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HitdaBreakz

11/17/2007

Jazz Bridges # 7: Madlib e o universo do jazz


Madlib tem vindo a retirar do mundo do jazz muitos elementos que lhe têm guiado a criação, mas além das questões puramente estéticas o jazz ensinou-lhe igualmente uma disciplina de trabalho que já não se usa e que no meio do hip hop onde se move é extremamente rara. A indústria pop moderna dita o fôlego da criação, pois a um álbum tem que se suceder um período de promoção e pelo menos uma digressão e as vendas dilatam-se cada vez mais no tempo não permitindo que um artista se exprima consoante a inspiração impõe. Mas um rápido olhar para a discografia de Madlib revela que este homem aprendeu o timing das edições na época em que os mais esforçados jazzmen podiam colocar o seu nome em mais de uma dezena de títulos por ano. Ora, o mais importante nome do catálogo da californiana Stones Throw tem uma vez mais uma carregadíssima agenda de edições onde se destaca “Yesterdays Universe – Prepare for a New Yesterday (Vol. 1)”.
O jazz, como já deu para perceber, corre nas veias de Otis Jackson, Jr, nome verdadeiro de Madlib: o seu pai era um músico de sessão que trabalhou bastante com H.B. Barnum, arranjador de serviço em muitas produções conduzidas por David Axelrod. Por outro lado, Madlib habituou-se a ver grandes vultos do jazz em sua casa, trazidos para jantar pelo seu tio, o trompetista Jon Faddis, sempre que a estrada o aproximava de Oxnard, a vila a norte de Los Angeles onde cresceu. O jazz não demorou a manifestar-se na música criada por Madlib. Primeiro como matéria-prima dos beats que criava para o seu grupo Lootpack ou para alter-egos como Quasimoto e mais tarde quando criou a ideia Yesterdays New Quintet. Este quinteto imaginário, mas com todos os músicos perfeitamente identificados – Ahmad Miller, Joe McDuphrey, Malik Flavors, Monk Hughes e, claro, Otis Jackson Jr – editou dois álbuns, “Angles Without Edges” e “Stevie Vol. 1”, e todos os seus “elementos” lançaram projectos a solo: a “esquizofrenia” musical de Madlib deu origem a um universo perfeitamente equilibrado, em que cada um dos elementos do quinteto tinha uma baliza estética perfeitamente definida, o que tanto podia significar experiências modais ou incursões por territórios mais free. A Blue Note foi a primeira a reconhecer o pedigree jazz de Madlib e, pela segunda vez na sua história, abriu o seu arquivo ao sampler de um artista. O resultado foi “Shades of Blue”, um álbum em que Madlib encarou o legado da Blue Note como um mapa para o guiar numa jornada musical até ao presente.
Agora, Madlib está de nova na “zona”: Yesterdays Universe é um complexo projecto em que o ponta de lança da Stones Throw vai ainda mais longe do que no passado. Como não lhe bastava um quinteto, Madlib concebeu o novo álbum como uma compilação em que participam uma série de projectos com nomes delirantes, subtraídos directamente ao universo dos discos de vinil que alimentam a sede deste criador. The Last Electro-Acoustic Space Jazz Ensemble, Kamala Walker and The Soul Tribe, Monk Hughes & The Outer Realm, The Eddie Prince Fusion Band, Joe McDuphrey Experience, The Jahari Massamba Unit, Yesterdays New Quintet, Young Jazz Rebels, Sound Directions, Jackson Conti, The Jazzistics, Malik Flavors, Ahmad Miller e Suntouch são 14 maneiras diferentes de dizer Madlib. Com a ajuda de dois bateristas - Karriem Riggins (que já trabalhou com Roy Hargrove e normalmente acompanha Roy Brown) e Mamão (do lendário grupo de fusão brasileiro Azymuth) -, Madlib fechou-se no estúdio e emergiu com mais um álbum de excepção, onde o jazz surge como uma linguagem capaz de comunicar diferentes visões musicais. Uma vez mais, Madlib percorre várias eras e correntes, do jazz de feição mais espiritual até ao free, passando por momentos mais declaradamente enraizados na tradição rhythm n’ blues. Obviamente, o que é de louvar aqui não é o facto de Madlib produzir todo este glorioso ruído com as ferramentas que o hip hop lhe ensinou a usar, mas o resultado final, a música, que o revela como um jazzman de alma e coração preso no corpo de um excepcional produtor de hip hop.

Texto publicado originalmente no número 14 da revista jazz.Pt