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HitdaBreakz

11/18/2007

Compilações funk


No número 11 da revista Wax Poetics, Joe Allen cita o teórico alemão Walter Benjamin e as suas impressões sobre o coleccionismo. Em tradução mais ou menos livre: “É a grandiosa tentativa de ultrapassar o totalmente irracional carácter da mera presença do objecto através da sua integração num novo e expressivamente concebido sistema histórico: a colecção. E para os verdadeiros coleccionadores, cada uma das coisas neste sistema transforma-se numa enciclopédia de todo o conhecimento da época, da paisagem, da indústria (…).” O coleccionismo, sobretudo nos domínios da música pop, nunca esteve num plano tão destacado como hoje. E isto porque se inverteu o propósito das compilações. Até à década de 80, as compilações eram meros exercícios de marketing ou desesperadas tentativas de rentabilização de catálogo tantas vezes moribundo: sob uma capa em que se imprimiam títulos como “PolyStar” ou “K-Tel’s Best of Whatever” tratava-se a música como material de saldo de fim de época. Essa atitude ainda não desapareceu totalmente, mas um novo paradigma emergiu: o do coleccionador especializado cujo olhar sobre uma determinada época, artista ou editora se traduz em singulares compilações. No alinhamento destes discos e tantas vezes nas meticulosas notas que os acompanham pode ler-se essa “tentativa de ultrapassar (…) o carácter da mera presença do objecto”, como referiu Benjamin, e a sua consequente inserção num “sistema histórico”.

Assim, a série Sister Funk idealizada por Ian Wright (e que agora chega ao segundo volume na Jazzman) procura mostrar, como se refere nas (meticulosas…) notas de capa, que o funk não era apenas um “man’s man’s world” e que muitas vozes femininas tentaram igualmente impor-se nesse mundo de ritmos másculos. Por outro lado, “Good Things – The Story of Saadia Records” faz o que nunca foi feito – conta uma história que só existe porque alguém juntou pedaços de memória dispersos – raríssimos singles de vinil – e montou uma imagem que até aí nunca tinha sido vista: a parte de leão do output de uma obscura label da Florida. Perspectiva semelhante é avançada em “Colombia!”, colecção centrada sobre o lado mais balançado do catálogo da histórica Discos Fuentes. Como acontece com as outras compilações referidas, é o espírito coleccionista que ilumina esta selecção que tem carimbo da Soundway e que assim se junta a outro volume dedicado ao Panamá. Cada uma destas compilações funciona igualmente como diário de viagens de descoberta: não é apenas a música que se evidencia aqui, mas igualmente a arte de a encontrar e de a ordenar. Estes discos são, enfim, a prova de que um coleccionador pode inventar um passado.
Vários
“Sister funk 2”
Jazzman, 2007
“Good Things”
Jazzman, 2007
“Colombia!”
Soundway, 2007
Todos com distribuição Sabotage


Texto publicado originalmente no # 23 da revista Op.