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HitdaBreakz

8/18/2006

Love saves the day: a história do disco


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Como diz o Dub, aqui em baixo, a Internet é de facto uma das maiores invenções de todos os tempos, mas, às vezes, a falta de distracções como Internet e televisão até são positivas: porque se pode ler! É verdade: nestas férias devorei três livros e aqui abaixo está um texto sobre um deles.

LOVE SAVES THE DAY: Tim Lawrence e a história do Disco na América


Publicado originalmente em 2003, “Love Saves The Day”, de Tim Lawrence, tem por subtítulo “a history of american dance culture, 1970-1979”. E, por estranho que possa parecer, esse é provavelmente o único defeito desta obra de fôlego que conta, de facto, uma história ao longo das suas 500 bem documentadas páginas – trata-se, no entanto, de uma história bem definida, tanto estetica como geograficamente, que só com muito boa vontade se poderá confundir com “uma história da cultura de dança americana entre 1970 e 1979”, como se promete na capa, sobre uma foto de dançarinos no clube Le Jardin (um dos antepessados directos do Studio 54).

“Love Saves The Day” é, na verdade, um livro sobre a cultura Disco em Nova Iorque, complementado com espreitadelas demasiado breves à cena de clubes de Los Angeles e Chicago que não chegam para se descobrir nesta obra uma vista panorâmica sobre a América dançante dos anos 70. Por outro lado, em termos estéticos, o livro está inteiramente concentrado na acção Disco que alimentava os clubes, esquecendo as festas nos parques do Bronx que dariam origem a toda a cultura Hip Hop (a “invenção” de Kool Herc e Afrika Bambaataa só merece um par de páginas em 500...). Tendo em conta o subtítulo do livro – “uma história da cultura de dança americana...” – é impossível não reparar na ausência de uma reflexão sobre o aspecto comunal de danças criadas a partir do Funk (“mash potatoe, alligator...”) que tanto fizeram para, a partir da obra de James Brown, reforçar o orgulho negro nos anos 70 em cima das conquistas oferecidas à minoria afro-americana pelo Civil Rights Movement. Idem para o “pop & lock” criado pelos jovens mexicanos de Los Angeles que haveria de influenciar o “b-boying” que no Bronx se afirmaria como aspecto particular da mais vasta cultura Hip Hop. Mas as reservas esgotam-se exactamente aí e surgem apenas do excesso de ambição manifestado no subtítulo de um livro que é de facto um vibrante retrato da cultura Disco de Nova Iorque nos anos 70.

Depois da história do DJ oferecida por Frank Broughton e Bill Brewster em “Last Night a DJ Saved My Life”, “Love Saves The Day” é mais um valioso documento que permite uma visão e uma interpretação actual dos acontecimentos que na década de 70 deram origem à cultura de clubes tal como hoje a conhecemos, gerando os primeiros DJs “autores”, como Francis Grasso, David Mancuso, Nicky Siano, Walter Gibbons, Frankie Knuckles e Larry Levan. “Love Saves The Day” adopta no entanto uma perspectiva ainda mais específica centrando-se no Loft de David Mancuso (“Love Saves The Day” foi o nome de uma festa do Loft em Fevereiro de 1970...) para analisar a partir daí o nascimento e imposição de uma rede de clubes que durante toda a década de 70 celebrou o espírito comunal da dança ajudando a indústria a abrir os olhos para uma cultura Disco que rapidamente se tornou dominante na paisagem musical da época. “Love Saves The Day” é também uma história da ascenção e queda dessa indústria Disco, do entusiasmo inicial - quando editoras e artistas descobriram o poder concentrado nas mãos dos DJs, capazes de transformarem temas obscuros em êxitos massivos sem a interferência da rádio – até à desilusão final – quando a indústria percebeu que a injecção excessiva de Disco no mercado foi contraproducente levando à morte de uma cultura que pouco antes tinha atingido o seu pico comercial com “Saturday Night Fever”.

