3/27/2006
Descoberta do século: Mach - On and On 12"
Vamos lá tentar começar esta história pelo princípio. Se ao longo deste texto se depararem com expressões como "alinhamento cósmico", "funky karma", "digger's justice" e coisas assim não estranhem por favor. É que para frases destas surgirem pela mão de um tipo como eu - que a maior parte do tempo nem se lembra de qual é o seu signo - é porque há uma justificação muito forte.
Vamos a isto. Sábado passei na Feira da Ladra. O dia estava muito fraquinho, mas ainda assim trouxe um lote de 10 singles em prensagem original e Mint condition de coisas como "Somebody's Watching Me" de Rockwell, "Smooth Operator" de Sade, "Ghostbusters" de Ray Parker Jr, "Party all the time" de Eddie Murphy (esse mesmo) e mais umas coisas assim. Grooves de Modern Soul, anos 80, carregados de baixos gordos. Nenhum desses discos é especialmente raro, mas são edições originais em óptimo estado o que é difícil de encontrar. E no local onde os comprei ainda ficou a discografia completa de Lionel Ritchie em 45 na Motown... Só este lote já me tinha feito pensar que tinha o fim de semana ganho, mas ontem ainda decidi dar um salto a Algés. O tempo não estava maravilhoso, mas acabou por não chover e eu lá fui, logo pela fresquinha.
E rendeu, posso dizer que rendeu. Um maxi dos Trouble Funk que não conhecia e que inclui o clássico "E Flat Boogie", mais um maxi dos Pet Shop Boys com o "Rent", um lote de 15 maxis de House da época 93-95 (por 10 euros e incluindo a remistura de Kevorkian para o "Situation" dos Yazoo! além de coisas de Todd Terry, Phuture e projectos de Garage de New Jersey) e, sobretudo, o disco de que vos vou falar a seguir.
Na mesma banca de onde tirei o maxi dos Pet Shop Boys retirei um maxi que me intrigou por várias razões. A capa é uma simples capa branca de maxi, mas colada como os discos americanos da década de 70 (se a expressão "paste on" vos disser alguma coisa saberão do que estou a falar). O disco tinha selo de uma tal Remix Records e incluia no lado A uma "Funky Mix" e no lado B uma faixa de título "On and On". Ambas eram creditadas a alguém com o nome Mach. Na etiqueta só mais uma informação preciosa - a data: 1980. Não hesitei e trouxe também esse disco. Preço deste maxi mais o de Pet Shop Boys? 3 euros.
Cheguei a casa e esse foi o primeiro disco que me decidi a ouvir, por estar tão intrigado. E o que ouvi agradou-me de sobremaneira: trata-se de um megamix com re-edits de vários temas. De acordo com a entrada deste disco na página discogs esta é a lista dos temas que se ouve na "Funky Mix":
Sergio Mendes - I'll Tell You,
Lipps Inc. - Funky Town,
Michael Jackson - Don't Stop Until You Get Enough,
Invisible's Man Band - All Night Thing,
...,
S.O.S. Band - Take Your Time,
Stacey Lattisaw - Jump To The Beat,
G.Q. - Standing Ovation,
...,
... - Love Machine,
Lipps Inc. - Funky Town,
Manhattan Transfer - Twilight Zone,
Don Amando's Second Avenue Band - Deputy Of Love,
THP - Good To Me,
Kano - It's A War,
Lipps Inc. - Funky Town,
American Gypsy - I'm O.K.,Your O.K
Impressionante, certo? E no lado B surge então uma "On and On" mais despida, mas que ainda assim cita, por exemplo, os Munich Machine, os Playback de "Space Invaders" e a Donna Summer. Ambos os temas são muito bons e os edits são perfeitos, aquilo a que este especialista chama "Mixers". Fiquei imediatamente convencido que tinha encontrado um bom disco, mas o melhor estava para vir.
De momento encontro-me a trabalhar num pequeno livro que será brevemente disponibilizado com a revista Dance Club. O livro versa sobre a História do House. Depois da Feira de Algés e enquanto ouvia alguns dos discos, deitei mãos ao trabalho de novo e comecei a ler sobre os primórdios do House e descobri que um dos primeiros temas de House, de Jesse Saunders, tinha o título "On and On". "Que coincidência", pensei eu. Mas não podia ser o mesmo tema porque o maxi que eu arranjei tinha data de 1980 e os primeiros maxis de House foram produzidos no início de 1985. Foi então que peguei no livro "Last Night A DJ Saved My Life" de Bill Brewster e Frank Broughton e li a seguinte história. Jesse Saunders era DJ em Chicago na primeira metade dos anos 80 e desenvolveu um estilo próprio - que para reforçar o beat dos discos que tocava costumava levar para a cabine do seu clube uma Roland 808. Ora um dos discos que Saunders considerava distingui-lo enquanto DJ - porque mais ninguém o tocava - era precisamente "um bootleg obscuro de título "On and On" assinado por Mach". É óbvio que quando li isto até dei um salto: parece que os astros se tinham conjugado a meu favor. Aparentemente, Sauders tocava tanto esse disco que alguém que também o queria lho roubou. Não conseguindo arranjar outra cópia, Saunders tentou regravar essa faixa e editou o resultado com o mesmo título criando assim para a história o primeiro maxi de House de todos os tempos. Estão a ver bem a importância da coisa?
Agora expliquem-me: o que é que este maxi, que segundo as parcas informações que encontro na net é extremamente raro, fazia na Feira de Algés? E porque raio estava eu destinado a encontrá-lo imediatamente antes de ler aquele texto no livro de Bill Brewster? Impressionante, não?