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HitdaBreakz

8/14/2006

Baleárico


Por do sol no Cafe Del Mar, em Ibiza
Se há coisa que a música tem o poder de fazer é, volta e meia, trocar as voltas às referências todas e, sozinha, caminhar para algo que parece mais ninguém estar a ver. O exemplo académico recente é o álbum de Playgroup que, em 2001, parecia um yeti descoberto, incompreendido ao ponto de ter de ser reeditado anos depois quando era óbvio que Trevor Jackson tinha tido razão cedo demais e que, finalmente, o mundo inteiro tinha percebido o que se estava a passar na mente do criativo inglês. Movimento semelhante anda a acontecer lentamente por todo o mundo, com a redescoberta do lento e do baleárico, com editoras como a Compost e a Eskimo, mais ligadas a outros campos, a fazerem verdadeiras inflexões e a incorporarem nas suas fileiras tanto as ondas cósmicas como baleáricas e parecendo conceder razão aos defensores do baleárico que, até aqui, nunca tinham tido esta voz. Graças, em grande parte, a gente como Harvey, Hans Peter Lindstrom, Reverso 68 (Phil Mison foi, ele próprio, dj no Café del Mar, em Ibiza), Joakim, entre muitos outros, que têm, disco a disco, ajudado a perceber que o cósmico e o baleárico são dos géneros com maior influência na música de dança actual, a par do italo e do boogie.

DJ Harvey
Mas se já se tem expresso por aqui o que é o disco cósmico, que será isto do baleárico? Indefinível por natureza, o baleárico faz cair, debaixo do seu largo guarda chuva, as mais variadas definições, desde "música lenta que sabe bem ouvir com ecstasy" a "música tocada na ilha de Ibiza" a "música de que o Harvey gosta". Nenhuma delas correcta mas a ligação geográfica a Ibiza é indesmentível. A verdade é que o baleárico é, muito provavelmente, um dos raros géneros onde não há uma caracterização tão óbvia do que é ou não é baleárico, como acontece, de forma bem mais simples, na catalogação do que é rock ou não, do que é hiphop ou não, do que é house ou não. Ser ou não ser baleárico prende-se mais com um subjectivo estado de espírito que os temas tocados comportam todos do que propriamente com objectivas regras de composição ou instrumentos musicais.

É por isso que debaixo do seu largo guarda chuva cabem temas como o "I need you tonight" dos INXS ou o "Dancehall days" dos Wang Chung, guilty pleasures de quem tem os anos 80 como sítio onde andou com a puberdade às costas. Há, até, quem use exemplos destes para dizer que o baleárico mais não é do que uma boa desculpa para se tocarem discos maus. Não será assim, como é óbvio. Temas como estes captam a atenção do ouvinte, toda a gente os conhece e joga-se com a surpresa e com a saudade. Mas não servem para caracterizar o baleárico. É que, se há coisa em que o baleárico é bom, é em mostrar o obscuro, com sets salpicados de discos raros, resultado do diggin'.

É no balanço entre os discos comuns e os discos incomuns e na tentativa de se estabelecer uma ligação entre todos eles, sejam eles de que género for, que se começa a perceber um pouco a história do que é o baleárico. Outro aspecto que não pode ser descurado no géneros (vamos chamar-lhe um género, que, no fundo, nem é) é o facto de o baleárico estar nitidamente conotado com sol, praia e Verão, com toda a influência que o ambiente e quem preenche esse ambiente tem naquilo que é tocado.

Daí que há quem associe o baleárico à lounge music, que até poderia fazer sentido se a lounge music não tivesse como função primordial apenas o de despreocupadamente preencher silêncio enquanto que no baleárico, a música tem o palco principal. Não há nada de ignorável no baleárico, é música que o dj pretende que seja ouvida, assimilada, não tanto que seja apenas tolerada, como acontece com muito do lounge que é feito.

Temas como o Camino del Sol da Isabelle Antena, o Woman of the World dos Double, Stop Bajon de Tulio de Piscopo, Transfer Blue Station de Michael Shrieve, City Lights do William Pitt ou Midnight Man dos Flash and the Pan ou o 95 in the shade do Hudson Ford (procurem a versão do 7", mil vezes mais barata que o álbum e exactamente igual) são tudo bons exemplos de temas que se encaixam na perfeição em todos os pré-requisitos enunciados.

E, mais recentemente, as coisas da Whatever We Want mais não são do que baleárico do século XXI, não faltando, até, o guilty pleasure que é o Private Investigations dos Dire Straits, no meio de coisas mais obscuras. Mas, felizmente, não é só de WWW que o mundo baleárico recente tem sido feito. Há toda uma crescente comunidade de novos artistas a levar todo o conceito mais longe.

A Mountain of One EP
Exemplo maior são os ingleses A Mountain of One que, com um só EP, são uma das maiores esperanças para toda a expressão artística que o baleárico encerra em si. E, numa total adesão aos processos habituais do baleárico, não falta até, na excelente cover de outro clássico, imortalizado no Sarcastic Mix do Harvey, o "Can't be serious" da Ginny (reeditado legalmente pela Flexx e com outro clássico baleárico no lado B, o Mystery Man do Clive Stevens). Mas, felizmente, fogem ao copismo de muitos dos seus pares e tentam, eles próprios, alargar as fronteiras sonoras até aqui marcadas, como no emotivo"Freefall" (mp3 colocado no fundamental blog do Diepvries, da já citada Flexx), que joga, como tanta coisa no baleárico, num imaginado limite do bom gosto, como só a música com referência no adult rock dos anos 80 consegue trilhar.