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HitdaBreakz

1/02/2008

Light In The Attic: o regresso da paixão


Antes de se ter tornado num monstro corporativo, a indústria discográfica era terreno fértil para pequenos selos que nasciam por força da paixão desmedida que os seus donos sentiam pela música. Foi assim nos primórdios da Blue Note ou da Stax: muitas etiquetas asseguraram lugar na história por terem colocado a música antes do negócio. Mas o mundo mudou com os Beatles – ou por causa deles… – e a indústria cresceu desmesuradamente, engolindo no processo muitas das pequenas operações que procuravam na música algo mais do que o lucro puro e duro. Revoluções musicais nascidas de minorias específicas – como o disco, o punk ou o hip hop – forneceram combustível aos gigantes corporativos que transformaram cada uma dessas linguagens em produtos normalizados de largo consumo: extraiu-se o gay do disco, o vómito do punk e o ghetto do hip hop e venderam-se milhões de cópias de qualidade inferior em nome de um lucro que durante anos não parou de crescer. Até, claro, à chegada da idade da Internet e do MP3. Hoje o tal gigante corporativo está agonizante e a desmembrar-se abrindo nesse processo espaço para o ressurgimento de propostas editoriais alternativas, pensadas como forma de celebração da música antes do produto. A Light In The Attic (LITA), de Seattle, é claramente um desses selos. Funk, soul e reggae, rock e folk psicadélico e bandas sonoras de filmes pornográficos podem encontrar-se no catálogo da LITA, editora que prefere cortar nos lucros para investir numa forma cuidada de embalar as suas edições, facto que apenas demonstra o profundo carinho que coloca em cada nova adição ao seu catálogo.
Matt Sullivan e Josh Wright começaram por estabelecer um acordo com a espanhola Vampi Soul para a distribuição nos Estados Unidos do seu excelente catálogo, mas rapidamente perceberam que podiam também lançar os seus próprios discos. Hoje, a LITA divide-se entre reedições (recolocou no mercado todo o catálogo dos Free Design, por exemplo), licenciamentos (lançou nos States a pérola de soul europeia que é “Keep reachin’ up” de Nicole Willis & The Soul Investigators) e lançamentos de raiz (é a casa dos Black Angels). Acção tripartida de uma operação que já ultrapassou as margens de uma Seattle onde o empreendedorismo independente tem fortes tradições.
A nova distribuidora da LITA em Portugal, a Ananana, acaba de disponibilizar uma série de preciosos títulos desta editora: um EP dos Saturday Knights (nova contratação: garage meets hip hop) e cuidadíssimas reedições de Betty Davis, Karen Dalton e Jackie Mittoo. Cada um destes títulos carrega a identidade da editora de forma vincada: a LITA é claramente o resultado de uma imensa paixão pela música e a concretização de uma ideia utópica onde o passado e o presente não são assim tão distantes, onde a música que resultou de íntimos sobressaltos (Karen Dalton) convive harmoniosamente com essoutra que parece ter nascido de públicas explosões (Betty Davis) e onde todas estas diferentes propostas são embaladas com o cuidado de quem sabe estar a criar futuras peças de colecção. Daquelas que resistem ao tempo e que são alheias ao desmoronamento de qualquer indústria.

Texto publicado originalmente no # 24 da revista Op.