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HitdaBreakz

3/09/2007

4 Hero: o som da mudança



Poucos nomes evocarão uma ideia de sofisticação aliada a modernidade como o dos 4 Hero. O trajecto do duo de Marc Mac e Dego lê-se como o caminho da própria música britânica de inspiração negra das últimas duas décadas. Do jungle até ao soul de vocação clássica do novíssimo “Play With The Changes” vai apenas a distância do refinamento de uma visão. As tipologias rítmicas em que os 4 Hero trabalharam, do jungle/drum n’ bass até ao broken beat e hip hop, são apenas veículos de uma inspiração funda que sempre soube beber noutras épocas. “Les Fleur”, do álbum “Creating Patterns” de 2001, é um desses exemplos – versão de um clássico de Minnie Ripperton, foi transformado ao ponto de ser encarado como uma peça dos próprios 4Hero, tal a força com que imprimiram a sua identidade nesse tema. Essa força está presente desde o início da sua brilhante carreira. E em boa verdade nunca esmoreceu.
A história dos 4 Hero – que ao longo dos anos assumiram variadas outras identidades como Jacob’s Optical Stairway, Tom & Jerry ou Cold Mission (isto para não falar dos projectos paralelos de cada um dos seus membros, como Tek 9, por exemplo) – estende-se até ao final dos anos 80, altura em que se definiram como um projecto em Dollis Hill. As edições começaram em 1990 na pioneira Reinforced no formato que melhor traduzia a urgência do momento, o maxi. Em 1991, a visão dos 4 Hero alargou-se e a Reinforced lançou-lhes o primeiro álbum, o clássico “In Rough Territory” onde se incluía a profética “Mr Kirk’s Nightmare”, uma das peças que ajudou a resolver o puzzle drum n’ bass dos anos seguintes.
Foi ainda na Reinforced, em plena época do furacão drum n’ bass, que os 4 Hero editaram o enorme “Parallel Universe” (1994), um álbum em que a linguagem adoptada não escondia uma ambição maior de partir ao encontro de uma sofisticação orquestral que muito devia aos clássicos e que anunciava a fase que seria inaugurada com “Two Pages”. Muito trabalho em maxis depois de “Parallel Universe” e quatro anos volvidos, “Two Pages” caiu como uma bomba na paisagem musical britânica. Editado na Talkin’ Loud de Gilles Petterson, o que já queria dizer muito, “Two Pages”, com participações de gente como Ish ou Úrsula Rucker, era uma lição na arte de orquestrar instrumentos, influências e estímulos clássicos sem deixar de estar na linha da frente da modernidade. Essa perfeição foi refinada um pouco mais em “Creating Patterns”, de 2001, um disco que surgia depois de o nome e o som dos 4 Hero já estar bem firmado, graças também a um intenso período de remisturas que os levou a reconstruir canções de gente como Ben Harper, Nu Yorican Soul, Pulp ou Courtney Pine: a linguagem desenvolvida por Dego e Marc podia aplicar-se em variadíssimos contextos, prova da força da sua própria visão. Muitas destas remisturas estão reunidas em “The Remix Album” editado já na Raw Canvas dos próprios 4 Hero, em 2004. É um documento intenso da evolução de um som em direcção a um estado intemporal. Que é o que se alcança com o novo “Play With Changes”.
Com participações de vocalistas como Carina Andersson (voz de “Les Fleur”) e Ursula Rucker, o álbum regista ainda convidados importantes como Phonte, MC dos Little Brother, ou Larry Mizell, parte da incrível equipa de produção que nos anos 70 injectou modernidade na soul de Marvin Gaye e Michael Jackson, entre outros. Mas é nos próprios Marc e Dego que se devem descobrir os maiores argumentos para a qualidade intrínseca de “Play With Changes”: é uma música que parece recusar o tempo, ou pelo menos o presente, evitando armadilhas estéticas de validade temporal reduzida em detrimento de um investimento claro em modos clássicos retirados ao jazz funk de finais dos anos 70 (Mizell Brothers, Roy Ayers, Lonnie Liston Smith) e à própria soul do início dessa mesma década: as cordas de “Morning Child” são luminosas e evocam um lado mais espiritual do jazz, mas também alguma soul clássica do período psicadélico, sobretudo a que foi tocada pelo génio de arranjadores como Gene Page ou produtores como Norman Whitfield. E esse é apenas o argumento inicial de um álbum que se vai revelando lentamente, a cada nova edição. Mais de década e meia depois do primeiro álbum, os 4 Hero permanecem tão relevantes como nos seus mais brilhantes momentos. E isso em si é já uma proeza que só poucos podem reclamar.
PS: texto publicado originalmente na Dance Club.