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HitdaBreakz

10/25/2005

Light in the Attic: de Seattle, com amor


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A Light in the Attic assume-se já como uma ultra-interessante editora graças à postura que possui e que traduz num catálogo eclético e carregado de pontos de interesse. Quem anda atento aos conteúdos do HdB já há-de estar familiarizado com esta etiqueta que opera a partir de Seattle e que já nos deu algumas edições fundamentais, como a banda sonora do clássico Lialeh de Bernard Purdie ou a reedição do catálogo dos Free Design, grupo que recentemente foi alvo de algumas remisturas por parte de gigantes como Madlib ou Stereolab (ver texto mais abaixo). Recentemente, a Light in the Attic passou a ser representada em Portugal pela NTM, distribuidora ligada à loja online Skool, e o primeiro lançamento a ser disponibilizado entre nós foi The Now Sound Redesigned, precisamente a compilação que reúne remisturas e reconstruções por vários artistas a partir do catálogo clássico dos Free Design.
O Hit da Breakz, aproveitando o pretexto da representação em território nacional e o lançamento da já referida compilação, trocou alguns emails com Matt Sullivan (que se vê aqui na primeira fotografia deste post, ao lado de Mr Supreme) responsável máximo da Light in The Attic. Esta é a conversa com um digger apaixonado que se transformou em editor!

Quando é que começaste a coleccionar discos?
Recebi o meu primeiro disco quando tinha seis anos. Troquei uns cromos de baseball pelo Abbey Road dos Beatles. Queria agradar à minha mãe, que era uma grande fã dos Beatles. Naquele tempo ela estava constantemente a ouvir música.

O que é que te inspirou para começares a coleccionar?

Para mim os discos são muito como os livros. Quando dedicas o teu tempo a tentar compreender uma peça, simplesmente não a consegues largar. E esta é alma do coleccionismo: algo em que investes tempo para encontrar e compreender. E é esse tempo investido que confere importância ao disco e por isso é que não te desfazes dele. Porque representa tempo!

A Light in the Attic nasceu por causa dos teus hábitos de coleccionador?

A Light in the Attic nasceu de todo o tempo que eu gastei a ouvir música e a estudar as cenas, os artistas e a indústria. Passado algum tempo apaixonei-me por tudo aquilo. Em 2002 editar discos era tudo o que eu queria fazer.

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Os discos que tu encontras através do diggin’ influenciam os lançamentos da Light in the Attic?
Penso que os nossos lançamentos são a consequência directa da música que ouvimos toda a nossa vida e de todos os fãs de música e diggers que encontrámos e fomos conhecendo ao longo dos anos. A minha agenda telefónica é tão poderosa como a minha colecção de discos.

Como é que descreverias o clima corrente na América no que diz respeito ao diggin’? A Internet estragou o jogo?

Bem, para nós a Internet só tornou o jogo mais interessante. Não consigo imaginar-nos a fazer o que fazemos sem a Internet e toda a informação que ela disponibiliza. Tentar localizar os contactos essenciais de um LP raro apenas com as notas de capa tornaria este emprego impossível. E também é possível “diggar” muito mais profundamente com a net. Por exemplo, se amas os Beach Boys… partindo dessa obsessão em breve descobrirás os Free Design e os Fifth Dimension e um zilião de outros artistas espantosos. A Internet liga tudo isso.
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Qual foi o disco mais precioso que encontraste até hoje?

Para nós foi um par de coisas – a banda sonora original de Lialeh de 1974 composta pelo lendário baterista soul Bernard Pretty Purdie. Já foi descrito como “o Garganta Funda negro” e o primeiro filme porno negro mainstream… que tem uma banda sonora brilhante. E também o Wayne McGhie and the Sounds of Joy, que é um disco que te afecta a mente. O Wayne era um veterano do Studio One que gravou este LP em Toronto em 1970. Quando o disco foi prensado em 1970, a fábrica ardeu e apenas uma mão-cheia de discos resistiram ao fogo. O Mr. Supreme e o DJ Sureshot têm duas das pouquíssimas cópias que se sabe existirem.

