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HitdaBreakz

6/20/2006

A arte do DJing e outras questões


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Ultimamente tenho andado a prestar mais atenção aos DJs, clássicos e modernos, mas sobretudo aqueles cuja arte se mede pelo impacto de um set e não pelos skills de scratch. A pesquisa que tive que fazer por causa do livrinho que assinei para a Dance Club recolocou-me em contacto com uma zona da música de que andava um pouco afastado nos últimos tempos. À falta de melhor classificativo continuam a chamar a essa zona a que me refiro "Música de Dança", mas confesso que esse é um denominativo que não me deixa muito satisfeito. Até porque a tal zona de que falo pode ter pontos de contacto com o House, mas é na verdade um imenso pântano onde convive de tudo: Italo, Dub, House de diversas proveniências, Disco, Soul, Funk, Electrónicas Variadas (isto é um género?), Library Music, algum rock (prog ou não)algum pop (sunshine ou não), Bandas Sonoras... Um dos heróis actuais desta corrente responde pelo nome de DJ Harvey, um veterano que é visto como um verdadeiro guru de uma cena que ainda se baseia muito no diggin e na capacidade de encontrar os discos certos para sublinhar os momentos certos.

Harvey, que visitou Portugal em meados dos anos 90 e até aproveitou as visitas para se abastecer de discos, partilhou espaço estético e espiritual com uma certa geração herdeira do Disco e de gente como Larry Levan, François K e Danny Krivit - falo dos Idjut Boys, da dupla Laj & Quakerman e da cena construída em Inglaterra em torno de etiquetas como a U-Star e até a Nuphonic. Pois bem, ao que tudo indica essa geração está de volta e manifesta-se actualmente na verdadeira enchente de Re-edits que inundam os escaparates das lojas mais informadas e no regresso da palavra "Balearic" ao léxico "cool". Nada que a tal geração de 90 já não tivesse ensaiado em selos hoje muito coleccionáveis como a Black Cock de Harvey onde a matéria prima para as reconstruções chegava de diversas proveniências. Talvez toda esta cena seja de facto pautada pela liberdade e por um certo tom desafiante de algumas convenções. Uma liberdade que permite a alguns DJs (como Harvey...) alinhar sets em que um clássico de Italo pode anteceder um mergulho no universo do rock psicadélico para logo depois nos atirar com um tema de Disco e um qualquer exemplo de indie pop de finais dos anos 80. Sem pestanejar. E com tudo a fazer sentido...

Porque vos conto isto tudo? Porque descobri que é muito mais difícil construir sets desta forma na minha última tentativa de construir uma mixtape para consumo "interno". No universo codificado do funk, por exemplo, ter as malhas certas é meio caminho andado. Neste outro universo não existem "malhas certas" e a cartilha é reescrita todos os dias ao ponto de sermos obrigados a estar permanentemente a rever a nossa Wants List e a tentar encaixar nessa lista nomes que anteriormente nunca tínhamos sequer considerado como remotamente interessantes. Talvez esta tal nova cena de que vos falo ofereça sobretudo uma outra forma de olhar para a música em que as barreiras entre passado, presente e futuro são pulverizadas pela intensa actividade de artistas e editoras que em novas criações, em re-edits, reedições (legais ou não), remisturas e sets distribuídos online vão redesenhando a paisagem à nossa volta. E o mais interessante é que tudo isto volta a afectar o diggin e o coleccionismo. Nos últimos tempos discos de Alan Parsons Project, Vangelis e Mike Oldfield, para citar apenas alguns casos mais gritantes, deram entrada na minha colecão (nalguns casos posso mesmo dizer que reentraram na minha colecção). Mas esse nem sequer foi o sinal de alerta. Esse sinal foi dado pela aquisição de um maxi na ultra coleccionável Whatever We Want com um re-edit dos Dire Straits!!! Vale tudo? Mais ou menos: o segredo - e voltamos ao ponto de partida - está na contextualização das coisas. Um bom DJ pode estar mais de uma hora a preparar o seu público para a entrada em cena de um simples disco, conduzindo as pessoas, baralhando as suas coordenadas, manipulando as suas emoções, até ao ponto em que esse disco represente um climax. E pode ser o disco menos óbvio do mundo. Harvey diz que mesmo para os sets de 5 ou 6 horas que assina frequentemente na agora "sua" Califórnia (sim, Harvey é um soul surfer assumido) leva apenas uma mala de discos porque, explica ele, cada um dos discos que aí foi parar foi cuidadosamente ponderado e escolhido. Isto significa, claro, como me explicava recentemente o Dub numa das nossas acesas conversas sobre este assunto, que Harvey pertence áquela classe de DJs que antes de tocar para um público toca para si mesmo. É verdade. Mas Harvey ganhou esse direito em praticamente 20 anos de carreira. E a verdade é que ao tocar para si mesmo está a oferecer uma nova perspectiva sobre o passado, sem outras regras que não sejam a sua intuição. E não é essa afinal a principal ferramenta de um digger? A intuição? Há de novo um enorme mundo de vinil lá fora à nossa espera. Basta ter a intuição certa e uma saudável atitude de descoberta.

Depois de toda esta conversa, deixo-vos com uma sugestão (ilustrada pela foto acima), para que percebam ainda melhor tudo aquilo de que estou para aqui a falar:

Edgar Froese - Kamikaze 1989 (Virgin, 1982), banda sonora do homem dos Tangerine Dream para um filme de Wolf Gremm em que Fassbinder aparece igualmente envolvido. Paisagens electrónicas intensas que se encaixam na perfeição no presente. Ouçam, por exemplo, "Polizei Disco". Boa caça!