito underground de Londres da segunda metade dos anos 60. Os Pink Floyd foram a primeira banda contratada para actuar no clube UFO e o seu impacto foi tremendo. Neste clube, a música combinava-se com a projecção de filmes experimentais, slides, shows de luzes, bailarinos e o que mais fosse possível encaixar no espaço de forma a fazer de cada noite um evento único. Os Pink Floyd rapidamente cresceram para lá dos limites do clube, mas outras bandas como os Tomorrow,
The Crazy World of Arthur Brown, Procol Harum e os Soft Machine de Kevin Ayers e Robert Wyatt forneceram a dose de rock psicadélico necessária para manter o clube a funcionar.
Em 29 de Abril de 1967, John Hopkins foi também um dos organizadores do equivalente britânico do Human Be-In, o 14 Hour Technicolour Dream. Tratou-se de um evento desenhado para recolher fundos para o International Times (jornal da contracultura londrina) em que participaram os Pink Floyd, Yoko Ono, John Lennon, Soft Machine e The Pretty Things, entre vários outros nomes de relevo. Esse acontecimento está parcialmente documentado no filme “Tonite Let’s All Make Love in London” de Peter Whitehead, outro dos artefactos históricos da era psicadélica.
Tal como nos Estados Unidos, também em Inglaterra os ventos psicadélicos sopraram mais fortes entre 1967 e 1968, com bandas de topo como os Rolling Stones, os Cream e a Jimi Hendrix Experience a contribuírem também com trabalhos decisivos para o legado psicadélico.

Psych Now

Sendo a “primeira era” do rock psicadélico o produto da conjugação de circunstâncias – políticas, históricas, sociais, estéticas, etc – tão específicas, será possível ver esse psicadelismo na música actual? Obviamente que sim. Jim Derogatis estendeu a visão de “Kaleidoscope Eyes” até aos anos 90 (o livro foi originalmente editado em 1996), identificando herdeiros da chama psicadélica no Krautrock dos anos 70 (Amon Düül I e II, Ash Ra Tempel, Can, Neu), nos pioneiros da electrónica (Beaver and Krause), no Bowie da fase berlinense, no John Cale da década de 70, no P-Funk de Bootsy e dos Funkadelic, no rock alternativo dos anos 80 e 90 (Butthole Surfers, Cocteau Twins, Julian Cope, Dinosaur Jr, Feelies, Dream Academy, Dream Syndicate, Hugo Largo, Mercury Ver, Low), na cena Madchester (The Charlatans), no britpop (Blur e Oasis), no Hip Hop (De La Soul, Digable Planets, PM Dawn) e na nascente cena de dança erguida em torno da cultura rave (The Aphex Twin, Orbital, Orb, Irresistible Force, Moby). A sua “selected psychedelic rock discography” é suficientemente abrangente e generosa para citar ainda os R.E.M., Prince, as Bangles, os Big Star, Peter Gabriel, Flaming Lips e os Jesus and Mary Chain, entre outros. Se Derogatis editasse agora uma versão “revista e aumentada” do seu livro, certamente não deixaria de incluir a nova geração folk de gente como Devendra Banhart, Sufjan Stevens, James Yorkston ou Tuung. E certamente também seria capaz de ver na música dos Radiohead, Black Angels, Map of Africa ou Six Organs of Admittance uma intemporal marca psicadélica. Quando o rock procura novas texturas, estruturas e atitudes, quando os arranjos se abrem ao estranho e ao exótico, quando os mundos desenhados são mais interiores do que exteriores é sempre possível adivinhar-lhe algo de psicadélico.
Na introdução de “Kaleidoscope Eyes”, Jim Derogatis escreveu que em plena época da explosão punk Lester Bangs desenhou uma linha que ligava os três acordes e a atitude enérgica de “La Bamba” de Ritchie Valens a “Louie Louie” dos Kingsmen, “No Fun” dos Stooges e “Blitzkrieg Bop” dos Ramones. Uma visão panorâmica do psicadelismo é igualmente possível, como defendeu Derogatis enquanto apontava uma linha que liga “o drone hipnótico dos Velvet Underground ao confuso remoinho dos My Bloody Valentine; as experiências artísticas dos Beatles aos fluidos e estranhos samples dos PM Dawn; a demência dos 13th Floor Elevators à loucura grungy dos Flaming Lips; e os sons e imagens dos Acid Tests de Ken Kesey às raves dos anos 90.” Acrescente-se agora que essa linha também pode ligar a singular marcação rítmica do Donovan de Hurdy Gurdy Man ao DJ Shadow de Endtroducing.
Como é óbvio, hoje as portas da percepção continuam abertas e há sempre quem queira passar para o lado de lá e fazer música que acompanhe a experiência. Mais do que um som, o psicadelismo traduz uma atitude de permanente curiosidade e descoberta por esse mundo caleidoscópico que se transforma permanentemente em frente dos nossos olhos. Mesmo quando os temos fechados. Há portanto quatro intensas décadas de psicadelismo para explorar. Façam uma boa viagem.


Texto publicado originalmente na revista BLITZ