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HitdaBreakz

9/22/2005

Funk na Pickwick


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Há poucas dores de cabeça maiores do que os catálogos das chamadas "budget labels". "Budget quê?", poderão perguntar vocês. As Budget Labels, como a americana Pickwick (ou a inglesa Music For Pleasure, mais conhecida por MFP, por exemplo) eram editoras que, muito directamente, vigarizavam os seus clientes. Etiquetas que não tinham problema de espécie alguma em editar um disco com uma capa em que, em letras grandes, poderiam ler um nome como ARETHA FRANKLIN e que, algures na capa, mas em letra muito pequenina, incluiam um "disclaimer" que diria algo como "songs made famous by Aretha Franklin performed by the 5th Avenue Singers" ou então o famoso "sounds like" logo seguido do nome capaz de gerar vendas.

Estas editoras não eram propriamente conhecidas por terem um "roster" carregado de artistas famosos ou de gastarem muito dinheiro em produtores de renome. Daí o título "budget". Tudo era feito com poucos meios, com pouco dinheiro e sem orçamento não havia nome que aceitasse gravar para estas editoras. O seu "modus operandi" seguia, por isso mesmo, um caminho mais ou menos assim: alguém dentro da editora identificava um "trend" qualquer - o Funk, os filmes da Blaxploitation, o Disco Sound ou outra coisa qualquer. Dez minutos depois de ter desenhado um conceito, o A&R dessa editora pegava no telefone e ligava a um dos seus produtores - provavelmente até alguém famoso, mas que se estivesse entre dois trabalhos não teria problemas em atender o telefone. "Olá Joe, tive aqui uma ideia - vamos fazer um disco em torno desse tema que anda agora a bater na rádio, aquele Soul Makossa de um tal Manu Dibango. Fazemos uma versão desse tema e mais meia dúzia de canções parecidas e editamos um disco com as palavras Soul Makossa na capa. Quando as pessoas que ouvem esse tal Manu Dibango chegarem à loja de discos e pereceberem que o disco original custa 8 dólares e o nosso custa só 4, ele compra o nosso. Afinal de contas o que eles querem é ouvir o tema, certo?" Penso que já estão a ver a ideia.

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Provavelmente, depois de pousar o telefone, o produtor em questão contactaria a sua equipa regular - um arranjador qualquer e uma série de músicos de estúdio, os que estivessem disponíveis e não se importassem de ganhar uns trocos, e, numa tarde apenas, gravariam os temas necessários para mais um álbum da Pickwick.

O que acontecia com frequência - até porque as condições assim o exigiam - é que muitos dos músicos que gravavam sessões para editoras como a já referida Pickwick até eram músicos de renome, dos mundos do jazz e do funk, habituados a sobreviverem no circuito das sessões de estúdio. O facto de saberem à partida que não iriam ser creditados na maior parte destes discos não os incomodava nem um bocadinho. Aliás, provavelmente até agradeceriam que não o fossem. Interessava-lhes o cachet de uma tarde de trabalho e mais nada. Muitos destes músicos tocaram em muitas centenas de discos e nem se lembram da maior parte desses trabalhos. Para eles, era simplesmente um emprego, com um cachet fixo por sessão. Mas todos eram bons músicos, afinal de contas o orçamento disponível dava apenas para pagar meia dúzia de horas em estúdio e o produtor não podia por isso mesmo dar-se ao luxo de ter gente à sua frente a enganar-se e a cometer erros.

Os três discos que vos trago hoje são o exemplo acabado disso. E, tratando-se de álbuns editados na tal Pickwick, são uma verdeira confusão de informações contraditórias. O primeiro, Superdude Movie Sounds, é creditado aos Superdudes na etiqueta e contém versões de temas incluídos originalmente nas bandas sonoras de filmes como Superfly e Shaft, mas igualmente material de Up Tight, Shaft's Big Score, Trouble Man ou Slaughter's Big Rip Off (todos verdadeiros clássicos da Blaxploitation). Os músicos são de facto bons e os arranjos tentam manter-se fieis aos originais, mas com um toque de distinção suficiente para não serem um mero plágio. Mas o tipo chamado para cantar deveria ter estado na fila para o cinema ao lado do estúdio e não entende bem o conceito de melodia.

O segundo álbum, que a capa revela ser interpretado por Soul Mann & The Brothers, cola-se mesmo descaradamente a Isaac Hayes e é um disco composto exclusivamente por versões de Shaft. A título de curiosidade, refira-se que inclui o tema de onde Dr Dre retirou o sample original de Xxplosive, Bumpy's Lament. E ainda outra curiosidade: Soul Mann & The Brothers era na verdade o mesmíssimo grupo que noutro disco se identificava como Superdudes - a versão de Bumpy's Lament é exactamente igual à que se inclui no álbum Superdude Movie Sounds... É que se faltava uma música para completar o alinhamento, os tipos da Pickwick não tinham o mínimo problema em ir buscá-la a outra sessão, mesmo que essa já tivesse sido editada em disco. "Ninguém vai reparar," deveriam eles pensar.

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O terceiro destes álbuns tem por título Soul Makossa e é creditado a uns tais de Ghana Soul Explosion (grande nome). Só que quem criou essa identidade, deve ter-se esquecido de avisar o tipo responsável por desenhar a label do vinil, porque na etiqueta lê-se igualmente The Superdudes como os responsáveis pela música. Que importa isso quando há um break fortíssimo a abrir Superstition (o clássico de Stevie Wonder) e quando temas Family Affair, Are You man Enough (da banda sonora de Shaft in Africa) ou Back Stabbers (original dos O'Jays) nos dão a dose de negritude dos 70's exacta para nos fazer felizes por metade do preço de uma edição normal da mesma época? A verdade, no entanto, é que o cantor ainda era o mesmo do outro álbum dos Superdudes já referido: não muito bom.

Por vezes, mesmo que os discos nestas editoras nos façam imediatamente pensar na palavra FAKE desenhada em grandes néons por cima da nossa cabeça, há coisas que valem muito a pena e deverão ser apanhados se os preços não forem demasiado elevados (embora até este tipo de discos possa alcançar preços consideráveis no mercado internacional, comoaconteceu com o álbum de Soul Mann & The Brothers por causa do sample de Dr Dre...). Quanto mais não seja por causa das capas: é que quando o conteúdo não era muito bom, estas editoras caprichavam um bocadinho mais nas capas para capturar a atenção dos mais incautos. Seja como for, nada como um original. Mas se é de beats e samples que andam à procura, estas editoras têm um manancial para oferecer.