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HitdaBreakz

5/08/2007

Jazz Bridges # 4: Strata East


“Somos todos modernos, quer queiramos quer não.” A afirmação de LeRoi Jones (poeta, dramaturgo e ensaísta que alterou o seu nome para Amiri Baraka após o assassinato de Malcolm X em 1965) logo no arranque da década de 60 reflectia um estado de permanente inquietação estética em que o jazz se encontrava, imerso em questões de identidade e inovação. Já em 65, Jones identificava, ao lado de Grachan Moncur (o III), Charles Tolliver como “um dos representantes do lado cool da nova geração, pós Miles.” Tolliver, juntamente com o pianista Stanley Cowell, haveria de criar em 1971 a editora Strata East, uma das mais celebradas marcas de uma década em que as conquistas do Civil Rights Movement foram de facto colocadas em marcha. As raízes da Strata East estão, no entanto, na década de 60.
Em recente entrevista ao site “All About Jazz”, Tolliver descreveu a década de 60 como um período entusiasmante: “havia tanta coisa a acontecer.(…) Havia diferentes idiomas dentro de um género, o avant garde e a música free, o bebop ainda e, claro, a música de John Coltrane e Miles. Era uma época incrível. E também havia a cena política(…)” Como a Tribe de Detroit e a Black Jazz de Chicago, também a Strata East nasceu da mais elementar necessidade. Tolliver e Cowell formaram o quarteto Music, Inc com com Cecil McBee e Jimmy Hepps e registaram um álbum que foi recusado em praticamente todas as editoras que contactaram. Esse seria o primeiro lançamento da Strata East.
Tratando-se de veteranos do jogo do jazz, tanto Tolliver como Cowell sabiam o que fazer: prensaram o disco em vinil de qualidade, desenharam uma capa simples (o preto e branco garantia custos reduzidos na gráfica e era eficaz) e garantiram uma boa rede de distribuição. E quase imediatamente começaram a chover ofertas de outros discos para editar. O que era suposto ser aventura de um álbum só transformou-se numa operação que editaria mais de meia centena de títulos que ajudaram a definir um dos lados mais interessantes que o jazz teve para oferecer durante a década de 70. Hoje há vários exemplos de editoras geridas por artistas, mas na década de 70 não havia propriamente uma tradição desse tipo de operação e por isso Charles e Stanley podem reclamar justamente o papel de pioneiros.
Não demorou para a Strata East se revelar como um porto de abrigo para uma série de “desalinhados”: Clifford Jordan, Billy Harper, Keno Duke, Larry Ridely, Cecil Payne, Cecil McBee, Pharoah Sanders e John Hicks foram alguns dos mais destacados nomes editados, juntamente com manifestações claras de afro-centrismo personificadas em grupos como o Ensemble Al-Salaam, Mtume Umoja Ensemble, Ju-Ju ou M’Boom Re:Percussion. E por entre as explorações dos campos do bop e do free, as afirmações de identidade que se adivinhavam nos exercícios de clara inspiração africana e até nas aproximações ao campo da soul e do funk ensaiadas nas edições de álbuns de Weldon Irvine (“In Harmony”, 74) e Gil Scott-Heron (“Winter in América”, 73) podia ler-se uma vontade de abraçar toda a música, indício claro de que se pensava o jazz de uma forma progressiva, como uma linguagem capaz de comunicar com tradições e sonoridades bem diferentes.
Infelizmente, hoje em dia não é muito fácil encontrar os discos que a Strata East editou na década de 70 (e foram perto de 7 dezenas). Em 94 e 97 a Soul jazz editou dois volumes de uma antologia da Strata East, mas, inexplicavelmente, esses preciosos olhares sobre a história da editora de Charles Tolliver e Stanley Cowell estão hoje descatalogados. Paradoxalmente, a Strata East continua activa (http://www.serecs.com/), mas parece estar limitada a edições de Charles Tolliver. Talvez o facto de os discos se terem perdido numa confusão de direitos (os artistas financiavam os próprios masters) torne complicado o acto de reeditar este fantástico catálogo. Pelo que resta o vinil, que em sites como o Ebay pode nalguns casos chegar às várias centenas de dólares. Boa sorte!

Texto originalmente publicado no # 11 da revista Jazz.Pt.