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HitdaBreakz

7/21/2007

Run DMC: é mesmo assim


Os Run DMC são hoje uma memória, mas “Live At Montreux”, registo de um concerto de 2001, vem recordar porque é que DMC, Run e Jam Master Jay em tempos governaram o planeta. Memórias de um veterano do hip hop salvo por Sarah McLachlan…


Quando DMC declarou, logo no início da sua carreira, que “it takes a lot to entertain and sucker MC’s can be a pain”, um novo mundo abriu-se perante a cultura que apenas quatro anos antes tinha gerado o seu primeiro disco a partir do Bronx – “Rapper’s Delight” dos Sugarhill Gang. Os RUN DMC eram de facto muito diferentes dos grupos da primeira geração do Hip Hop: vieram de Hollis, em Queens, trocaram as fantasias típicas dos colectivos da época por simples roupas de rua e despediram os músicos de estúdio para se ajoelharem no altar da caixa-de-ritmos. Nas rimas adivinhava-se uma confiança desmedida que os levou a – logo no single de estreia – arrasar a concorrência: “Sucker MC’s” deixou claro que se estava perante um trio de pioneiros disposto a fazer avançar o jogo do rap até ao presente. Quase um quarto de século depois, é uma voz quase irreconhecível que, do outro lado do Atlântico, recita as rimas que na primeira metade dos anos 80 faziam tremer qualquer MC: “All my rhymes are sweet delight/so here’s another one for y’all to bite”… Darryl McDaniels, mais conhecido por ser o dono das iniciais DMC que adornam o nome dos criadores de “Walk This Way”, pode ter sido maltratado pelo tempo, mas nem a disfonia espasmódica que lhe foi diagnosticada em finais dos anos 90, e que efectivamente destruiu o timbre poderoso que marcou muitos clássicos dos Run DMC, consegue apagar a nobreza da sua voz. “Podemos crescer, transformar-nos em homens, sobreviver a todos os dramas, mas se a chama do hip hop for verdadeira nunca vai desaparecer de dentro de nós,” revela. Como não acreditar?
Os Run DMC estão de volta… mais ou menos. Há um álbum registado ao vivo no Festival de Montreux em 2001 que de forma brilhante captura os últimos momentos de magia deste trio. Run ainda ficava melhor de t-shirt negra do que de robe de seda, a voz de DMC ainda não tinha desistido por completo e, mais importante do que tudo o resto, Jam Master Jay ainda pertencia ao mundo dos vivos. Juntos, os três formavam uma unidade explosiva que realmente sabia rockar um palco: “Os Run DMC tinham o melhor concerto de sempre.” DMC pode ter uma deficiência nas cordas vocais, mas sobra-lhe a confiança nos seus feitos. “Há quem pense que o nosso concerto só se tornou assim depois de termos alcançado sucesso na MTV, mas muito antes dos vídeos já nós arrasávamos palcos como um furacão,” explica DMC. “Nunca esquecemos as raízes. É que por muito bom que seja o teu vídeo ou por mais requisitado que seja o teu produtor, se não souberes rockar um palco, então nem te preocupes em aparecer…”
De certa forma, Darryl McDaniels tem razão: os Run DMC tiveram que se impor numa época em que o rock dominava o planeta e isso significava ir para a estrada e apresentar um concerto pelo menos tão enérgico como o da melhor estrela “hair metal” do momento. O grupo de “It’s Tricky” compreendeu isso desde o início e hoje são lendários concertos como o do Madison Square Garden em 1986 em que milhares de miúdos puseram os seus ténis com três riscas no ar durante uma incendiária interpretação de “My Adidas”. “Nós abrimos muitas portas,” explica Darryll. “fomos os primeiros na MTV e na capa da Rolling Stone e fomos os primeiros a receber atenção das marcas. A nossa relação com a Adidas tornou possível que hoje o 50 Cent ou o Jay-Z façam acordos com marcas de desporto…”
“Naquele tempo,” recorda DMC, “nós rimávamos porque gostávamos de rimar. Sem preocupações de chegar ao top, sem nenhuma motivação maior que a própria rima. Mas hoje, os rappers têm medo de ser inovadores e quando descobrem uma fórmula de sucesso defendem-na com unhas e dentes. E a verdade é que há discos que saíram há 3 meses que já ninguém consegue ouvir, mas o que foi inovador há 20 anos continua a soar fresco hoje em dia.”
Este homem, que tem cicatrizes até na voz, não teve uma vida fácil. Há dez anos, Darryl começou a sentir o peso do sucesso e afundou-se numa depressão que quase o conduziu ao suicídio. Por estranho que pareça, DMC foi salvo por uma canção de… Sarah McLachlan. “O poder da música é inexplicável. Num momento estamos prontos para por um ponto final em tudo e no outro há uma canção que toca na rádio e faz toda a diferença.” A canção era “Angel”. Darryl ultrapassou a depressão, descobriu que era adoptado, fez um disco e um programa de televisão sobre isso, sobreviveu. E hoje é mais do que claro que os Run DMC ficaram definitivamente entregues ao passado a que “Live at Montreux” pertence. E nem mesmo a morte inexplicável de Jam Master Jay – cuja investigação sofreu avanços recentes, tendo-se identificado um suspeito – serviu para unir Run e DMC: “Estás-me a perguntar se eu o vejo? Vejo tanto como tu… na televisão.” As palavras de Darryl McDaniels são amargas. Os últimos passos dos Run DMC, nomeadamente no álbum “Crown Royal”, já reflectiam a eminente separação. A morte de Jam Master Jay em 30 de Outubro de 2002 só veio erguer um muro onde antes já existia algum desentendimento. “Há dias em que acordo e ainda não acredito que o Jay nos abandonou. Ele era como um irmão para mim e a morte dele só me fez perceber como hoje o hip hop vive tão distante das comunidades.” Todo o hip hop? “Ainda há gente com alma e com as palavras certas. Gente como os Public Enemy, os De la Soul, os Beastie Boys, o Common, o Mos Def…” Para Darryl, não é apenas uma questão de saudosismo e o facto de mencionar uma série de veteranos da cultura não significa que viva preso no passado. “Eu sei o que acontece hoje em dia, mas sinceramente não vejo aí grande valor. Os vídeos repetem-se com as mesmas imagens, os beats são todos parecidos e os MC’s estão todos a falar do mesmo. Já não há originalidade e ninguém quer dar o primeiro passo. Eu ainda me lembro como arriscar era importante, como fazer algo que nunca tinha sido feito antes era a própria definição de hip hop.” Word. É mesmo assim.

Texto publicado originalmente no número 12 da revista Blitz.