6/25/2007
Goblin + Gottsching
Na música, já se sabe, o tempo é tudo menos linear. Há quem traduza o presente com toda a sua urgência, quem viva ofuscado com o passado ou quem se esforce por anunciar o futuro. E depois há uma classe de artistas completamente à parte que parece funcionar fora do tempo, ignorando as suas rígidas leis. Os Goblin e Manuel Göttsching são dois óptimos exemplos de criadores de música sem tempo que, coincidência ou talvez não, voltam agora às edições.
O “best of” dos Goblin não surge do nada, como é óbvio. Há 3 anos, Claudio Simonetti, teclista e líder dos Goblin, foi convidado para uma das conferências da Red Bull Music Academy em Roma, exactamente porque uma nova geração mostrava curiosidade em relação ao seu trabalho. Agora, a música dos Goblin começa a despontar por todos os lados: como fonte de inspiração dos norte-americanos Zombi; como coordenada basilar da estética do projecto Quiet Village de Matt Edwards e Joel Martin (há peças clássicas dos Goblin na mixtape “Fragments of fear” dos QV e uma óbvia vénia ao som do grupo de Simonetti em “Circus of Horror”); e até a boot label Supersound os “citou” no seu sexto volume.
Cenário idêntico rodeia a edição de “E2-E4 25th anniversary edition” de Manuel Göttsching, veterano da cena Kraut com projectos como os Ash Ra Tempel ou Cosmic Jokers. “E2-E4” (o título refere-se a um movimento clássico de abertura de jogos de xadrez) já tinha sido revisto pelo projecto italiano Sueño Latino, que assim ajudou a sintonizar a revolução house de 88 com o pulsar da praia em Ibiza. Nos últimos anos, a recuperação de “E2-E4” por estetas como DJ Harvey (que, reza a lenda, há um par de naos criou um edit a partir da sua cópia em vinil para poder tocar na íntegra os 59 minutos desta peça!) forçou o regresso deste mantra feito de guitarras e caixa de ritmos.
Em comum, Göttsching e os Goblin têm o facto de terem angariado pergaminhos nos terrenos do rock progressivo. Nos seus momentos mais exploratórios, o Kraut sintonizou o rock com as estrelas e Göttsching foi um dos mais fervorosos voluntários dessas viagens ao volante dos Ash Ra Tempel, dos Cosmic Jokers ou dos Ashra. Os Goblin descobriram o seu próprio espaço no ecrã onde eram projectados os filmes de Dario Argento, de 1975 até ao início da década de 80, e conceberam sombrias viagens carregadas de groove e gélidas passagens de sintetizadores.
Dos Goblin e de Manuel Göttsching pode dizer-se que não foram beliscados pelo tempo: a música contida em “The Fantastic voyage…” e “E2-E4” soa tão vibrante agora como aquando das suas edições originais. Nem toda a música é assim.
Goblin“The fantastic voyage of Goblin – The sweet sound of hell”
(Cherry Red/Dwitza, 2007)
Manuel Göttsching
“E2-E4”
(MG Art/NTM, 2007)
Texto originalmente publicado no # 22 da revista Op.