<$BlogRSDUrl$>
.

HitdaBreakz

9/28/2005

o regresso do acid


Image hosted by Photobucket.com
Ao contrário de tantos outros géneros – que nasceram, viveram e morreram dentro de um período de tempo definido – o Acid House nunca desapareceu verdadeiramente, apenas se transmutou para acompanhar os tempos. E por isso mesmo não é fácil conjugar verbos no passado quando se fala de Acid House. Mas a verdade é que existe um passado, glorioso até, como prova a aventura da editora londrina Soul Jazz neste domínio com a compilação dupla Acid – Can You Jack? Chicago Acid and Experimental House 1985-1995.

No exacto momento em que se começou a falar de Electroclash e de um êxodo em massa da música dos clubes para a década de 80 começou-se igualmente a equacionar um regresso do Acid House. Na ânsia de recuperar para as pistas muitas das marcas sonoras que definiam os anos 80, as malas dos DJ’s começaram a revelar-se permeáveis a alguns clássicos da era Acid. Afinal de contas, as ligações entre o Electro original e o Acid eram por demais evidentes. Em ambos os casos, a tecnologia foi o interface usado para transformar géneros colectivos em viagens solitárias na área da produção. O Electro, pode dizer-se, era o resultado da tradução do pulsar colectivo do Funk para os circuitos integrados da Roland TR-808 que naquele famoso “kick” de bateria escondia uma revolução feita de utopias futurísticas e ruídos de jogos de computador. Da mesma maneira, o Acid usou uma simples peça de tecnologia – a Roland TB-303 (ver caixa) – para transformar os grooves mais sinuosos e sofisticados do Disco Sound numa força capaz de ser manipulada por um único produtor, concentrando a força de orquestras inteiras numa poderosa linha de baixo.

Tim Lawrence, autor do livro Love Saves The day – A history of american Dance Music culture 1970-79 (e que mantém um interessante blog onde reúne muitos dos seus escritos), escreve, logo a abrir as liner notes da já referida compilação da Soul Jazz e citando Frankie Knuckles, que “a House Music é a vingança do Disco”. Knuckles referia-se, obviamente, ao famoso episódio protagonizado por Steve Dahl, um notório DJ de rock que liderou o movimento “Disco Sucks”, que detonou 50 mil vinis de Disco durante o intervalo de um jogo de basquete. De certa maneira, os produtores de House enfrentaram essa nova forma de descriminação endurecendo o som, tornando-o ainda mais obscuro e hipnótico, fazendo-o evoluir. Nessa época, o House assumiu-se como um estilo marginal e foi nas margens que descobriu o seu público celebrando com o poder da música o espírito de abandono na pista de dança.
Image hosted by Photobucket.com



DJ Pierre


A House ganhou o seu nome graças aos esforços de Frankie Knuckles no mítico Warehouse de Chicago, mas foi Ron Hardy, no seu não menos celebrado Music Box, que garantiu a exposição inicial que transformaria este som numa revolução global, afastando-se definitivamente das marcas do Disco. Como quase sempre aconteceu nos domínios da música de dança e da sua relação com a tecnologia, tudo teve origem num “acidente” primordial. Tal como os gira-discos não foram desenhados como ferramentas de “scratch”, também a 303 não foi concebida para debitar ácido analógico sobre beats 4/4. Terá sido ainda antes de 1985 que DJ Pierre, juntamente com os seus companheiros Herb Jackson e Earl ‘Spanky” Smith – os Phuture – começou a mexer numa máquina da Roland de nome TB-303. Essa peça desenhada por Tadao Kikumoto havia sido originalmente pensada como geradora automática de linhas de baixo para acompanhar guitarristas, mas Pierre, que não fazia a mínima ideia de como a utilizar, começou a mexer aleatoriamente nos seus botões e descobriu que conseguia gerar um glorioso ruído analógico, contagiante e perfeito para públicos que dançavam sob o efeito de drogas, como era o caso da multidão que seguia Ron Hardy no Music Box. O primeiro tema criado com esse método, Acid Tracks (a faixa que fecha a compilação Acid…), foi imediatamente entregue a Hardy que o tocou 4 vezes na mesma noite. Pierre reviveu o momento quando entrevistado por Bill Brewster e Frank Broughton no livro Last Night A DJ Saved My Life: “(Primeiro) a pista esvaziou-se! E nós sentámo-nos a pensar ‘Ok, é óbvio que ele nunca mais vai tocar o tema’.” Mas, como escrevem Bill & Frank, Hardy acreditava no tema e esperou que a pista enchesse de novo e voltou a insistir em Acid Tracks. À segunda vez a reacção foi mais calorosa e à terceira um pouco melhor, mas, por volta das quatro da manhã, quando voltou a tocar um tema para uma pista já sob o efeito das suas drogas de eleição, um cocktail polvilhado com LSD, a reacção foi estrondosa. Explica DJ Pierre: “As pessoas dançavam de pés para o ar, havia um tipo deitado de costas, a espernear. Foi espantoso. As pessoas começaram a dançar descontroladamente, deitando-se umas às outras abaixo, em plena loucura.” Claro que o mundo do House nunca mais foi igual.

