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HitdaBreakz

12/15/2005

Jazzanova : quando remisturar é uma arte


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Muita água passou debaixo da ponte desde que em 1995 o colectivo que hoje conhecemos como Jazzanova se encontrou na cabine do pequeno clube Delicious Doughnuts (provavelmente estaria mais cheio do que a foto de 1996 que podemos ver ao lado), em Berlim. Sendo uma das poucas alternativas ao techno que preenchia todos os espaços nocturnos de Berlim, o clube foi, durante dois anos, o espaço fértil das diferentes ideias musicais dos seis membros do colectivo e a melhor plataforma para afirmar o terreno comum entre os vários membros, composto por um amor ao jazz, ao funk e à soul e por uma paixão pelo diggin' de discos – a procura em lojas de segunda mão de pérolas em vinil de anos vindouros.

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E é todo esse universo que encontramos espelhado na primeira produção do colectivo, o seminal Fedime's Flight. Misturando de uma forma muito original jazzfunk, vocais etéreos tipicamente brasileiros e um samba transfigurado, Fedime's Flight leva um selo de qualidade dado por Gilles Peterson e transporta os Jazzanova para palcos maiores, assim, ao primeiro disco. Com apenas um disco na rua mas com o reconhecimento dos seus pares a estender-se a todos os continentes, começam a chegar ao colectivo pedidos de remisturas de artistas tão diferentes como os japoneses United Future Organization, os ingleses 4 Hero ou os escandinavos Koop, na altura ainda uns desconhecidos. E é desde o início que as remisturas ganham um peso muito elevado no percurso discográfico dos Jazzanova.

Mas não é apenas conferir o som Jazzanova ao tema original que tratam as remisturas do colectivo. Há todo um processo, cuidado e, arriscaria, quase singular na indústria, de preencher de Jazzanova um tema. Aproveitando as ligações entre géneros quase metódicas que vão sendo estabelecidas com o diggin', o colectivo estuda a discografia passada do artista a remisturar e estabelece influências para todo o seu som. Com estas coordenadas, cada tema remisturado é tanto uma amálgama daquilo que os Jazzanova são sonoramente como aquilo que eles vêem no tema do artista mas, mais do que isso, no artista em si e no que lhe precede.

Um bom exemplo disto é o tema "Another new day", um tema dos Jazzanova presente no seu único álbum de originais, In Between, datado de 2002. Pode parecer estranho estar a citar um original quando falámos apenas de remisturas até aqui mas o "Another new day" não é mais do que uma remistura dos Jazzanova aos segundos iniciais povoados de bateria do tema "It's a new day" da mítica banda de funk dos anos 70, os Skull Snaps. Fazer isto a um grupo que conferiu uma das espinhas dorsais rítmicas do hiphop, é não só agradecer aos Skull Snaps o facto de terem criado um momento tão especial mas também piscar o olho a todo o movimento hiphop, que lhes é tudo menos estranho e que, enquanto género, continuou a ser sempre uma coordenada definidora do som Jazzanova, incorporando estes, sem resistências, as suas flutuações. Mas, e voltemos à homenagem aos Skull Snaps, os Jazzanova dizem tudo isto sem deixar de conferir um cunho muito pessoal a todo o tema, gritando Ipiranga em relação ao original. Não há homenagem melhor a um break do que pegar nele com respeito para servir de base para algo belo.

É esta atenção ao ínfimo pormenor e este respeito pela música e pelo artista que lhes dá uma áurea diferente no campo das remisturas. Na posse destes elementos, ouvir um álbum de remisturas dos Jazzanova tem um sentido diferente. Não, não são originais dos Jazzanova mas tudo aquilo que personifica o colectivoestá tão presente nas suas remisturas que a confusão é inevitável.

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É tanto assim que os Jazzanova sentem, eles próprios, a necessidade de unificar grande parte do trabalho de remistura que fazem em álbuns debaixo do seu próprio nome. Foi assim em 2000, com as remisturas feitas de 1997 até esse ano recolhidas num só espaço e é assim hoje, com as remisturas feitas entre 2002 e 2005 reunidas num segundo volume, similarmente intitulado Remixes 2002-2005. Mas é na intersecção entre ambos os álbuns que encontramos algumas novidades. Se era possível traçar pontos estéticos comuns entre a totalidade dos artistas remisturados da anterior compilação, essa linearidade estética é mais difusa neste novo volume. Se não é incomum ver o nome dos Jazzanova associado aos Nuspirit Helsinki, a Marcos Valle ou aos Masters at Work, nomes como os Calexico e a banda de sunshinepop dos anos 60, os Free Design, são uma surpresa.

Se os anos 60 e 70 são habituais nas fileiras do colectivo, os anos 80 sempre foram uma década relativamente desconsiderada. No entanto, neste volume, é possível sentir o colectivo contagiado pela influência que o electrofunk está a ter em toda a música actual e fazê-lo sem nunca perder noção das suas próprias directrizes, na remistura que fazem para os Status IV, um pequeno hit dos anos 80, originalmente co-produzido por Toney Lee, dono e senhor de um dos grandes clássicos da música de dança, o Reach Up, ultrajado, no princípio do século, pelos Phats and Small (ia meter a bold mas pensei melhor) no hit global, Turn around.

Fica também a informação que o Reach Up é do Toney Lee mas é importante referir o input de Eric Mathews, um dos membros de outro grupo de música de dança
dos anos 80 que merece todo o destaque que lhe pudermos dar : os Gary's Gang. Fica aqui uma primeira abordagem a eles.

Por todas estas coisas, se há uma continuidade na exploração do paradigma há muito presente na música dos Jazzanova, com o jazz e o funk e os ritmos latinos como pedras basilares, o que Remixes 2002-2005 igualmente nos diz é que remisturar também é um escape para podermos, sob a desculpa de ser também esta a visão do remisturado, de ultrapassar as nossas próprias fronteiras sonoras, de explorar campos que usualmente não pisamos. E, sinceramente, não há muita gente faça melhor ambas as vertentes da remistura como este colectivo.

Os Jazzanova vão estar no Clube Mercado, já este sábado, na tour que estão a fazer para promover o Remixes 2002-2005. Imperdível!