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HitdaBreakz

9/10/2007

Jazz Bridges # 6: Bernard "Pretty" Purdie


Depois de um álbum clássico, um produtor singular, um instrumento mágico e duas editoras míticas (e todos estes adjectivos são mais do que justos), é chegada a hora de voltar a atenção para um dos principais pilares de qualquer Jazz Bridge que se preze: o homem que se senta por trás da bateria! Mas a ideia não é falar de gigantes sobejamente celebrados como Max Roach, Art Blakey, Elvin Jones ou Tony Williams, verdadeiros mestres na definição do tempo bop cujo contributo para as revoluções que marcaram a história do jazz dos anos 40 em diante foi, obviamente, inestimável. Jones e, mais tarde, Williams estiveram entre os bateristas que ajudaram a libertar o jazz das malhas do tempo clássico. Com o free jazz, ostinato passou a ser uma palavra feia e uma nova geração de bateristas mais devedores do estilo clássico do bop começou a não distinguir entre sessões de jazz e trabalho nos domínios do R&B. Pagava-se a renda e, ao mesmo tempo, definia-se uma época.
Dois bateristas nascidos em 39 marcaram de forma profunda as décadas de 60 e 70: Idris Muhammad e Bernard “Pretty” Purdie. Com carreiras e estilos similares, ambos ajudaram a erguer o ritmo funk que serviu de banda sonora à nação americana no período que se seguiu à imposição das conquistas do Civil Rights Movement. A história e a obra de cada um deles serviria para muitos Jazz Bridges, por isso mesmo concentre-se a atenção em “Pretty” Purdie, mais velho do que Muhammad por uns meses e provavelmente o mais gravado baterista de todos os tempos (Purdie afirma que tocou em mais de 3 mil discos).
Para um baterista como Bernard Purdie, o jazz – e sobretudo o legado do bop – era um idioma, uma forma de comunicar e uma forma de conseguir trabalho, realidade que a partir dos 14 anos, altura em que começou a sustentar a sua família, nunca mais o abandonou. Purdie surgiu num momento especial da história da música e podia facilmente ter-se perdido no turbilhão de mudanças – estéticas, políticas, espirituais e sociais – que marcaram os anos 60, mas o seu ritmo revelou-se perfeito para os novos tempos: o seu estilo era económico, mas vigoroso, sobretudo o seu trabalho no bombo, perfeito para se adaptar à imposição do baixo eléctrico nos estúdios. Wilbur “Bad” Bascomb, filho do trompetista “Dud” Bascomb, afirmou que com Purdie aprendeu a “não tocar tanto” e atribuiu ao baterista o título de “rei do tempo”. O carácter metronómico de Purdie ajuda certamente a explicar o seu sucesso – os produtores chamavam-no porque ele garantia resultados imediatos, sem desperdiçar horas preciosas de estúdio. E talvez seja essa a razão fundamental para o seu nome se poder encontrar em discos tão diferentes como “New Grass” de Albert Ayler, “El Gato” de Gato Barbieri, “Say It Loud, I’m Black and I’m proud” de James Brown, “Sweet Lou” de Lou Donaldson, “Young Gifted and Black” de Aretha Franklin, “Fat Albert Rotunda” de Herbie Hancock ou “Aja” dos Steely Dan. E esta é uma curtíssima amostra de um trabalho que se impôs em diferentes territórios. O jazz, claro, recrutou Purdie quando se queria aproximar de uma pop que inundava as ruas e traduzia os novos tempos de forma muito clara. E a pop reconhecia na marcação singular de Purdie uma sofisticação rítmica que só podia ser herdada do jazz. O melhor de dois mundos que muito beneficiou um baterista que nunca temeu desafiar mitos – Purdie afirmou variadíssimas vezes que é ele e não Ringo Starr que se ouve nalgumas das primeiras gravações dos Beatles – e que ficou conhecido por ir para os corredores dos grandes estúdios com um cartaz pendurado ao peito que dizia “Pretty Purdie, The Hit Maker”. Purdie afirmou igualmente ser um “fixer”: alguém que resolvia problemas levantados por bateristas menos “rigorosos” e que nessa qualidade tocou sem ser creditado em muitos discos. Dos Sly and The Family Stone, por exemplo. À revista Waxpoetics, em 2002, Purdie resumiu toda a sua longa história numa frase simples: “era apenas um emprego.” Podia ser, mas ninguém marcava o ponto como Bernard Pretty Purdie.

Texto de Rui Miguel Abreu originalmente publicado na revista Jazz.Pt