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HitdaBreakz

1/04/2008

LCD Soundsystem - bodas de prata


Sound of Silver dos LCD Soundsystem é uma obra de excepção, um daqueles discos que carrega nos ombros a alma da sua época. James Murphy e Tim Goldsworthy são os autores do melhor álbum de 2007. Os nossos parabéns!


James Murphy e Tim Goldsworthy foram muito longe em Sound of Silver e percorreram toda a distância que ainda separa o estilo da alma e a forma da essência. Até ao novo álbum, os LCD Soundsystem soavam muito preocupados em enunciar a revolução, desenhando regras e criando mapas para orientar a nova idade sincrética em que as vertentes electrónica e eléctrica se cruzam sem se sacrificarem mutuamente. Este admirável mundo novo rendeu um álbum de excepção (ver caixa) e abre as portas do futuro de par em par para os LCD Soundsystem se afirmarem como uma das mais importantes forças criativas do novo século. Que James e Tim o possam fazer escrutinando o passado com a sua potente lupa é apenas a prova definitiva de que neste planeta pós-Al Gore empenhado na reciclagem até no pouco verde mundo da pop é necessário ter atenção aos recursos naturais. E Nova Iorque, cidade berço da Pop Art e do Disco e do Hip Hop e de tantas outras coisas, é uma das maiores fontes de inspiração da música. James Murphy sabe-o tão bem…
Andy Warhol, esse génio que ajudou a inventar a modernidade com a sua Pop Art, apaixonou-se pelo prateado do papel de alumínio numa visita a casa de Billy Name, fotógrafo e membro da entourage do autor das pinturas de latas de sopa Campbell’s, e pediu-lhe que fizesse o mesmo na mítica Factory. Esse atelier de Manhattan era muito mais do que o lugar onde Warhol pintava: era um autêntico laboratório onde se testava os limites da década de 60, com visitantes frequentes como Bob Dylan, Mick Jagger ou Truman Capote. Name cobriu o local de tinta prateada, espelhos e papel de alumínio, supostamente fazendo eco dos gostos de viciados em anfetaminas que, algo inexplicavelmente, se sentiam atraídos por essa cor. E, claro, os Velvet Underground ensaiavam por ali ao mesmo tempo, provavelmente, que Salvador Dali ou Allen Ginsberg discutiam qualquer coisa com o homem que Lou Reed e John Cale homenagearam no álbum Songs For Drella. Que «All My Friends» dos LCD Soundsystem se apoie no mesmo piano propulsor que John Cale usa em «Work» (do álbum …Drella, precisamente) não é espanto nenhum. Afinal de contas, John Cale até foi um dos nomes requisitados para a criação de versões alternativas desse hino moderno que é «All My Friends». Al Gore bem pode dar uma medalha a Murphy e a Goldsworthy que estão claramente a fazer o seu papel nesta cruzada da reciclagem. Mas os LCD vão bem para lá do mero reaproveitamento do passado e conseguem nunca soar revivalistas, mesmo quando as referências que elegem – David Bowie e Kraftwerk em «Get Innocuous», Lou Reed em «New York I Love You», Can, The Velvet Underground, Talking Heads, Liquid Liquid um pouco por todo o lado, Disco e Electro old school na subcave de cada tema, a Factory de Andy Warhol, o Studio 54 e o Central Park – surgem sem máscaras nas canções, nos toques particulares de produção, nos arranjos ou simplesmente na sombra das melodias. Essa capacidade é mais rara do que se possa pensar e é uma das características do génio – exibir o velho mesmo em frente aos nossos olhos e fazer-nos acreditar que é novo. Não é uma ilusão. É mesmo assim. Nunca aconteceu um passo em frente não ser precedido de dois passos atrás.