Chicago

Nesta época, Chicago era um mundo à parte, muito menos estruturado em termos de indústria do que Nova Iorque, onde as editoras ditavam as regras e tinham muitos dos grandes DJ’s na sua lista de pagamentos (gente como Walter Gibbons ou Larry Levan fazia com alguma frequência remixes a pedido de algumas editoras). Pelo contrário, o topo da hierarquia em Chicago estava ocupado pela figura do DJ. Frankie Knuckles no Warehouse, Ron Hardy no Music Box, Farley “Jackmaster” Funk no Playground. E depois, claro, havia o quinteto fantástico: o Hot Mix 5 era uma equipa de DJ’s de sonho liderada por Kenny Jason com Steve “Silk” Hurley, Farley “Jackmaster” Funk, Ralph Rosario e Mickey Oliver. Emitido na WBMX, o Hot Mix 5 ditava a lei em Chicago e lojas como a Imports Etc. publicavam mesmo as listas das músicas tocadas no programa para ajudar os fervorosos seguidores daquela cultura nas suas compras.

Image hosted by Photobucket.com
Marshall Jefferson tem algumas memórias daquela época e partilhou-as com Frank Broughton para um artigo de título Chicago: Still Rockin’ Down the House (datado de 1995 e que pode ser encontrado, junto com vários outros, no excelente site que Frank mantém com Bill Brewster): “Todos os DJs do Hot Mix 5 eram espantosos em termos técnicos. Tinham dois exemplares de todos os discos e por isso tudo era tocado com ‘phasing’. E eles faziam ‘backspinning’ e outras coisas em todas as canções. De forma perfeita, sem erros, explosivo!”
Foi este o clima que se revelou perfeito para as experiências pioneiras nos domínios do Acid. Numa cidade que seguia muito mais o DJ do que a música, que seguia muito mais as personalidades do que as tendências, era fácil impor uma nova ideia. Com os clubes apetrechados com sound systems lendários, desenhados à dimensão das exigências de um público ávido de emoções fortes, mesmo a sonoridade mais despida e económica do Acid House era relativamente fácil de impôr. E onde o alcance do sound system não chegava para convencer os clubbers, chegava certamente a forte personalidade de cada um dos DJs, habituados que estavam a serem eles a ditar as leis da pista.

O som Acid

Regressemos às notas de capa da compilação Acid – Can You Jack da Soul Jazz. Tim Lawrence cita Lil’ Louis: “A razão pela qual o House era tão despido tinha a ver com o facto de ninguém se poder dar ao luxo de lidar com bandas em estúdio, além de que muitas dessas pessoas não tinham conhecimentos teóricos.” Uma vez mais, exactamente como aconteceu com o Hip Hop, deu-se o caso de haver gente a utilizar a tecnologia para compensar a falta de educação musical, explorando solitariamente os ruídos oferecidos pelas máquinas para construir uma visão musical única. Ainda Lil’ Louis, autor do tema Vídeo Clash incluído em Acid – Can you jack?: “Isso ouvia-se nos discos que eram quase uma versão dissidente daquilo a que a verdadeira música deveria soar.”
Obviamente, o disco debitado por Nova Iorque continuava a ser uma forte inspiração para muitos destes jovens produtores, mas em meados dos anos 80, uma série de novos valores emergiram. E mais do que a música, era o som que ouviam debitado nos gigantescos sound systems dos clubes que frequentavam que eles procuravam referenciar nas suas obras. Mais do que o Disco, era uma entidade mais abstracta, transfigurada em puro ritmo, que procuravam traduzir para os temas que construíam de forma exploratória em estúdio. Larry Heard e Marshall Jefferson eram dois desses produtores, apostados em limitar ao máximo o número de informação em cada faixa, em despir a música até aos seus elementos essenciais.

