9/29/2006
DJ Shadow em discurso directo
Sai hoje para as bancas o quarto número da revista Blitz. Um dos textos que assino nesta edição debruça-se sobre DJ Shadow e inclui declarações do próprio recolhidas por mim numa entrevista telefónica. Como o texto que assino sobre Shadow na Blitz não é apenas discurso directo e inclui considerações pessoais sobre a sua carreira e o novo The Outsider não pude usar todas as suas palavras. Fica por isso aqui mesmo a transcrição da totalidade da entrevista e o convite a passarem os olhos neste novo número da Blitz.
DJ Shadow - a entrevista da Blitz
No final do seu espectáculo no Lux, em Lisboa, disse que regressaria em breve a Portugal. Esses planos mantêm-se?
Sim, devo voltar aí na Primavera. Não fiz ainda nenhuns espectáculos a solo na Europa. O que fiz foi umas apresentações em festivais ou algumas primeiras partes para os Massive Attack. Portanto o que prevejo é um regresso à Europa na Primavera para uma digressão a solo.
Dizia no seu site que teve pouco tempo para conceber o espectáculo. Já está tudo definido ou o show ainda está a evoluir?
Estou contente com o que consegui desenvolver em duas semanas. Já fiz cerca de 30 espectáculos com este formato e correram todos muito bem. A partir de segunda-feira, no entanto, vou começar a trabalhar noutra parte do espectáculo. Posso aliás dizer que o formato tem estado a evoluir. Provavelmente desde o primeiro destes shows até ao último já houve 30 por cento de mudanças. Provavelmente quando chegar à Europa o show estará completamente mudado.
O novo concerto tem também uma componente multimédia, como aquele da digressão de “Private Press” documentada no DVD “In Tune and In Time”?
Sim, sim. Isso continua a ser uma componente importante. Eu diria que a grande diferença é o facto de o novo espectáculo incluir alguns convidados que irão mudando consoante a zona do mundo em que eu me encontrar.
Concorda com a ideia de que este álbum, “The Outsider”, marca uma nova fase na sua carreira? O DJ Shadow de 2006 é um novo DJ Shadow?
Acho que há 3 fases claras na minha carreira. A primeira compreende tudo até ao Endtroducing. Do projecto Unkle até ao Private Press foi outra fase. E acho que agora estou no meio de uma nova fase que começou com alguns pequenos projectos que fiz depois do Private Press. Mas não é nenhuma reviravolta revolucionária nem nada que se pareça. O que aconteceu com “The Outsider” é que me dei ao luxo de dar ouvidos a todas as minhas influências sem me preocupar com quem eu iria alienar. Penso que uma boa comparação pode ser feita com o álbum Check Your Head dos Beastie Boys que foi o disco com que eles finalmente disseram “bem, temos 30 anos, gostamos de rap e de punk e gostamos de funk e estamos cansados de ter tudo separado; queremos tudo no mesmo disco.” Na época essa atitude dos Beasties pareceu-me muito corajosa porque foi um gesto completamente novo.
Ao ouvir o seu novo disco sou forçado a pensar em David Axelrod que, como sabe muito bem, se movimentou em diversos terrenos, do jazz e do R&B até ao rock psicadélico. Vê-se a produzir um disco de rock daqui a alguns anos?
Penso que é uma coisa que eu não me importaria de experimentar. Não há planos concretos para isso, mas é algo que eu consideraria fazer. O que eu não quero é limitar-me. Eu quero explorar a minha paixão pela música para o resto da vida e isso pode querer dizer muitas coisas. Não sei o que o futuro trará, mas estou ansioso por lá chegar. Quando eu comecei a fazer música não foi porque tivesse assinado algum contrato milionário com uma multinacional, foi simplesmente porque queria ter os meus próprios discos prensados para os poder usar nas mixtapes que fazia para a rádio universitária local. A verdade é que gosto de diversificar e manter as minhas opções em aberto. Mas também não sou de traçar grandes planos para o futuro e normalmente nunca faço planos a mais de seis meses. Ora como vou estar em digressão nos próximos meses não sei exactamente o que se passará depois disso.
Qual é a história por trás da voz usada para o tema “This Time”?