Música para adultos

A crítica – nacional e internacional – reconheceu essa utilização de referências do passado quando sublinhou o carácter adulto de Sound of Silver. Dorian Lynskey afirmou no Guardian que a música dos LCD Soundsystem em 2007 é “dance-rock para crescidos” e na Uncut escreveu-se que “só raramente alguém a fazer música tão excitante e na moda se escusa a pedir desculpas por ser tão adulto.” “Mas,” escreveu Nick Southall na recentemente defunta Stylus Magazine, “o que eleva a música dos LCD Soundsystem para lá de serem apenas a maior banda de tributo do mundo é o profundo amor e estilo com que Murphy exercita os seus pastiches e, de forma mais óbvia em Sound of Silver, o puro peso das emoções que ele consegue manipular nas suas surpreendentemente ricas composições.” O cepticismo de Southall é compreensível. Até porque o arranque de carreira dos LCD Soundsystem de «Losing My Edge» ou «Daft Punk is Playing at My House» tinha algo de adolescência imberbe, não que isso seja negativo, até porque o que nessa dimensão é positivo é também, no fim de contas, o que é imediato e pouco profundo, quando a energia se sobrepõe à reflexão e as hormonas descontroladas tomam conta da acção. Agora, algo de diferente anima Murphy e as suas palavras no início de «All My Friends» até parecem falar da ideia que este texto explora: “That’s how it starts / we go back to your house / we check the charts / and start to figure it out.” Murphy parece estar a falar da própria música, e de como a citação marca o início do crescimento, antes de se procurar um caminho próprio. Sound of Silver
Esse caminho inaugurou-se no arranque do século. Murphy recordou esses dias nas páginas da New York Entertainment: “tínhamos alguns dos writers de graffiti originais, miúdos da Zulu Nation, pessoal que trabalhava em cinema, punks de Brooklyn a precisarem de tomar banho, pessoas mais velhas da cena de dança, a Rosie Perez de muletas – era a mais estranha mistura de pessoas que se poderia encontrar,” garantiu Murphy. “Eu costumava pegar em duas pastilhas de ecstasy, partia cada uma em quatro e metia-as nos cantos dos dois gira-discos e ia metendo os peedaços à medida que o set de DJ ia avançando. Tocava Donna Summer, Kraftwerk, Public Image Ltd., os Beatles, os Stooges – qualquer coisa. De facto, parecia mesmo que algo estava a acontecer.”
E algo aconteceu. Algo que transportou os LCD Soundsystem e a DFA da dimensão de uma pequena, embora visionária, etiqueta de Brooklyn para uma operação mais sólida amparada pela “major” Capitol/EMI. Antes da edição de Sound of Silver, James Murphy falou à Pitchfork sobre o seu envolvimento com gigantes corporativos. Além de afirmar que a relação com a EMI o surpreendeu por estar à espera de gente mais maquievélica – “gosto de ser o único maquievélico na sala,” ironizou – Murphy explicou que faz sentido estar numa editora mainstream porque sempre gostou de pop: “Sempre me interessei pela pop e penso que os LCD são uma banda pop. Não gosto de pessoas que são puristas. Não gosto delas. Chateio-me muito com gente que me pergunta ‘porque é que não te limitas a fazer música de dança?’ Essas pessoas eu penso que são desinteressantes. Penso que esse tipo de crítica é totalmente infundado. As pessoas que mais admiro fizeram parte de uma época em que podiam ir a Berlim trabalhar com o Connie Plank e fazer um disco estranho e abstracto e depois ir a outro lado e fazer um hit single que chegava a número 1 com outra pessoa qualquer. Isso era excitante, sair da vanguarda e da pop e fazer com que se fundissem. Eu queria que a DFA tivesse uma banda numa major e era suposto serem os Rapture, mas quando eles saíram para fazer a sua própria cena eu pensei, ‘diabo, lá terei eu que fazer isso’.”

Fôlego de álbum

Numa época em que o MP3 se apresenta já como o inevitável suporte do futuro, favorecendo o regresso ao mais imediato plano dos singles com o irresístivel e (praticamente) redondo preço de 99 cêntimos (pelo menos no iTunes) por tema, os LCD Soundsystem – que precisamente pareciam ser vistos como uma banda de singles e cujo primeiro álbum inexplicavelmente não parecia elevar-se até ao nível da soma das suas partes – sagram o formato clássico de maior fôlego com um conjunto perfeito de nove canções. Mark Pytlik, na Pitchfork, confessou que “um álbum que parece mesmo um álbum”, como é Sound of Silver, lhe parece “positivamente ideal nos tempos que correm.” De facto, Murphy e Goldsworthy não fizeram um álbum qualquer. Para começar, parecem ter usado a escala do velho vinil: 9 canções e 55 minutos aproxima Sound of Silver das obras clássicas originalmente pensadas para vinil. Aliás, parece até haver um lado A (que termina em «Someone Great») e um lado B (que começa em «All My Friends») mais ou menos nítido. E isto, claro, mesmo sabendo que na versão de vinil de Sound of Silver se optou por um álbum duplo para preservar ao máximo a qualidade do som. E, por falar no som, é por aí que continua a glorificação do formato álbum: actualmente acontece com frequência haver alguma dispersão de sonoridades num certo tipo de álbuns por se usarem diferentes produtores (no terreno do Hip Hop, por exemplo) ou por se procurar um ecletismo por vezes inócuo que reforça o ar de novo século, a procura de diferentes públicos ou simplesmente um vazio de ideias. Nada disso acontece em Sound of Silver que beneficia de uma perfeita coesão que é fruto da particular visão de James Murphy que afirmou também (ainda à Pitchfork) que procurou incluir o máximo de detalhes nas suas canções sem se preocupar como iriam soar ao vivo. Essa é outra marca contra-corrente, num momento em que em tantas entrevistas se manifesta a preocupação em ter nos álbuns temas que reproduzam a energia de palco. Murphy é um homem de palco e os LCD são reverenciados pelos seus excelentes concertos, mas ultimamente tem manifestado o desejo de passar mais tempo em casa e no estúdio. Sound of Silver parece ter-lhe apontado a direcção.
À revista online MusicOMH, James revelou um lado modesto quando confrontado com a possibilidade de Sound of Silver ser um dos álbuns do ano: “É muito simpático e um grande elogio e claro que agradeço isso mas, quer dizer… talvez eu esteja a falar como uma pessoa rica que diz que não liga ao dinheiro. Historicamente,” prossegue Murphy, “a DFA e os LCD tiveram um óptimo comportamento junto da crítica – não somos uma daquelas bandas que vendeu muito mas não recebeu boas críticas e por isso começou a dizer ‘que se lixem os jornalistas’. Nós recebemos boas críticas e não vendemos muitos discos (risos). Não sinto uma tonelada de pressão só quero mesmo fazer o melhor possível para mim mesmo e para as pessoas que me rodeiam. E elas são muito críticas. Muito mais do que quaisquer outras pessoas.”
Talvez por causa da tal coesão que marca Sound of Silver, deixaram-se as leituras diferentes para os singles. «All My Friends» foi alvo de uma ultra-cósmica ou psicadélica remistura de DJ Harvey (guru de uma nova cena que um homem atento como Murphy não poderia ignorar), de uma versão de John Cale (que aí toca guitarra como se fosse Lou Reed…) e outra dos Franz Ferdinand (que abordaram o tema pelo ângulo Joy Division…). Já «North American Scum» foi alvo de manipulações mais electrónicas de Kris Menace e de Eric Brouceck enquanto no single de «Someone Great» se encontrou retratamento dos Soulwax para o tema título, de Carl Craig para «Sound of Silver», de Gucci Soundsystem para «Time To Get Away» e de Windsurf para «Us V Them». Um processo completamente diferente do primeiro álbum. LCD Soundystem culminou um intenso período de edição de singles e Sound of Silver iniciou-o (só «North American Scum» o precedeu) pelo que a intensão é claramente a oposta. Se no primeiro registo de longa duração se sentia que o trabalho apresentado era um mosaico representativo de ideias, impulsos e até períodos diferentes, no álbum de 2007 dos LCD Soundsystem tudo é força, determinação e unidade. De «Get Innocuous» até «New York I Love You» sente-se um fio condutor, de emoções, mas também de sonoridades. Murphy explicou que depois de um primeiro álbum com cores de terra, queria para o seu segundo LP um som mais prateado. Como Warhol, Murphy quer uma cor que represente modernidade, invenção, uma cor capaz de reflectir o seu próprio tempo, uma cor que anuncie o futuro. E este é o som dessa cor.