Entre 1984 e 1985, Marshall Jefferson, que, refere a lenda, não gostava de Disco Sound, produziu uma série de temas absolutamente revolucionários pois pareciam apontar exclusivamente para o futuro, sem referenciar o passado. Temas como Go Wild Rhythm Track (creditado a Virgo) e I’ve Lost Control (assinada por Sleezy D) colocaram Marshall Jefferson na vanguarda da produção. I’ve Lost Control, por exemplo, é uma sinfonia ao abandono na pista de dança dominada por um incessante e poderoso ritmo repetitivo sobre o qual evolui uma curtíssima frase da TB-303. Já Go Wild Rhythm Track, na sua toada quase Electro, é dominada por um clap em overdrive e uma série de ruídos espaciais em cima. O efeito em ambas é semelhante: alienação rítmica pura!


Image hosted by Photobucket.com
O mesmo apelo da tecnologia foi sentido por Larry Heard quando percebeu que tocar com outros músicos em bandas locais não lhe enchia as medidas. O tema Beyond the Clouds, incluído igualmente em Acid – Can You Jack, exibe as suas intenções logo no título. Com a ajuda de um sintetizador Jupiter 6 da Roland, Heard mostrava-se mais contido do que Jefferson, mas o seu propósito era semelhante – alcançar o espaço sideral interior através de uma música ritmicamente obsessiva e circular.

Tal como o Hip Hop retirou do Funk a libertação orgásmica do Break, estes produtores também herdaram algo do Disco – nomeadamente a intenção rítmica, o apelo da dança, a libertação das palavras de um sentido poético. Algo que o Techno de Detroit liderado por gente como Juan Atkins procurava igualmente fazer, depositando na tecnologia todas as energias que permitiam ao produtor ser maestro e executante, músico e compositor, arranjador e técnico de estúdio. Os discos de Detroit deixaram igualmente uma marca em Chicago, nomeadamente no trabalho de gente como Larry Heard. E, claro, muito através do trabalho divulgador dos DJ’s envolvidos no Hot Mix 5, o synth pop europeu também teve a sua palavra na efervescente cena de Chicago. Nomes como Giorgio Moroder, Soft Cell ou Depeche Mode eram habituais nas playlists do Hot Mix 5 e representaram o seu papel na equalização do som de Chicago.


Can You Jack?


Em meados dos anos 80, toda a cena de Chicago encontrava-se concentrada em duas etiquetas: a DJ International e a Trax Records. Ambas eram puramente amadoras e notórias por não pagarem aos artistas e por se envolverem em esquemas de legalidade duvidosa. Ainda assim, eram estes dois os selos responsáveis por documentarem a intensa actividade dos produtores de Chicago. Actividade que não passava despercebida em alguns pontos da Europa, nomeadamente em Inglaterra onde algumas lojas possuíam secções de importações para acomodarem as novidades que tinham origem em Chicago.
Mas foi a DJ International que abriu primeiro a ponte com Inglaterra. Com a etiqueta London organizou a primeira compilação de Acid House que, em 1986, possibilitou que uma série de nomes de Chicago fizessem uma digressão por clubes ingleses. Adonis, Marshall Jefferson, Fingers Inc (Larry Heard) e Kevin Irving funcionaram como embaixadores de um som que haveria de tomar o Reino Unido de assalto no ano seguinte.


Image hosted by Photobucket.com

Farley “Jackmaster” Funk
foi o primeiro a experimentar o sabor do sucesso em Inglaterra com um som que tinha origem nos ghettos de Chicago e que era praticamente ignorado no resto dos Estados Unidos. Love Can’t Turn Around, uma versão de um velho clássico de Isaac Hayes, chegou a número 10 em Setembro de 1986. Não foi necessário esperar muito tempo até surgir um “hit” capaz de abraçar o primeiro lugar: em Janeiro de 1987 Jack Your Body de Jim Silk (Steve “Silk” Hurley) chegava a primeiro lugar do top britânico e a revolução que haveria de levar até à solarenga Ibiza um som criado na fria Chicago tinha início. De repente, a palavra “jack”, usada originalmente para descrever os movimentos descontrolados nas pitas de dança de Chicago, estava em todo o lado! Jack The Groove, Jack The House, Jack The Box: os ingleses não se fartavam. Jack The Groove, de Raze, um projecto de Washington de Vaughan Mason, foi o “hit” seguinte. O som Acid estava definitivamente imposto e clubes como o Shoom e Spectrum tomavam a dianteira em Londres. E as drogas, claro, desempenharam o seu papel na mística desta nova sonoridade que aliás devia o seu nome aos ácidos colocados na água do Music Box de Ron Hardy.

