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HitdaBreakz

6/12/2005

O NOVO CHILREAR DO ACID HOUSE


Parece-me que, com esta conversa sobre o acid house, aqui no HdB, motivada que foi pelo lançamento da compilação da Soul Jazz, a Acid : Can you jack, não haverá momento mais oportuno para colocar, no blog, um artigo que escrevi para a revista Número (edição Primavera 2005) e que abordava exactamente esta temática.

O NOVO CHILREAR DO ACID HOUSE

Nunca um género deveu tanto a uma máquina só. É de dentro de um pequeno rectângulo cinzento metalizado, com botões rotativos em cima e um pequeníssimo teclado com as letras TB303, que se consegue tirar "aquele" som, aquele chilrear que sobe e que desce e que, por ser um som tão ácido, deu nome ao género que gravita à volta daquela máquina : o acid house.

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Mas, como em tantas outras grandes descobertas, tudo se deveu a acasos. A dois acasos, no caso concreto do acid house. Ninguém na Roland, de onde o 303 é originário, se sentou e disse : "vamos fazer um aparelho que faça um som ácido que suba e que desça e que mude para sempre as pistas de dança". A criação de Tadao Kikumoto tinha, como função primordial, imitar quer o som quer o estilo de tocar de um qualquer baixista, mas foi um desastre comercial : quem comprava a máquina com esse intuito não conseguia fazer nada nela que se parecesse remotamente com um baixista. A Roland, com este aparente falhanço da máquina, desistiu da TB303 ao fim de pouco mais de 20000 unidades produzidas.

Agora, o segundo acaso. Estamos em 1985 numa Chicago a borbulhar com os sons de uma nova música a que chamavam house. Três jovens, Spanky, Herbert J e DJ Pierre, produtores quase desconhecidos de house, estão em casa a mexer na sua TB e nos seus botões, a experimentar a máquina para ver se tinha alguma coisa a lhes dar para acrescentar aos temas house que andavam a fazer. Das colunas, sai este som analógico fortíssimo, constantemente modulável e capaz de mexer montanhas. Cientes de que trilhavam caminhos desconhecidos e maravilhosos, os três decidem fazer uma faixa onde esse "som novo" era o artista principal. A faixa chama-se "Acid Tracks" e os 11 minutos e 17 segundos que estão prensados naquele vinil da Trax Records criaram um género, introduziram o som da TB303 no léxico da música de dança e dividiram, para sempre, o som de Chicago (e, consequentemente, o som da house) em "antes do Acid Tracks" e "depois do Acid Tracks". Não era para menos, era toda uma maneira nova de se fazer house, era pegar no ritmo constante tão característico da house e acrescentar-lhe uma linha de baixo que, em vez de ser sempre igual, se torna um organismo vivo, expandindo-se e retraíndo-se à medida que o tema decorre.

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"Quando ouvi aquela monotonia psicadélica ímpar, fiquei doido!", conta-nos Robert Babicz, um polaco a viver na Alemanha, que se esconde no mundo da música atrás do nome Rob Acid e que vê no fado da Mísia e nos Madredeus uma das suas fontes inspiradoras para os temas de acid house que faz e, com esses temas, é um dos responsáveis por manter a chama do acid house viva na Europa quando, há poucos anos atrás, se dava o acid house como oficialmente morto. No entanto, em 2004, e de mansinho, o acid house como que ressuscitou.

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Rob Acid

"Para mim, o acid house nunca desapareceu. Há 14 anos que toco acid house e nada me faria mudar. Mas é verdade que o som característico do acid house está a tornar-se popular outra vez." Esta renovada popularidade é palpável : todas as semanas, nas lojas onde os djs se abastecem de discos, encontramos dezenas de novos originais de acid house e qualquer novo sucesso da música de dança esforça-se por ter neles uma remistura de acid house. Encontramos o chilrear da TB303 em centenas de outros discos de um sem número de subgéneros da house, do hiphouse dos KC Flight ao acid techno dos Hardfloor, numa mistura a que o puro acid house parece não aderir. Rob Acid acha que "uma boa linha de baixo não precisa de mais nada para além de uma caixa de ritmos, basta-se com o movimento da 303."

Mas não será isso mesmo, como defendem os detractores do género, uma das principais fraquezas do acid house? Não tenderá o acid house a esgotar-se em si mesmo porque, aos ouvidos mais desatentos, parece não ser mais do qe uma linha de baixo e uma caixa de ritmos? Rob Acid julga que não, diz que "ainda há muito a descobrir no acid house e é uma pena que muitos produtores de hoje não aproveitem toda a nova tecnologia que está ao seu dispor e se limitem a tentar repetir o passado." E é com estas novas tecnologias e com o amadurecimento que só os anos trazem, que o acid house se reinventa a si próprio, com nomes como o de Rob Acid, Jesper Dahlback, Luke Vibert ou Josh Wink, a formar, disco a disco, com o legado de Marshall Jefferson, Phuture, Farley Jackmaster Funk, Adonis, Woody McBride, Lidell Townsell e Steve Poindexter, aquilo a que, no século XXI, é o acid house. Género esse que, apesar de estar a fazer este ano 20 anos, continua a ser um género muito refundido nos clubes de música de dança e nas lojas especializadas de discos, longe de ser sobejamente conhecido pelo cidadão médio. Para dizer a verdade, o acid house não goza do estatuto que as tabelas de vendas e os charts proporcionam, encontrando-sem também por isso, longe da visibilidade que só a rádio e a televisão conseguem dar.

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Tozé Diogo

Em Portugal, o panorama não é muito diferente mas, com um esforço de divulgação por parte de djs portugueses mais atentos à realidade musical para além do óbvio, como Tozé Diogo (que, a par de Rui Vargas e Zé Salvador, é dos poucos djs portugueses a perceber todo o fenómenodo acid house, passado e presente), aos poucos, as coisas estão a mudar. "Não há uma forte corrente, em Portugal, de acid house, como existe lá fora, mas o género não é desconhecido", diz-nos Tozé Diogo. Já existe, em Portugal, um pequeno número de clubes de musica, "como o Lux e o Op Art, em Lisboa; o Indústria, no Porto; e a Via Latina, em Coimbra, onde é cada vez mais frequente ouvirem-se temas de acid house, quer na sua forma original quer nas vertentes techno/electro que vão lá beber qualquer coisa e", continua o dj português, "com uma aceitação cada vez maior por parte das pessoas."

O ano passado, com todo este aumento na oferta de acid house quer proporcionada pelos produtores, quer proporcionada pelos djs, podia ser um ponto de viragem na relação do acid house com Portugal. Não se conhecendo produção nacional significativa no acid house, espera-se que, com este novo advento do som da 303, jovens portugueses se encontrem com a TB303 e, seguindo os passos dos Phuture, ao mexerem nos botõezinhos, se maravilhem com o som único da máquina e o queriam integrar nos temas que criam. Assim, podia ser que se começasse a ver e a ouvir mais acid house feito em Portugal. É que aquele chilrear também fala português.