“Love Saves The Day” é igualmente uma história dos traços particulares da cultura gay de Nova Iorque que descobriu nos clubes nocturnos a plataforma perfeita para a celebração da sua diferença. Praticamente todos os clubes importantes da primeira metade dos anos 70 – do Loft e do Sanctuary até ao Continental Baths, Gallery e clubes de Fire Island – eram, em diferentes proporções, frequentados por homosexuais – negros, latinos e brancos. Em última análise, foi essa identidade sexual que permitiu que, no final da década, a cultura de dança de Nova Iorque fosse capaz de sobreviver à cultura anti-Disco (e homófoba) nascida na rádio e aos excessos da elite glamourosa representada no Studio 54: Tim Lawrence parece dizer-nos que sempre que a atenção divergiu da pista de dança e dos dançarinos para uma pose construída para a imprensa feita de calculados gestos visuais (Bianca Jagger em cima de um cavalo branco...) algo se perdeu. A virtude máxima encontrava-se por isso mesmo no Loft: uma festa privada organizada por um DJ visionário onde nada se vendia (comida e bebidas não alcoólicas eram grátis) e onde o dinheiro das contribuições individuais servia para actualizar um sound system utópico que procurava a perfeição no groove.

Como não podia deixar de ser, “Love Saves The Day” de Tim Lawrence é também um impressionante retrato da música que evoluiu do R&B tradicional, da soul da Motown e da sofisticação imposta pela dupla Gamble & Huff em Filadélfia até ao Disco clássico pensado para as pistas de dança e apoiado nos talentos de gente como Tom Moulton, Walter Gibbons, Larry Levan e François Kevorkian, que souberam transpor a sua experiência na cabine de DJ para o estúdio, ajudando a música a evoluir para um patamar mais funcional. A história de gente como Giorgio Moroder e Vince Montana ou de editoras como a Salsoul, Casablanca, West End e Prelude é apresentada como parte de um puzzle mais vasto que englobava toda a cultura Disco. E muitas das informações aqui avançadas são preciosas e reveladoras: Gibbons, responsável pela histórica versão de “Ten Percent”, dos Double Exposure, que haveria de inaugurar o campo dos maxis disponíveis comercialmente, recebeu 185 dólares pelo seu seminal re-edit (85 dólares para cobrir o cachet que recebia no Galaxy 21 numa noite e os restantes 100 pelo trabalho!). Em 30 anos as quantias evoluiram dramaticamente...

Tim Lawrence escreve tudo isto com uma saudável perspectiva académica que o levou a sistematica e ponderadamente reunir informação em primeira mão com muitos dos protagonistas da cultura Disco que sobreviveram à década de 70. O recurso a publicações e documentos da época ajuda igualmente a dar a esta história um colorido genuíno que o estilo fluído e inteligente de Tim Lawrence transmite sem dificuldades. “Love Saves the Day” é um livro, mas por vezes parece um filme, tal a clareza das imagens que impõe no cérebro do leitor. E esse é sem dúvida um dos seus méritos.

“Love Saves the Day” é, por todas estas razões, uma impressionante leitura que se absorve muito rapidamente, muito por mérito da vibração que se solta das páginas. As imensas listas de discos usados por cada DJ nos clubes que definiram a era Disco são igualmente importantes pontos de partida para quem anda a descobrir esta cultura ou óptimas formas de sistematizar conhecimentos para quem por ela já se interessa há algum tempo. De certa forma, saber que “Cherchez la femme” da Dr. Buzzard’s Original Savannah Band (grupo de um jovem August Darnell que o mundo recordaria mais tarde como o frontman do colectivo Kid Creole and The Coconuts) era um dos discos que conferia identidade ao Gallery de Nick Siano no período de 74/76 ajuda a entender melhor o disco, a música nele contida e a atmosfera de um clube como o Gallery – um dos antepassados directos de todos os espaços do presente onde o DJ procura comunicar com a pista de dança através do código impresso nas espiras dos vinis mais significantes.