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HitdaBreakz

12/22/2005

Steve Spacek: soul in space


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Steve Spacek continua a dar alma ao futuro. “Space Shift” é o mais recente trabalho deste inglês que parece ter encontrado um lugar na cidade de Los Angeles. Texto: Rui Miguel Abreu



O nome Spacek já é sinónimo de uma postura original no campo da Soul desde pelo menos 2001, ano da edição do excelente Curvatia, um álbum que parecia querer anunciar a chegada do século XXI de forma mais convincente do que os calendários ou o famoso Bug do Milénio. Vintage Hi-Tech, dois anos depois, confirmava o estatuto, sublinhando o recorte angular e definitivamente original da Soul profetizada por Steve Spacek. Estamos agora em 2005 e Steve Spacek decide aventurar-se a solo, reforçando a diferença com uma viagem até Los Angeles, cidade que nos últimos tempos tem fervilhado graças ao groove específico libertado pelas malhas tecidas por gente como os Sa-Ra Creative Partners ou Platinum Pied Pipers. Space Shift – trocadilho carregado de significados profundos (uma das traduções possíveis é “mudança de lugar”…) – serve assim de título a um álbum que investe uma vez mais no futuro, sem esquecer a ligação à história, como a que é encenada no excelente Dollar, tema que conta com a colaboração de Leon Ware, um dos responsáveis pela glória clássica de Marvin Gaye no mítico I Want You.

