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HitdaBreakz

4/11/2006

Roy Ayers em entrevista


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Nem sei muito bem porque nunca aqui coloquei esta entrevista que fiz para a Dance Club, mas recentemente deparei-me com ela e resolvi recuperá-la. Não há nenhuma razão particular, mas também não é propriamente necessário encontrar um justificativo forte para se mostrar uma entrevista com Roy Ayers, pois não? Cá está ela...



ROY AYERS

Em busca do groove perdido


Roy Ayers é um gigante cuja obra possui uma alcance invejável, tendo influenciado nas últimas décadas praticamente toda a música moderna apoiada na electrónica, do Techno carregado de soul de Carl Craig, ao Hip Hop swingante dos A Tribe Called Quest, passando pelo House bem “deep” de gente como Kenny Dixon Jr ou os Masters At Work. Essa capacidade de marcar as novas gerações pode descobrir-se sobretudo nos discos que o vibrafonista/pianista, arranjador e produtor Roy Ayers gravou na segunda metade dos anos 70. Agora, quase 30 anos depois, as obras de Ayers voltam ao presente pela mão da etiqueta britânica Barely Breaking Even que, depois de mapear as actividades de alguns dos maiores produtores de Hip Hop da actualidade com a série Beat Generation, resolve agora recuperar a música que, nalguns casos, serviu de impulso original para os exercícios exploratórios de gente como Pete Rock, Jay Dee ou King Britt (todos eles já editados pela BBE).
“Virgin Ubiquity” reúne peças gravadas originalmente entre 1976 e 1981, mas nunca anteriormente editadas. Mais do que o atractivo “museológico” de encarar este álbum como uma cápsula do tempo, descobrimos nas malhas carregadas de Groove de “Virgin Ubiquity” um som vivo e perfeitamente sintonizado com as vibrações mais positivas do presente. Roy Ayers revelou que este álbum é apenas a ponta de um iceberg, uma vez que possui mais de 200 bobines com material inédito registado nessa época. Podemos então esperar mais discos com gravações nunca antes escutadas do mestre vibrafonista. E assim começa uma nova fase na carreira do criador de “Everybody Loves The Sunshine”…
Pode começar por me explicar como é que este album, “Virgin Ubiquity”, aparece na BBE?
Bem, todo o material aqui incluído fazia parte dos meus arquivos. Nos anos 70 o meu contrato com a Polydor especificava que tinha que entregar 10 ou 12 canções para um álbum. E a Polydor só retinha a propriedade dos temas que entravam nos álbuns. Mas eu tinha o hábito de entrar em estúdio e gravar durante 28 horas seguidas. Gravava sempre imenso material. E o que ficava de fora era tão bom como o que entrava nos álbuns. Daí que hoje, desse período de 76-81, tenha em casa cerca de 200 bobines de 24 pistas com imensa música que nunca ninguém ouviu. Foi exactamente material dessas bobines que eu mostrei ao Peter da BBE. Quando ele começou a ouvir a música daquelas sessões… sabe quem é o Jamiroquai?…
Sim, claro…
Pois é… ele parecia o Jamiroquai, a dançar como um louco pela casa fora. A música daquelas sessões – com cantoras como Mary Clayton e Carla Vaughan ou bateristas como Bernard “Pretty” Purdie e Steve Cobb – ainda possui qualquer coisa de mágico que a faz resistir ao tempo.
Concorda se eu disser que parte da razão que leva a sua música a manter a actualidade se prende com o facto de ter sido tão samplada pela comunidade hip hop que assim garantiu que as suas melodias se continuassem a ouvir?
Sem dúvida. Muitos artistas de Hip Hop samplaram-me e isso manteve a curiosidade das pessoas em relação aos discos originais bem viva. Penso que os artistas que me samplam o fazem como uma espécie de homenagem, porque gostam da minha música. Ao longo dos anos tive a oportunidade de falar com pessoas como os Brand Nubian ou os A Tribe Called Quest e sempre me surpreendi pela maneira como eles falavam da minha música. Acho que uma das minhas maiores conquistas foi exactamente o ter tocado várias gerações.
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Tem algum tema favorito de Hip Hop, daqueles que samplaram obras suas?
A Mary J Blige, que é um ser humano fantástico, gravou um tema, “My Life”, que sampla o “Everybody Loves the Sunshine” (aliás, um tema que já foi muitas vezes usado por gente do Hip Hop). O único disco de platina da minha carreira, triplo!, consegui-o com essa música da Mary J. Blige. Nunca nenhum dos meus discos originais chegou à marca de tripla platina…
A sua música sempre foi imbuída de uma forte espiritualidade. Acha que é este lado mais espiritual que ajuda a sua música a manter-se tão relevante no presente?
