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HitdaBreakz

5/13/2007

Love saves the day... again!


LOVE SAVES THE DAY
de Tim Lawrence

Disco’s not dead


Um certo pensamento devedor do legado do lado mais conservador do rock conseguiu impor durante demasiado tempo a ideia de que uma boa parte da década de 70 tinha sido esquecida pelo gosto e, como prova disso, quase conseguiu fazer de “disco” uma palavra feia. Por outro lado, tentou-se fechar a época disco numa redoma, construindo-se a noção de que aquele período – sempre caricaturado nas roupas cheias de purpurina, nas cabeleiras exageradas, no excesso de glamour decadente – tinha sido uma excepção que, graças aos deuses da guitarra, não se tinha propagado pelo menos para lá do acto conduzido por Steve Dahl no intervalo de um jogo de baseball em Cominskey Park. Dahl era um DJ de rádio com uma missão: devolver o rock ao mundo dos homens e para tal nada melhor do que uma pequena fogueira e gritos de “Disco Sucks”. Salvaguardando as distâncias que a correcção política impõe, é impossível não pensar em Dahl como um pequeno Hitler e no “evento” de Cominskey Park como um comício de contornos nazis. Uma ideia que é inteligentemente defendida nas páginas de “Love Saves The Day”, o livro que Tim Lawrence editou originalmente em 2003 e que recentemente reviu e aumentou.
O livro de Lawrence tem por subtítulo “a history of american dance culture, 1970-1979”. E essa é a sua única falha: as 500 páginas de “Love Saves The Day” estão demasiado embrenhadas nas malhas do tecido disco de Nova Iorque para se poderem considerar um retrato mais amplo de um país inteiro e das suas comunidades dançantes durante a década de 70. Fala-se de Filadélfia, claro, pois foi lá que se inventou o disco de Nova Iorque, toca-se em Los Angeles e Bóston ao de leve, mas sem o mesmo fôlego dedicado à Grande Maçã.
A personagem principal deste livro é David Mancuso, o homem do Loft e uma espécie de guru disco mais ou menos secreto que influenciou tudo e todos – de François Kevorkian a Larry Levan – marcando dessa forma o desenvolvimento de uma cultura que nasceu e cresceu na pista de dança. Lawrence documenta a evolução e crescimento das mais emblemáticas figuras desta cultura – de Francis Grasso e Nicky Siano a Frankie Knuckles e Larry Levan – e descreve pormenorizadamente os locais em que transformaram a cabine de DJ num púlpito dando-nos assim uma visão privilegiada de um fenómeno cultural que na verdade nunca chegou a desaparecer.
“Love Saves The Day” é igualmente uma história dos traços particulares da cultura gay de Nova Iorque que descobriu nos clubes nocturnos a plataforma perfeita para a celebração da sua diferença. Praticamente todos os clubes importantes da primeira metade dos anos 70 – do Loft e do Sanctuary até ao Continental Baths, Gallery e clubes de Fire Island – eram, em diferentes proporções, frequentados por homossexuais – negros, latinos e brancos. Em última análise, foi essa identidade sexual que permitiu que, no final da década, a cultura de dança de Nova Iorque fosse capaz de sobreviver à cultura anti-Disco (e homófoba) nascida na rádio e aos excessos da elite glamourosa representada no Studio 54: Tim Lawrence parece dizer-nos que sempre que a atenção divergiu da pista de dança e dos dançarinos para uma pose construída para a imprensa feita de calculados gestos visuais (Bianca Jagger em cima de um cavalo branco...) algo se perdeu. A virtude máxima encontrava-se por isso mesmo no Loft: uma festa privada organizada por um DJ visionário onde nada se vendia (comida e bebidas não alcoólicas eram grátis) e onde o dinheiro das contribuições individuais servia para actualizar um sound system utópico que procurava a perfeição no groove.
Tim Lawrence escreve tudo isto com uma saudável perspectiva académica que o levou a ponderadamente reunir informação em primeira mão com muitos dos protagonistas da cultura disco que sobreviveram à década de 70. O recurso a publicações e documentos da época ajuda igualmente a dar a esta história um colorido genuíno que o estilo fluído e inteligente de Tim Lawrence transmite sem dificuldades. “Love Saves the Day” é um livro, mas por vezes parece um filme, tal a clareza das imagens que impõe no cérebro do leitor. Isso é fruto do indisfarçado entusiasmo de Lawrence que contagia quem lê estas páginas impondo uma redescoberta urgente da música que se celebra em “Love Saves The day”. Disco’s not dead.

Nota: já por aqui tinha escrito sobre este livro, mas este é um texto diferente que foi feito a pensar numa publicação em papel. Uma vez que acabou por não ser publicado, cá estou uma vez mais a insistir na leitura destas belíssimas páginas.