Há um par de anos um estúdio na Califórnia fechou e um amigo meu ficou com uma série de bobines de fita desse estúdio, algumas das quais com 30 ou 40 anos. Ele fez-me alguns CDs a partir das fitas. Algumas tinham canções já terminadas outras só esboços, coisas que foram editadas e outras que nunca viram a luz do dia. Esta em particular era apenas uma maquete de um tipo que um dia entrou no estúdio vindo da rua e que cantou um par de temas, sem acompanhamento. A primeira, que é a que eu uso, tem apenas um minuto e meio e depois ele pára de cantar e começa a falar com o engenheiro de som a dizer que algo não lhe soa bem e que vai cantar outra coisa. Mas havia alguma coisa naquela letra e na forma que ele encontrou para cantar aquelas palavras que me atraiu imediatamente por isso mesmo passados para aí uns 9 meses de ter aqueles cds lá em casa liguei ao meu amigo e perguntei-lhe se ele se importava que eu usasse aquela voz para tentar fazer uma canção à sua volta. E foi o que eu fiz.
Tentaram contactar a pessoa que gravou?
Não, porque não havia nenhuma informação na caixa da fita. Só havia um nome escrito, “Joe”.
Então um dia destes ainda poderá receber uma visita de um tipo de uns 60 anos a dizer-lhe “olá eu sou o Joe.”
Sim, é possível, mas não me parece que isso vá acontecer. A fita tem perto de 40 anos e pela voz eu diria que o Joe deveria ter uns 40 anos quando fez aquela gravação. Seria bastante velho agora.
As palavras que ele cantou funcionam como uma declaração, certo? O que é que está a dizer com “This Time”? Que se acabaram as pressões?
Por estranho que possa parecer, penso que o disco que eu fiz mais parecido com “The Outsider” foi “Endtroducing”. Quando eu fiz o meu primeiro álbum não tinha pressões de espécie alguma, não havia bloggers a falarem de mim, não havia sequer fãs porque ninguém me conhecia. E eu levei as coisas tão longe quanto quis e fiz o disco que queria fazer. Sinto que fiz exactamente a mesma coisa neste disco. Finalmente cheguei a um ponto em que não sinto pressões, deixei de me importar com o que as pessoas escrevem acerca de mim – tanto o que dizem de bom, como de mau. E fiz o disco que me apetecia fazer levando a música exactamente até ao ponto que queria levar.
Penso que o LP enquanto formato está ultrapassado por causa da forma como as pessoas hoje ouvem música. Compram-se canções no iTunes para o iPod, ouve-se rádio na Internet e mixtapes. Está tudo muito misturado. E eu tive uma visão: ter dez pessoas muito diferentes a gostarem todas de diferentes aspectos do disco e ao mesmo tempo fazê-las ouvir coisas que elas pensariam que não iriam gostar e levá-las a investigar outros tipos de música, levando-as a desviarem-se do seu caminho.
A relação das pessoas com os artistas passa a estar fragmentada a partir de agora?...
Não sei… Sempre que me pedem uma lista dos dez Cds que ando a ouvir mais tenho sempre dificuldades porque sinto que já não ouço álbuns. Ouço discos variados e apanho os temas que mais gosto e meto-os em compilações que eu próprio faço, que é exactamente o que muitas outras pessaos fazem. Sinto que posso dizer que gosto de um artista quando 4 ou 5 canções do seu reportório me agradam mesmo. Todos sabemos que durante muito tempo até os melhores artistas enchiam os álbuns com canções que só existiam para justificar o preço de um álbum inteiro. Isso agora acabou.
Quanto a mim, eu só quis fazer um disco em que cada uma das canções fosse uma pequena gema, carregada com a informação certa e que não fosse necessariamente uma cópia do tema anterior.
Haverá um regresso a projectos paralelos como “Brainfreeze” ou “Product Placement”?
Sim. Eu estarei em digressão a maior parte do tempo este ano, mas há uma série de lados B preparados para acompanharem os singles. E para o próximo ano tenho umas ideias do que gostaria de fazer. Não são planos, ainda não é certo que as vá fazer, mas são ideias muito claras de coisas completamente diferentes do que fiz até agora.