Mil novecentos e oitenta e oito foi, definitivamente, o ano um da invasão Acid em Inglaterra e tal como em Chicago já havia acontecido com o Hot Mix 5, também aí a rádio haveria de se revelar fulcral para o apoio aos discos e artistas. No caso inglês, no entanto, tratava-se de um modo diferente de fazer rádio, com as famosas piratas a dominarem as ondas hertzianas e a servirem de rastilho para as festas ilegais movidas a ecstasy que haveriam de crescer ao ponto de fazer nascer toda a Rave Culture que tantos rios de tinta fez correr. Em 88 não era possível sair à rua e não ver um smiley pregado em cada montra, em cada t-shirt. Como sempre acontece, mesmo com movimentos que começam subterraneamente, a indústria tomou conta dos acontecimentos e, em Inglaterra, a palavra “Acid” e o famoso “Smiley” serviram não só para vender discos, mas também para vender jornais, revistas, drogas e todo um estilo de vida que viria a ter o seu expoente no hedonismo de Ibiza. A música, no entanto, talvez por ter sido originalmente criada em condições extremas, sem concessões de espécie alguma, manteve-se viva. O subtítulo da compilação da Soul Jazz de que temos vindo a fazer menção faz todo o sentido: Chicago Acid and Experimental House 1985-95. A experimentação, com a tecnologia, com os sons, com os limites da depuração, foi fundamental para garantir a longevidade deste género e fundamental para o levar a influenciar outros quadrantes. Quando a Europa descobriu o Garage exportado a partir de Nova Iorque, o Acid regressou às caves e não parou de borbulhar. Vinte anos depois, a herança continua viva e o ronronar analógico da velha 303 volta a brilhar em cima de inúmeros discos novos.

TB-303

A caixa que (também) mudou o mundo



Image hosted by Photobucket.com
A TB-303 (Transístor Bass) foi apresentada ao mundo juntamente com a TR-606 (Transístor Rhythm) no início de 1982. O seu criador foi Tadao Kikumoto (que também assinaria a TR-909!), um dos “developers” de novos conceitos da Roland. Essas peças foram pensadas como acessórios de acompanhamento de músicos solistas, principalmente guitarristas, mas revelaram-se extremamente complexas de programar e a Roland abandonou a sua produção apenas 18 meses depois de as introduzir no mercado, tendo fabricado apenas 20 mil unidades para todo o mundo. E ninguém parecia querer aquela máquina até que DJ Pierre a revelou ao mundo em toda a sua glória. Basicamente, diz-se que a 303 compõe sozinha e para tanto basta ligá-la e mexer nalguns dos botões para que comece a debitar aquele ruído característico que haveria de adornar tantos e tantos discos de Acid House. A 303 já custava o equivalente a cerca de 300 euros quando apareceu, mas o seu preço foi aumentando com o passar dos anos e agora há quem as venda por cerca de 1200 euros no mercado de instrumentos usados.
No próximo ano, entre 17 e 28 de Fevereiro, Colónia, na Alemanha, recebe a primeira 303 Expo, um evento desenhado para celebrar a TB-303 e a música a ela ligada. Com workshops, exposições fotográficas e uma série de festas, esta 303 Expo promete ser um acontecimento singular. Mais informação em www.303expo.com.



10 Acid House Classics

Phuture – Acid Tracks
Adonis – Two the Max
Fingers, Inc. – Washing Machine
Marshall Jefferson – Move Your Body
Maurice – This is Acid
Sleezy D – I’ve Lost Control
Armando – Downfall
Mr. Fingers – Can You Feel It
Farley Jackmaster Funk – The Acid Life
Phuture Pfantasy Club - Got The Bug


Artigo publicado recentemente na revista Dance Club.