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HitdaBreakz

5/05/2005

ROCKY MARSIANO: JAZZ HOP




Ok, vamos quebrar as regras! Sei que não é suposto escreverem-se textos assim, como o que poderão ler se deixarem os vossos olhos vaguear pelos próximos parágrafos. Não é suposto porque existe uma ética jornalística - que eu respeito, como quem me conhece deve saber. Mas nem este blog é um jornal nem eu tenciono desrespeitar seja o que for ou quem for. Para quê todo este paleio? Porque decidi escrever aqui sobre o álbum The Pyramid Sessions de Rocky Marsiano, aka D-Mars. Ora, não sendo segredo nenhum que Digga é apenas uma identidade bloguística que, muito simplesmente, permite diferenciar os textos aqui colocados de outros que vou publicando nas páginas da Op, Dance Club ou Blitz, será óbvia a ligação que tenho ao músico cujo trabalho mais recente inspira este texto: somos ambos (juntamente com o Dub, a outra força de trabalho aqui do HdB) sócios da Loop:Recordings, somos amigos, somos companheiros de DJing, somos ambos apaixonados por muita da mesma música. E será que isso me impede de ter uma opinião sobre o trabalho do D-Mars? Penso que não, até porque opiniões manifesto-lhas eu todos os dias quando ouço os novos beats que me mostra. Então, vamos a isso. Afinal de contas, o HdB foi criado por paixão, fala de paixões e é feito com paixão. No caso muito concreto do HdB, a isenção jornalística não interessa. O que realmente interessa é a música de que gostamos muito. E é esse o caso.

É sempre muito interessante poder assistir de perto à elevação de um músico, à concentração que coloca no seu trabalho, à profunda dedicação com que se entrega à sua arte. E, nesse sentido, sou um priveligiado por conviver de perto com o D-Mars. Porque tenho a sorte de poder ver os seus trabalhos crescer. E, no caso específico deste disco, foi um trabalho em progresso de alguns meses que eu fui acompanhando e de que fui aprendendo a gostar cada vez mais. Em The Pyramid Sessions interessa-me - e muito - o facto de o D-Mars ter feito um álbum que é muito mais Pete Rock do que DJ Shadow, um álbum que é muito mais Hip Hop do que à primeira vista possa parecer. Com estas sessões piramidais, o D-Mars presta uma homenagem sentida a uma postura específica do Hip Hop, quando se deixa ao beat - aos samples, aos loops, às batidas... - a missão de contar toda a história, prescindindo-se, ainda que momentaneamente, do nobre papel do MC. Diz um sample de voz em Formulas que o que se faz aqui é "actualizar as fórmulas" deixando o tempo intervir. E é tão simplesmente disso que se trata: o tempo trouxe ao convívio melómano de D-Mars algum jazz que foi descobrindo não através dos manuais académicos sobre o género, mas, pelo contrário, deixando que o carácter sempre aleatório da actividade do diggin' dominasse essa abordagem. Não se trata d'O JAZZ. Mas sim daquele jazz que vai povoando os crates espalhadas por lojas e feiras e garagens deste país. E que nos surpreende atrás de cada LP de Elton John ou compilação de êxitos de easy listening mais ou menos anónima. E o que D-Mars fez com esses discos é impressionante: conjugou-os, atirou-os uns contra os outros, assumiu-os como textura possível de um Hip Hop que é o seu. As programações são belíssimas, a harmonização de elementos samplados e instrumentos tocados é exímia e por vezes torna-se mesmo difícil perceber onde termina a citação e começa a criação. O que é sempre um bom indicador. E que não haja dúvidas: mais do que uma viagem pelo universo do jazz, este The Pyramid Sessions é uma viagem pelo mundo pessoal de um criador, pelos seus métodos, paixões e skills. E nesse sentido é tanto uma janela aberta sobre a alma como um auto-retrato.

Temos aqui, portanto, um álbum puro de Hip Hop. Com uma personalidade tímbrica muito particular, com recurso essencialmente a um género enquanto combustível da MPC, mas ainda assim um álbum de Hip Hop, que explora a repetição, mas que também abre espaço à invenção. E liberto do peso narrativo das palavras, este é um disco aberto, possível de ser entendido como cada um de nós quiser. Para os reais amantes do jazz, este álbum traz uma série de momentos, como se fossem polaroids sem legendas que a nossa memória é obrigada a contextualizar. Para os que simplesmente ouvem Hip Hop há aqui muito saber e mestria, na forma como se obriga cada um dos beats a sobreviver sem ter a bóia de um flow para se agarrar, procurando no sobressalto e na surpresa, na forma como intuitivamente se quebram regras musicais instituídas (ouça-se, por exemplo, o piano trabalhado em Piano Request) a sua razão de ser e erguendo de caminho uma nova forma de entender todo um género. Estou, como já perceberam logo no início do texto, rendido. E ainda bem!