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HitdaBreakz

5/03/2005

A TRINDADE DAS COMPILAÇÕES DE 2005


Gostava de vos chamar a atenção para três compilações que têm dado muitas horas de prazer a quem escreve estas linhas. São, as três, compilações diferentes das compilações a que estamos geralmente habituados, compilações essas que tanto podem ser as saudosas Top of the Pops como as Now that's what I call music. Nessas compilações, podemos encontrar uma selecção variada de hits do momento, música do nosso tempo e invariavelmente popular. São válidas por serem um retrato fiel dos gostos musicais da maioria da população que ouve e compra música. São, se quiserem, o retrato da pop captado em cada disco.

Mas não é dessas compilações que falo aqui. São outras, e bem mais interessantes musicalmente. São as chamadas compilações de autor. Nelas, não se mostra tanto aquilo que se espera que os ouvintes gostem mas antes aquilo que os compiladores gostam. Os ouvintes, esses, compram a compilação por causa do nome de quem a faz, não tanto pelos discos que lá estão. Na maioria dos temas neste tipo de compilações, os discos compilados são, na sua maioria, desconhecidos ou semiconhecidos. Raros são os aventureiros que têm a coragem de abordar coisas já compiladas. Há uma busca enorme pela diferença, pelo velho que vira novo, não só porque nunca foi compilado mas também porque, principalmente, poucas vezes foi ouvido. No fundo, são compilações de diggers, uns convictos, outros nem por isso, mas em todas elas há a busca pelo disco menos óbvio, a vontade de oferecer águas diferentes das já bebidas.

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A primeira compilação é dos Jazzanova. Melhor, é da Blue Note. Foi a Blue Note que pediu aos Jazzanova para pegar apenas em temas do catálogo e fazer uma "viagem" pelo som característico da editora. Os Jazzanova, que andam mal amados (e injustamente) com todo este anseio tecnológico, fizeram um enorme trabalho de misturar clássicos definidores de regras como o Maiden Voyage do Herbie Hancock ou o Think Twice do Donald Byrd (não consigo deixar de pensar na versão do Jay Dee para este tema, com Dwele a servir de co-piloto) bem como músicas fantásticas de nomes semidesconhecidos do grande público (James Moody, Horace Parlan ou Eddie Gale não são nomes que saltem à vista em qualquer festival de jazz do planeta). Mas mais do que os nomes, a música, essa, é brilhante em todos os aspectos. A mistura não é só de nomes mas de estilos, géneros, tudo colide contra tudo e soa bem.

Este álbum é, também ele, uma prova da enorme abertura de espírito que sempre existiu por parte da Blue Note. Ao considerarem o jazz uma linguagem bem mais larga do que aquilo que é imediatamente perceptível pela maioria das pessoas, a Blue Note permitiu que fossem os seus ouvintes ao pouco percebendo que "The finest in jazz since 1939" nunca seria apenas o jazz mais straightforward ou mais imediato mas que a editora seria casa de coisas aparentemente distantes dos ditâmes de Coltrane e Gillespie, como o são o ritmo latino do Horace Parlan ou o som ligeiro e quase pop da Bobbi Humphrey, por exemplo. Porque há jazz em bem mais sítios do que à primeira vista parece, uma das razões para todo o meu apreço pela Blue Note. Apreço esse que continua ainda hoje quando vejo uma editora com 70 anos ser capaz de se reinventar desta forma. E reinventa-se aceitando o trabalho dos djs como válido (como no caso dos Jazzanova) mas também ser capaz de ver validade no hiphop (não só mas também) enquanto género capaz de trazer o jazz novamente para a ribalta da música popular, tendo retribuído o apoio do sampling com a edição de um álbum por um dos seus mais criativos expoentes (Madlib), álbum esse onde ambas as linguagens se fundem.


Fica a referência para os senhores com MPC para terem especial atenção ao álbum The Teachers do James Moody.


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A segunda compilação é outro duplo álbum. Desta vez, a viagem tem outro destino. Fazemos o check-in em Londres, apanhamos o Gilles Peterson e seguimos para África. E é através das escolhas do selector inglês que tomamos contacto com uma herança meio jazzística meio tribal de uma África sujeita a anos de influência ocidental. Neste duplo, Gilles visita o sempre-referido presidente nigeriano Fela Kuti mas vai também à Etiópia dar um abraço ao já aqui mencionado Mulatu Astatqé, a prova viva que o funk chegou, nos anos 60 a todo o lado menos a Portugal. Até nisto, estávamos "orgulhosamente sós".