A primeira pergunta é inevitável: o facto de assinar este álbum em nome próprio tem algum significado especial no que à continuidade do grupo Spacek diz respeito?
E porque é que uma coisa tem necessariamente que implicar a outra? Este é apenas o primeiro de uma série de projectos especiais em que me pretendo envolver e os Spacek têm lugar no meu futuro, claro.
Como é que surgiu o contrato com a Sound In Color?
Passei por Los Angeles o ano passado e os tipos da Sound In Color contactaram-me para saber se eu estaria interessado em colocar voz nalgumas faixas de um álbum de um dos artistas deles, GB. Pode-se dizer que o contacto correu bem porque eu acabei por dar voz ao tema Simply So que os Sa-Ra Creative Partners depois remisturaram. E no início deste ano, tudo parece ter-se conjugado para que eu fizesse alguma coisa a solo e não inserido nos Spacek. Falei com os tipos da Sound in Color e mostrei-lhes algumas faixas e ideias que tinha para este projecto e a partir daí as coisas começaram a tomar forma.
O seu som é ultra sintético, mas possui igualmente uma faceta muito quente. Como é que se consegue o equilíbrio entre maquinaria e emoção?
Penso que sempre fiz música assim. Estas coisas acontecem-me naturalmente. Quanto às máquinas – bem, é apenas uma consequência dos tempos que vivemos, rodeados de tecnologia. Penso que se estivesse a fazer música nos anos 70 continuaria a apostar na minha própria vibração e para isso utilizaria a tecnologia da época. Mas eu vivo no século XXI e de certa forma fui moldado por esta época por isso uso o que está à minha volta. Posso gravar digitalmente, analogicamente ou de ambas as formas, porque de cada vez que abordo uma canção tenho uma sonoridade muito específica na cabeça e não olho a meios para a traduzir em algo concreto. Mas o carácter humano e emocional dos meus temas corresponde sempre ao que eu começo a procurar. Não abdico desse controlo e para isso envolvo-me a 200 por cento em todas as fases, da composição à gravação e mistura.
Soul e Estados Unidos parecem ser realidades que andam sempre juntas. Editar numa etiqueta americana era um objectivo de carreira?
Editar nos Estados Unidos é apenas mais uma etapa na minha carreira. Eu faço Soul Music, por isso poder absorver as vibrações do local onde toda esta cultura começou era algo que eu desejava e que já se adivinhava há algum tempo. Acredito que o meu som não tem fronteiras e que pode ser compreendido em qualquer ponto do mundo, mas estaria a mentir se dissesse que o público americano não é importante para mim. Até porque se conseguir algum impacto nos Estados Unidos isso trará consequências positivas a nível global e assim poderei obter as condições para garantir alguma estabilidade à minha família e, já agora, fazer pessoas felizes um pouco por todo o lado.
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Depois da Nu-Soul, do R&B e do Funk de recorte mais retro onde é que será possível encaixar o seu som? Acha que faz Soul para se escutar a bordo do Space Shuttle?
Essa poderia ser uma definição perfeita para o meu som, de facto. Ou eu poderia chamar-lhe Sci-Fi Soul, Funktronic ou Hi-Tech Groove. As combinações são infinitas e qualquer uma delas poderá traduzir o que se passa nos meus discos. Mas eu continuo a referir-me ao que faço, muito simplesmente, como Soul Music.
Existe algum segredo especial que marque o seu processo de composição?
Bem, eu uso sempre o Logic Pro e uma MPC, mas nada de terrivelmente secreto ou especial. Por vezes os temas nascem por causa de uma melodia com que acordo na cabeça, ou por causa de um break qualquer que eu programo ou de um loop com que estou a brincar e de meia dúzia de palavras rabiscadas num papel. Tudo o resto surge naturalmente e é aí que está a beleza disto tudo.
O novo álbum parece ser mais pessoal do que os trabalhos anteriores e adivinha-se uma carga erótica muito forte nalgumas faixas.
Não sei se há uma carga erótica, mas de facto o meu lado mais pessoal e privado representa um enorme papel. Faixas como “I’m Glad You’re Here” foram escritas para a minha namorada, Eve, que esteve comigo na fase inicial do disco em Los Angeles. Muito do disco reflecte o que eu sentia por ela naquela altura. E lá para o fim do disco, a chegada do meu primeiro filho, que se chama Sta Simonez e que foi concebido em Los Angeles, também me marcou muito. Está com 10 semanas agora.
Se a sua lista telefónica tivesse todos os números do mundo, a quem teria telefonado para este álbum?
À Bjork, ao D’Angelo, à Missy Elliott e ao Michael Jackson...
Ainda assim há um par de lendas de peso no seu disco. Como Leon Ware ou Jay Dilla…
Verdade. São dois verdadeiros “Dons”. O Leon já o conheço há para aí um ano. Conheci-o através do Mr. French no estúdio de Raphael Saadiq. O Leon é um tipo divertidíssimo, sempre com um espírito jovem. Como se poderá imaginar, estar na companhia dele enquanto estava a gravar o álbum e não o aproveitar para uma colaboração ou duas seria um desperdício. Quanto ao Dilla, ele tinha acabado de se mudar para Los Angeles, vindo de Detroit, por isso foi apenas uma questão de educação tentar inclui-lo neste projecto, já eu sou um grande admirador do trabalho dele.
O aparecimento de gente como os Sa-Ra Creative Partners ou até os Platinum Pied Pipers ajuda a encaixar o seu som numa “cena”? Consegue ver afinidades entre o seu som e o desses artistas?
Bem, sem dúvida penso que o trabalho deles foi muito importante para injectar sentido numa direcção que se começava a desenhar já há algum tempo. Mas não sei muito bem o que dizer quanto à existência de afinidades. O que eles fazem atravessa uma enorme variedade de estilos que vão da Folk ao Rock e à música de dança, passando muito pelo Hip Hop, pela Soul e pelo R&B. Talvez o meu som seja mais concentrado, menos disperso. Eu sinto ligações com pessoas que estão a surgir agora, como J Davey, de Los Angeles, que faz uma mistura incrível de Hip Hop, Funk e Rock, ou Ed Vallance, um bom amigo de Londres que representa uma espécie de nível seguinte dos Coldplay.

Nota: Texto publicado originalmente no jornal Blitz.