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HitdaBreakz

6/10/2006

A problemática Shadow


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Por esta altura já todos sabem - como é óbvio - que DJ Shadow aterra em Portugal no próximo dia 14 para nos apresentar a sua visão do Hyphy Movement, uma movimentação com especificidade geográfica no underground do Hip Hop californiano. Com ele, Shadow trará 3 MCs e uma barragem de beats desenhados à altura dos sistemas de som dos mais negros clubes da Bay Area de San Francisco. É claro que isto são boas notícias para os admiradores de DJ Shadow, para os militantes da causa Hip Hop e, sobretudo, são boas notícias para os que já têm bilhete para entrar no Lux na noite de dia 14. Porque da combinação do arsenal de Shadow com o novo sistema de som do Lux só poderá sair coisa boa. Mas, pronto, isto é o que já todos sabiam e não se disse até aqui nada de novo. Mas estas informações são apenas um preâmbulo ao verdadeiro assunto que aqui vos trago: a problemática Shadow.

No Fórum Sons e em várias outras situações (na apresentação do disco dos Double D Force na Flur, por exemplo) tenho lido/ouvido coisas absolutamente incríveis acerca do contexto específico desta visita de Shadow a Lisboa. Umas surpreendem por chegarem de amigos que temos em elevadíssima conta, outras porque são simplesmente tiros ao lado e demonstram uma total incompreensão da obra de Shadow.

O primeiro erro é a redução da obra de DJ Shadow a dois discos. A discografia de DJ Shadow é bastante mais vasta do que isso e nem sempre se limitou ao formato rei da indústria que é o álbum, daí - talvez - a confusão. Dêm uma vista de olhos aqui e talvez compreendam melhor o que quero dizer. Por outro lado, além da criação directa, a discografia de Josh Davis compreende igualmente títulos que acabam por reflectir outras facetas da sua vertente artística - compilações onde evidencia a sua veia de digger ou dj sets onde aplica os seus conhecimentos de turntablism. Todos são títulos válidos e todos mostram que se há coisa que Shadow não tem feito nestes 15 anos de produção que já leva é estar parado.

Outro equívoco comum que tem ganho espaço nestes últimos tempos é aquele que afirma que Shadow nunca ou quase nunca trabalhou com MCs e que o facto de agora estar a preparar um álbum cheio de vozes só pode indiciar que se está a vender, que está a fraquejar ou qualquer outra coisa igualmente palerma. Também não é verdade: Dj Shadow começou por trabalhar com MCs e o seu primeiro beat foi para um grupo de MCs condenados que levaram o nome de Lifers Group (adivinhem lá pelo nome quais as penas que eles apanharam?). Depois disso, Shadow já trabalhou com diversos dos MCs da sua crew Solesides/Quannum, fez o álbum de Unkle que está recheado de vozes e foi polvilhando a sua própria discografia de algumas abordagens à combinação milenar de rimas e batidas.

Finalmente, o mais sério dos equívocos/acusações que se atribuem a DJ Shadow por causa desta visita está na sua adopção desta nova sonoridade que é o Hyphy - mais electrónica, mais clubby, mais dura, bem próxima do crunk. Na verdade, Shadow sempre deixou claro que também gostava de explorar estas paisagens mais imediatas. O seu beat para "Lady Don't Tek No" da dupla Latyrx (Solesides) já deixava entrever este futuro. E esse disco tem quase 10 anos!... Mais ainda: foi numa das revistas Grand Royal, propriedade dos Beastie Boys, que Shadow proclamou o seu amor pelo Miami Bass, num artigo com perto de uma década. E o Miami Bass, não duvidem, é o antepassado directo de todas estas movimentações underground, do crunk ao baile funk. Por isso mesmo, tentar passar esta ligação de Shadow ao Hyphy por um gesto oportunista e inesperado é simples ignorância e criancice. Claro que há quem não hesite em dizer que se Shadow quer fazer Hyphy isso é porque precisa de dinheiro. Mas penso que terá sido o Rodnog do Fórum Sons a dizer inteligentemente que o homem venderia muito mais se duplicasse os seus caminhos anteriores do que se abraçasse estes novos caminhos. Também tenho poucas dúvidas disso. Finalmente, só os mais distraídos é que não leram em "The Private Press" um desejo de mudança. Shadow fala agora em combinar o sampling com instrumentação real e em fazer temas sem samples e outros sem instrumentos, uns com vozes e outros sem vozes. A mim parece-me muito simplesmente que o homem está a alargar as suas possibilidades, a negar as fórmulas já dominadas e a apresentar-se novos desafios. Não foi isso que Miles fez quando tinha uma fórmula de cool bop vencedora e decidiu electrificar o seu som? Vejam só o que teríamos perdido se Miles tivesse dado ouvido às facções conservadoras. Não sei se ainda há Bitches Brews ou On The Corners no futuro de Shadow, mas confio nele o suficiente para esperar para ouvir.