É bem verdade que eu tenho uma enorme ligação com o lado espiritual das coisas e das pessoas. Interessa-me a procura, o terceiro olho. Escrevi músicas sobre o sol, a natureza. E ao longo dos anos fui-me ligando a pessoas com as mesmas preocupações, com o mesmo desejo de procura. A Erykah Badu, por exemplo, disse-me que deu ao seu filho o nome de Seven. Eu perguntei-lhe o porquê dessa escolha e ela explicou-me que a sétima letra do alfabeto é o G de God… Ela é um espírito positivo e os espíritos positivos conseguem viver a vida e a música com outra força. Eu sei que tive momentos na minha carreira de algum desespero, mas se o pensamento positivo prevalecer acabamos sempre por nos cruzar com as pessoas certas.
Você é um dos poucos artistas que pode orgulhar-se do facto de ter praticamente todo o seu catálogo antigo sempre disponível nas lojas. Tem algum controlo sobre isso ou isso acontece simplesmente devido à procura?
É a procura. A Universal detém grande parte do meu catálogo e eles não se iriam preocupar em reeditá-lo se ele não vendesse. Mas a verdade é que sempre que eles colocam um Best Of na rua o disco vende umas 70 mil cópias, um número impressionante se pensarmos que é alcançado sem promoção de espécie alguma, sem rádio, sem anúncios de imprensa. E essas compilações ajudam depois a vender os discos originais. A minha opinião pessoal é que se esses discos vendem é porque têm qualquer coisa que não se encontra facilmente na música de hoje.
Será o “groove”?
(risos) Não sei… talvez seja uma ideia diferente de “groove”, porque acho que há muita música com “groove” nos clubes. Mas havia qualquer coisa naqueles músicos, naqueles bateristas com quem eu costumava trabalhar... Um “swing” muito especial. Eles inventaram ritmos que ainda hoje fazem sentido. E daí o facto de tanta gente samplar esses discos. A verdade é que a minha música até a mim me surpreende. Eu lembro-me que produzia todos os meus discos e quando chegava a hora de escolher singles, as músicas que eu pensava que iam ser “hits” nunca iam a lado nenhum e geralmente eram outras faixas dos álbuns que as radios começavam a tocar. Daí que naquelas bobines cheias de inéditos haja para lá muitos temas com esse potencial. Talvez tenham o tal “groove” de que fala…
Voltando ao álbum “Virgin Ubiquity”… Pode falar-me dessas sessões em particular? Onde é que aconteceram, por exemplo?
Eu costumava gravar em estúdios como o Electric Lady Recording Studio em Nova Iorque ou o Sigma Sound…
… de Filadélfia?
Eles eram uma operação de Filadélfia, sim, mas eu costumava usar os estúdios deles em Nova Iorque. Também gravava muito no Record Plant de Los Angeles. As minhas sessões eram sempre momentos muito especiais. Eu reunia os músicos em estúdio, fazíamos algumas “jams”, ensaiávamos os momentos que mais me interessavam e depois basicamente deixávamos a fita rolar. Criava-se um ambiente e depois as coisas surgiam espontaneamente. O importante era criar aquela química especial entre os músicos e isso conseguia-se sempre com a música, tocando muito. Daí que aquelas sessões durassem tanto: 24, 28 ou 30 horas no estúdio de seguida e eu saía de lá com um álbum gravado.
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Já há bocado falou em Erykah Badu… No novo álbum dela há uma enorme aproximação àquele espírito mais livre das suas gravações dos anos 70. O que é que a sua música tem que continua a influenciar as novas gerações?
Eu gravei com a Erykah e a Betty Wright no meu álbum “Mahogany”. A Erykah chamou-me “Rei da Neo Soul”. Eu perguntei-lhe o que era isso de Neo Soul e ela explicou-me que era um termo inventado pela imprensa para descrever novos cantores como ela, o D’Angelo ou o Musiq. Para mim foi uma enorme honra descobrir que muitos desses cantores têm nos meus discos algumas das suas mais fortes referências. Talvez a procura que eles fazem de uma certa espiritualidade encontre ecos na minha música, como já falámos há pouco. Mas também há o facto de eles procurarem o não óbvio, algumas texturas mais ricas que eu usava muito na minha música. E o tal “groove” de que temos estado a falar.
A sua biografia menciona um momento mágico na sua infância quando o grande vibrafonista Lionel Hampton lhe ofereceu no final de um espectáculo um par de ”sticks”. Ainda os tem?
Infelizmente não. Perdi-os quando era pequeno. E é pena, porque esse foi um momento decisivo na minha carreira. Mas guardei a memória, que é o que mais importa.
E em relação ao futuro? Haverá mais volumes editados com sessões inéditas dessas 200 bobines?
De certeza que sim. Estou curioso para ver a recepção das pessoas a este disco. E já estou a planear mais alguns discos como o “Virgin Ubiquity”. A reacção do Peter da BBE levou-me a concluir que essa música não pode ficar assim fechada dentro das bobines. Tem que sair cá para fora. E ainda por cima neste clima actual, com pequenas editoras independentes a tratarem músicos como eu com tanto respeito e carinho, faz todo o sentido voltar a pensar em editar música. Não que eu tenha parado. Tenho a minha própria editora e produtora e nos últimos anos lancei sete discos, mas queria pensar em coisas especiais para este material inédito.