Que tipo de ligações manténs com outros diggers?

Ligações muito, muito íntimas. As ideias que pessoas como o Supreme, Sureshot e Dynomite D nos apresentam são incríveis. Nós rodeamo-nos de tantas pessoas que adoram música quanto possível.

Também procuras discos fora dos Estados Unidos?

Onde quer que estejamos encontramos sempre tempo para procurar discos, mesmo que estejamos extremamente ocupados.

Quantos discos tens na colecção hoje em dia?
Muitos, muitos milhares.

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Qual é o teu disco favorito no catálogo da Light in the Attic?
O de Black Angels que há-de sair em meados de Outubro.

Seattle é uma boa cidade para o diggin’?
Seattle é uma cidade fantástica para tudo, mas o diggin’ em Seattle não é dos melhores. Já todos os spots na cidade foram muito pilhados. Mas vão aparecendo algumas coisas. Nesta zona do país, o Noroeste, prefiro Portland, no Oregon.

Pensas que as edições da Light in the Attic vão elas próprias ser coleccionáveis no futuro?
Sim, o vinil será coleccionável mais tarde. Asseguramo-nos que só prensamos o suficiente para satisfazer os primeiros pedidos e não inundamos as lojas. Não há nada melhor do que abrir a caixa, pegar no test pressing e colocar o LP no gira-discos. Sim, penso que as nossas edições em vinil serão relembradas no futuro.

Ok, para terminar, quais são os planos imediatos para a Light in the Attic?
As estreias em LP dos Young Circle e os Black Angels e algumas incríveis reedições de material muito, muito deep. Não posso abrir o jogo para já, mas em breve, muito em breve… Ah, e estamos a planear uma coisa muito louca que envolve os Peepers, a Sharon Jones, os Muscle Shoals Horns, a Karen O dos Yeah Yeah Yeahs e o Kool Keith. 2006 será um grande ano.

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THE FREE DESIGN
“The Now Sound Redesigned”


Os Free Design, obscura banda de sunshine pop da década de 60, está a ser alvo de uma redescoberta. Stereolab, Super Furry Animals e Madlib dão uma ajuda no processo.

Desenho livre



Em entrevista recente ao Blitz, King Britt falava do esvaziamento do formato remistura, insinuando que este acto se tornou uma arma de arremesso dos departamentos de marketing das grandes editoras e que, na verdade, muito do que hoje é apresentado como remisturas não passa de reequacionamento estratégico de certas canções para públicos diferentes. E, de facto, muitas das remisturas que hoje ganham alguma notoriedade são imaginadas não pelos artistas, mas por executivos dentro das editoras que desejam injectar credibilidade/”coolness”/potencial radiofónico em canções que de outra forma poderiam não adquirir nenhuma notoriedade. A compilação “The Now Sound Redesigned”, que sugere uma série de visões alternativas do espólio dos Free Design, grupo de sunshine pop de recorte psicadélico da década de 60, é radicalmente diferente – nos propósitos, na forma e no conteúdo.

A etiqueta de Seattle, Light in The Attic (LITA, para os amigos), propõe em “The Now Sound Redesigned” uma aventura extremamente interessante, feita de um profundo desejo de reinvenção. Muito por força de caminhos abertos nos campos do sampling por DJ Shadow (ver alguma da matéria prima de “Endtroducing” e “The Private Press”, mais a viagem conduzida em “Diminishing Returns”), em anos recentes o rock psicadélico passou a representar o papel de combustível alternativo ao funk no que aos motores dos samplers diz respeito. Daí que encontrar os Electric Prunes de “Release of an Oath” (com dedo do génio David Axelrod) na lista de créditos de “Respect Mine” de Fat Joe, de “Niggas Know” dos Beatnuts ou “The Monument” dos Wu-Tang Clan não seja estranho. Porque se é verdade que o funk nunca deixou de fornecer argumentos rítmicos ao hip hop, foi para algum do rock psicadélico que os produtores se voltaram em busca de uma paleta tímbrica mais diversificada que pudesse servir os objectivos de gestão dramática de um beat. Matt Sullivan, o criativo da LITA, vai mesmo mais longe e refere em entrevista que não vê grandes diferenças entre o funk e o rock psicadélico, “até porque tenho na parede um disco que não me permite esquecer da pequena distância que existe entre os dois géneros – o “Maggot Brain” dos Funkadelic”.

