<$BlogRSDUrl$>
.

HitdaBreakz

4/21/2006

La forza de Cuba


Image hosted by Photobucket.com
E pronto, mais um texto que já nem me lembrava de ter escrito (saiu há um par de anos na Dance Club), mas que até faz sentido colocar aqui. Boa leitura!


LA FORZA DE CUBA

O impacto das sonoridades de Cuba no universo da música de dança é extenso e historicamente relevante. Mas basta pensar no “pormenor” da grande peregrinação anual dos agentes da Dance Music – a Winter Music Conference de Miami – ter lugar na capital da diáspora cubana, para se perceber que a coabitação entre as malhas do son e da rumba com a modernidade electrónica é mais do que natural.
De facto, a música cubana tem um “pedigree” histórico no que à sua abertura aos cruzamentos com linguagens exteriores diz respeito. Desde que Chano Pozo animou com as suas congas o Bop de Dizzy Gillespie, nos anos 40, que o groove natural da ilha se começou a infiltrar, primeiro no jazz e, mais tarde, no Rhythm & Blues, na Soul e no Funk. Essas misturas foram-se cristalizando com os anos até que o cruzamento dos sons provenientes da maior das ilhas das Caraíbas com os géneros urbanos norte-americanos conduziu ao nascimento da Salsa.

CUBA EM NOVA IORQUE

O som de Cuba introduziu-se de tal forma no tecido musical de Nova Iorque que, com o passar dos anos, foi marcando as diversas revoluções que atravessaram os clubes onde a música servia, essencialmente, as pistas de dança. Primeiro com o Latin Jazz e o Boogaloo, depois com o Disco Sound e, mais tarde, com o Latin Freestyle (um sub-género de Electro Hip Hop) e o House.
A maior parte dos desenvolvimentos das formas híbridas de música em Nova Iorque em que os sabores latinos desempenham um papel de destaque têm a sua origem em três ritmos distintos com origem em Cuba: a Rumba, o Danzon e o Son. Na excelente e seminal compilação “Nu Yorica”, com selo da fundamental Soul Jazz, explica-se que a Rumba é música de festa que teve origem nas comunidades de escravos de Cuba e que era usada para dançar e para contar histórias. O Danzon, por outro lado, teve origens europeias e foi um estilo levado para Cuba por escravos fugidos do vizinho Haiti, nos finais do século XVIII. Foi a partir do Danzon que se desenvolveu um estilo que alcançou grande popularidade nos Estados Unidos por parte de gigantes do entertainment como Xavier Cugat, o autor de “Mambo Nº 5”, um tema que, como todos se lembram, ainda há um par de anos fez estragos nos tops de todo o mundo. Finalmente, o Son, um género que também tinha uma influência haitiana, mas que, ao contrário do Danzon, que criou raízes mais burguesas, se estabeleceu nas zonas mais pobres da ilha, dando origem aos famosos sextetos e septetos que cristalizaram uma atitude na música cubana. Como indicam os historiadores, as bases para as diferenças entre cada tipologia podem investigar-se até as religiões importadas de África com os Escravos e que se estabeleceram em Cuba, como o Palo (de origem congolesa) ou a Santeria (com raízes na cultura Yoruba).
Nos anos 40, muitos músicos cubanos emigraram para Nova Iorque, lançando as bases de uma fusão de géneros, com as tipologias cubanas a interagirem com o Jazz para criarem um profundo impacto nos clubes. Machito (com quem tocava Tito Puente) e Chano Pozo (que ajudou Gillespie a criar o seu estilo Cubop) representam a base de uma árvore de imensos cruzamentos de onde se originaram muitos êxitos, tipologias específicas e artistas de enorme estatuto e longevidade, como foi o caso de Célia Cruz, que saiu de Cuba após a Revolução de Fidel para se estabelecer ao lado de Tito Puente como figura central da realeza da música latina. Outros nativos de Havana conseguiram imprimir uma duradoura marca na música americana. E um dos mais importantes foi, sem dúvida, Mongo Santamaria, um percussionista que chegou ao sucesso com a sua gravação do standard de Herbie Hancock “Watermelon Man” (1963) e que editou discos que são hoje verdadeiras peças de colecção para os DJ’s que gostam de oferecer “rare grooves” ao seu público.
Image hosted by Photobucket.com

Na verdade, é fácil entender o fascínio da música de dança dos mais variados quadrantes pelos sons de Cuba. Os ritmos importados da ilha de Fidel foram desenhados, ao longo de séculos, para obterem máxima eficácia no actor de dançar. Daí que, na busca incessante de factores de cruzamento com a moderna música electrónica, os padrões latinos não pudessem ter ficado de fora. Afinal de contas, na última década, só o House já encenou aproximações não só à música de Cuba, como ao samba brasileiro ou ao Afro Beat nigeriano.