Mas não é só destes dois nomes que é composto o primeiro disco : os Antibalas de Gabriel Roth (ele que também é um dos donos da Daptone, editora onde pára a Sharon Jones), Miriam Makeba, Letta Mbulu (que tem um álbum produzido pelo David Axelrod... o mundo da boa música é mesmo pequeno...), Peter King (oiçam o Shango do Peter King porque vale tanto tanto a pena).

O segundo disco descortina o tempo presente para onde os temas do primeiro disco apontavam. É aqui que nomes caros a Peterson como IG Culture, Carl Craig ou os Masters at work remisturam as influências que a música africana jazz ou funk (ou com influência desta) permitiram.

Apesar de não querer ser a última palavra da música africana com estas referências sonoras como a imprescindível compilação da AfroStrut, chamada Nigeria 70 : The Definitive Story of 1970s Funky Lagos é para a música nigeriana, esta compilação oferece pérolas raras e suficientemente interessantes para a ouvirem com prazer.




A compilação Nigeria 70 conta em dois discos com os nomes mais importantes da cena musical nigeriana - King Sunny Ade e Fela Kuti, por exemplo - e oferece, num terceiro disco, prova documental de todo o período. Para além disso, conta com um bom booklet onde muita informação está à mão de semear, pronta para que
nós a aproveitemos para lançar novas pistas.

E é isso que é mais importante quando chegamos a um disco : ver para onde ele nos pode levar em vez de olhar para ele como um ponto final. Fica aqui esta ideia para vocês porque é uma coisa que muitos de nós faz instintivamente mas que assim concretizada em palavras ganha nova força. Olho para os discos desta forma mas nunca tinha traduzido esta maneira de olhar os discos em palavras.

Devo essa tradução ao digga : numa das nossas muitas conversas sobre música, ele disse isto e eu fiquei a pensar nisso e a traduzir na minha vida discos que me levaram a outros pontos, uns fazendo parte do circuito que tais discos permitem habitualmente, outros nem por isso, coisas distantes e díspares. E é este connecting the dots, se quiserem, que me é tão caro, que o digga conseguiu, e bem, transportar para palavras, verbalizar.


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Por último, um disco estranho e maravilhoso. Obra dos Optimo, segue o trabalho já elaborado e editado por estes no segundo volume da série How to kill the dj e está em conformidade com os sets de dj que a dupla realiza. Porquê a surpresa e a maravilha então? Bom, em primeiro lugar, porque não sofre da esquizofrenia saudável a que os Optimo nos habituaram. Estamos na presença de um set perfeito, com princípio, meio e fim. Mas não, não é um set normal. É uma viagem. Nela, os Optimo fazem-nos entender as ligações secretas que existem entre os Hawkwind e as coisas da DFA, fazem compreender o que é que a Kompakt (e quem quer soar como a Kompakt), os Temptations, Arthur Russell e os Silver Apples pretendem/pretenderam que a música fosse e ainda a capacidade de Herbie Hancock surpreender quem pensa que o conhece muito bem.

Mas não é só de passado mesmo passado e de presente que o álbum é feito. Faz também referência à palette sonora dos temas do princípio dos anos 90 feitos na Europa (seja no Reino Unido, seja no centro da Europa), numa catalogação histórica da música de dança que ainda está para ser feita, analisada e re-tocada pelos djs (coisa que não tardará a ser feita... e mais brevemente do que pensam).

E, meus amigos, qualquer disco que ameaçe acabar com a soul com tanto de blues como de psicadelismo (típico de São Francisco nos anos 60 e que me é tão querido) do Time has come today dos Chambers Brothers tem de ser perfeito. O Psyche Out não acaba com os Chambers Brothers, quase que acaba, mas, mesmo assim, é perfeito, a sério.




A comp, entre outras coisas muito boas, tem um tema de que gosto como se fosse meu : o Walk the night. Esta é uma edição bootleg que saiu o ano passado mas para quem estiver mesmo desesperado para encontrar o tema, podem facilmente encontrá-lo (mas numa versão diferente) num EP da Wall of Sound, também do ano passado.