Sound of Silver (caixa)

Sob um determinado prisma, Sound of Silver parece o primeiro álbum dos LCD Soundsystem. Não apenas porque LCD Soundsystem soava como uma compilação de singles (mesmo não o sendo), mas também porque Sound of Silver tem a espessura que normalmente se encontra nos primeiros álbuns e que se faz de certezas, de uma confiança que chega a ser desconcertante e que é própria de quem está plenamente seguro do que quer fazer na música. O confronto com a indústria e a forma encontrada para lidar com poucas vendas ou com vendas em excesso normalmente tem efeitos nefastos nos segundos álbuns, mas tal não acontece em Sound of Silver que é um disco extremamente sólido, feito de canções que de facto parecem canções e de emoções reais a que nos podemos ligar.
No passado, James Murphy preferiu uma abordagem, digamos, intuitiva à arte das canções, debitando letras que soavam improvisadas e provavelmente eram mesmo. «Losing My Edge», por exemplo, parece fruto desse repentismo. Agora o cuidado é obviamente outro. Ouvindo «All My Friends» percebe-se que Murphy está a tentar ser ouvido para lá das colunas dos clubes que debitam a sua música. E o facto dessa canção se elevar acima das vozes de John Cale ou dos Franz Ferdinand significa que tem alma. E essa é provavelmente a inversão que explica que a mesma matéria sónica que já animava o material anterior a Sound of Silver resulte agora mais… emocional. Talvez seja da idade: Murphy está mais próximo dos 40 do que alguém da sua idade provavelmente desejaria. Mas também é a idade – e as décadas de audição das bandas todas que enumerava em «Losing My Edge» (e mais algumas ainda…) – que lhe dá a autoridade para ir pilhar no passado os impulsos que necessita para erguer as suas canções. E que lhe dá a visão para «All My Friends»: “we set the controls for the heart of the sun / one of the ways we show our age” ou “i wouldn’t trade one stupid decision / for another five years of lies”. Quando o ritmo é a miragem e o abandono é o objectivo ninguém puxa do bilhete de identidade. Mas Murphy faz mais do que exibir os anos que lhe pesam nos ombros: coloca um enorme espelho à sua frente: “sound of silver talk to me / makes you want to feel like a teenager / until you remember the feelings of / a real life emotional teenager / then you think again”.
Sound of Silver resulta perfeito nas pistas – são 9 canções pulsantes, produzidas na perfeição – e também no irmão mais novo e digital do walkman: dentro da cabeça a dança prossegue, mas as melodias, os detalhes, as palavras e os arranjos sobrepõem-se à força. E isso, acreditem, é a marca de um grande álbum.

Textos publicados originalmente na revista Blitz.