CUBA E O DISCO SOUND

Depois da revolução comercial da Salsa iniciada pela mítica Fania Records do dominicano Johnny Pacheco, o mundo nunca mais foi o mesmo. Apesar de ter origens na República Dominicana, Pacheco sempre esteve próximo de músicos cubanos e foi um dos primeiros a aproveitar o potencial do fluxo de músicos que rumaram aos Estados Unidos depois de em 59 Fidel ter expulso os casinos de Havana. Com a Fania criou-se o conceito de Salsa, uma música que cruzava diversos elementos de música latina (cubana e não só) com os ritmos americanos. No processo, Pacheco alimentou o crescimento de músicos como Willie Colón (nome que pode ser encontrado nas compilações dedicadas ao Loft de David Mancuso editadas pela Nuphonic) ou Ray Barreto que abriram o caminho para, mais tarde, outros músicos como Candido se estabelecerem.
Image hosted by Photobucket.com

Candido tomou o mundo de assalto com “Jingo” em 1979. Para todos os efeitos trata-se de um tema de House, antes do House ter aparecido, com uma base rítmica que além de irresístivel de tem mostrada imune ao passar do tempo. Pessoas como Gilles Petterson, por exemplo, foram cruciais na divulgação deste tema editado pela mítica Salsoul (uma das mais importantes editoras de Disco) ajudando igualmente a impor-lhe uma longevidade que haveria de tornar-se importante na imposição de uma influência sobre projectos como os Masters At Work ou a sua incursão pela música latina no projecto Nu Yorican Soul.
A incursão de Little Louie Vega e Kenny Dope Gonzalez pelos ritmos latinos – de certa forma, uma maneira de seguir as suas raízes – começou com a remistura do êxito de Tito Puente “Ran Kan Kan”. E, ao longo dos anos, essas influências latinas sempre se fizeram sentir nas suas produções, até que, em 1997, os Masters At Work se decidiram a traduzir o real caldeirão de influências que é Nova Iorque usando uma base latina para estender pontes de aproximação entre o House, o R&B, o Hip Hop, o Jazz e o Disco Sound, com músicos de origens diversas, como Roy Ayers ou Eddie Palmieri.

CUBA HOJE

Nos últimos anos, graças ao sucesso mundial do “Buena Vista Social Club”, muitos foram os músicos importantes que rumaram a Cuba – quer física quer espiritualmente – para insuflarem na sua música alguma da sofisticação rítmica que a ilha oferece. Dois dos mais importantes, sem dúvida, terão sido os Up Bustle & Out e Bill Laswell.
Os Up Bustle & Out aproveitaram os “budgets” mais generosos da Ninja Tune para rumarem a Cuba para o álbum “Rebel Rádio Master Sessions vol. 1” em 2000. Trata-se de um inteligente exercício de fusão entre algumas estratégias da música electrónica e os ritmos nativos de Cuba, com resultados entusiasmantes, como é o caso de “Descarga Com Cafe” ou “Havana’s Streets”. Já Bill Laswell, sempre interessado nos ritmos do mundo, preferiu em “Imaginary Cuba” assinar, como o título indica, uma viagem virtual de reconstrução pelos ritmos cubanos de gente como Septeto Nacional ou Los Ibellis, cruzando-os com a sua habitual receita de Dub, Hip Hop e electrónica ambiental. Mesmo em Portugal, a modernidade unida pelo groove não escapou às malhas de Cuba, ou pelo menos ao alcance da sua inspiração: os Cool Hipnoise, no tema “Lisboa-Kingston-Havana” desenharam um triângulo imaginário por onde passariam alguns dos sons que os marcam. Prova de que o legado cubano se estendeu ao mundo inteiro.
Nos Estados Unidos, onde a relação dos géneros locais com os ritmos latinos já tem décadas, há mesmo um Grammy para premiar as grandes estrelas latinas, cubanas e não só. E no passado, gente como Célia Cruz ou Tito Puente viram o seu valor reconhecido com um desses prestigiados prémios.
Obviamente, como já devem ter percebido por esta altura, a música de Cuba, em particular, e a latina, em geral, não está confinada aos museus. De facto, há muitos anos que se passeia confortavelmente pelas pistas de dança mais informadas. Recentemente, foi colocada no mercado a compilação “Essential Latin Flavas” (Stimulus Records) que, em determinados pontos, dá conta do estado actual do som cubano ou do som de inspiração cubana pelas mãos de projectos como Charanga 76, Señor Coconut, Quantic Soul Orchestra ou Truby Trio.
Image hosted by Photobucket.com

Cuba, como de resto a Jamaica, é um país que, graças à música, se assume como sendo muito maior do que a sua geografia deixa a entender. A prova está nas décadas de exportações sonoras com sucesso, na imensa galeria de grandes artistas que entregou ao mundo, mas, sobretudo, na impossibilidade física de resistir a uma das suas contagiantes descargas. Viva Cuba!