Os Free Design pertencem então ao enorme lote de bandas esquecidas da década de 60, recentemente acordadas por uma febre incontrolável de redescoberta do passado impresso em vinil. Este quarteto de irmãos (dois rapazes, duas raparigas) de Greenwich Village editou sete álbuns entre 1967 e 1972 feitos de, como refere a voz no intro de “The Now Sound Redesigned”, “leves estilizações bossa nova, folk e até de jazz”. Apesar da relativamente dilatada discografia, os Free Design nunca obtiveram real sucesso, mas, ao longo dos anos, foram sendo mencionados em entrevistas por alguns nomes de referência, como os Stereolab, por exemplo (que em 99, no álbum “Cobra and Phases Group Play Voltage in the Milky Night”, deram a uma das suas canções o título “The Free Design”, em jeito de sincera homenagem). Para a LITA, a elaboração de uma compilação de remisturas do material original dos Free Design foi, naturalmente, o passo lógico seguinte após a reedição da sua discografia (que se junta, no seu catálogo, a recuperações de bandas sonoras de clássicos porno como “Lialeh” ou “Deep Throat” e a pérolas do legado funk como é o caso do álbum de Wayne McGhie & The Sounds Of Joy ou à colectânea “Wheedle’s Groove”, que reúne glórias esquecidas do funk de Seattle).
Tendo em conta não só a postura da LITA como o apelo alargado da corrente psicadélica em que os Free Design se integraram, não é de estranhar que a selecção de artistas remisturadores aqui presente seja ela própria muito diversificada: Stereolab com High Llamas, Madlib, Chris Geddes dos Belle & Sebastian, Peanut Butter Wolf, DJ Nobody com Ikey Owens dos Mars Volta, Super Furry Animals, Sharpshooters, Kid Koala, Danger Mouse com Murs, Styrofoam com Sarah Shannon, Mellow, Caribou (ou o projecto anteriormente conhecido como Manitoba) e Koushik com Dudley Perkins. Perante tão ampla selecção, não seria de esperar um conjunto de revisões lineares, como é óbvio. Os Stereolab em colaboração com os High Llamas oferecem-nos uma espécie de megamix em que usam material de meia dúzia de canções dos Free Design, enquanto Madlib se mostra estranhamente reverente ao original “Where Do I Go”, acrescentando uma batida suja ao som inundado de sol dos Free Design. Peanut Butter Wolf, patrão da Stones Throw, oferece uma das leituras mais curiosas e divertidas do álbum, criando um paralelo entre a riqueza tímbrica e harmónica dos Free Design e o recurso a diversas tipologias, que se alargam do hip hop ao jazz de fusão e ao electro. Danger Mouse, já habituado a samplar pop (lembram-se de “The Grey Álbum”?), colabora o MC Murs num dos momentos mais sombrios do álbum enquanto Koushik (a nova estrela da Stones Throw) trabalha com Dudley Perkins, o crooner inventado pelo rapper Declaime, numa delirante revisão de “Don’t Cry Baby”.

O maior argumento de “The Now Sound Redesigned” reside, precisamente, na diversidade. Não só dos artistas, mas das visões apresentadas: porque há aqui remisturas, de facto, mas igualmente criações genuínas de quem aproveitou a música dos Free Design como um simples ponto de partida para outros voos, centrando o seu acto de homenagem na expansão de pistas originais deixadas pelo grupo de “Kites Are Fun”.

Texto publicado originalmente no semanário Blitz
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