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HitdaBreakz

4/13/2005

MADLIB EM ENTREVISTA NA SCRATCH


Não há como negar o talento de Madlib, um dos mais prolíficos e avançados produtores da actualidade. A revista Scratch entrevistou-o no número que tem Eminem na capa e nós aqui no HdB decidimos traduzir a entrevista, tal como já tínhamos feito com os Neptunes. Há aqui algumas revelações interessantes sobre o método utilizado por Madlib e até se pode ler Madlib a assumir que ele é, de facto, o homem por trás do pseudónimo DJ Rels, como já por aqui havíamos especulado. Divirtam-se!



A casa de Madlib não tem número na porta. Nada indica que é ali que vive aquele calmo californiano com um loucamente eclético currículo musical e o bairro na zona de Echo Park em Los Angeles não tem nenhuma placa a assinalar a casa do prolífico produtor cuja iconoclasta atitude e extremamente bem concebidas bombas musicais inspiraram uma enorme dose de atenção internacional. À medida que examino as casas, o barulho de um trovão no céu perto de mim faz-se ouvir, forçando a queda de algumas gotas de chuva. Ao mesmo tempo, Otis Jackson Jr aparece dobrando uma esquina – Madlib chegou.
Desde a edição do LP The Unseen em 2000, uma colecção estranha de raps movidos a hélio sobre beats profundos que orgulhosamente reclamavam uma autenticidade empoeirada, o sr. Jackson foi aclamado pelos curiosos e pelos convertidos. Quem possa ter perdido as suas primeiras contribuições para os trabalhos dos Tha Alkaholiks e Lootpack não deixou depois escapar a torrente imensa de edições que resultaram da sua aliança com a editora independente de L.A. Stones Throw. Em cinco anos, uma corpulenta obra emergiu, canalizada através de projectos como os Yesterdays New Quintet, Madvillain, Jaylib, DJ Rels, e o esganiçado extra-terrestre conhecido como Lord Quas.
Ao entrar no estúdio, passo por uma montanha de teclados vintage, inúmeras caixas cheias de LPs, um kit de bateria compacto e um contrabaixo equipado com uma única corda. No centro de uma tonelada de equipamento de produção, o meu anfitrião limpa um monte de poeira e cinza de charros que parece cobrir toda a sala, senta-se numa cadeira e começa a passar em revista uma série de beats num CDJ-1000 da Pioneer. O ar salta com tons abrasivos e terrenos que se encaixam angularmente no ritmo, uma confusão de excertos empoeirados que carregam aquele boom típico das cassetes caseiras feitas por aquele tipo que todos conhecemos que tem as crates mais fundas. Um mortífero e sério beat antecede momentos de free jazz gritante, sem que haja uma pausa, e grooves fresquíssimos saltam de pedaços de skits. O terrível personagem que é um brother de outro planeta está de volta, regressado de viagens astrais para entreter quem tem gostos distorcidos com mais uma dose de hip hop psicadélico.

SCRATCH: Desde que fizeste o primeiro Lp como Quasimoto, tiveste a hipótese de viajar um pouco por todo o mundo. Como é que isso afectou o teu trabalho?
MADLIB: Ouço muitos mais tipos de música agora. Por isso é que provavelmente perceberão que neste álbum eu samplo tudo, até coisas dos anos 90, qualquer coisa. Musicalmente, este trabalho está noutra dimensão.
Eu costumava gostar apenas de hip hop e jazz. Agora ouço tudo. Na minha colecção podem ver rock e música clássica, e até house. Estou mais velho, por isso não me limitei às mesmas coisas. Nos tempos dos Lootpack eu era apenas um hip hopper. Agora estou aberto a coisas diferentes. Não apenas hip hop. Quero tentar tudo. Quero fazer como fez o Quincy Jones. Tentar direcções diferentes, mas mantendo sempre as minhas produções puras.
Eu fiz aquela cena de broken beat do DJ Rels depois de ter ido ao clube Co-Op em Londres e de ter estabelecido contacto com aqueles tipos que se movimentam por lá. Não sabia grande coisa sobre aquela cena, mas a música é uma espécie de Herbie Hancock avançado. Tem aqueles teclados jazzy, mas soa moderna. Foi por isso que gostei dessa música. Os beats todos quebrados. O Paul Jackson (baterista dos Headhunters) provavelmente começou essa cena.

Viste o disco de prensagem japonesa exclusiva do Paul Jackson, Black Octopus?
Comprei isso por 300 dólares e nem sequer é muito bom! Pensei que fosse um cena meio Headhunters, ainda mais louca. Há um par de breaks nesse disco, não vou mentir, mas nada que justifique os 300 dólares (risos).

Por isso continuas a fazer digging?
Ainda ontem o fiz. Sempre a diggar, estourando o meu dinheiro. Quando vou comprar discos, nunca me encontrarão a ouvir os discos lá na loja. Tento desafiar-me a mim mesmo. Se comprar um disco, terei que fazer algo com ele. Faço isso com cada disco que compro. Tentar apenas fazer alguma coisa com o que trouxe da loja, da melhor forma possível.

Muitas vezes as pessoas estão a fazer digging, pegam num disco e dizem imediatamente, “ah, aqui não há nada!”
Aposto que eu seria capaz de encontrar qualquer coisa nesse disco. Isso acontece-me o tempo todo. Eu andei a fazer digging no Brasil com o Cut Chemist e outro pessoal. Eu apanhava qualquer coisa, discos com ar estranho e tudo e eles viravam-se para mim e diziam-me “não vais encontrar nada nesse disco”. Mas consegui fazer uma beat tape inteira com aqueles discos e eles passaram-se. Foi lá que eu comprei mais discos de uma só vez, no Brasil. Gastei tipo 5 mil dólares em coisas que eu sei que nunca mais vou encontrar. E a maior parte deles nem sequer chegaram cá. Perdi duas caixas. Ninguém sabe onde foram parar.



Fiz a maior parte do álbum de Madvillain no Brasil. Cenas como “Raid” fiz no meu hotel, com um gira-discos portátil, a minha Boss SP 303 e um pequeno deck de cassetes. Gravei tudo em cassete, cheguei cá e meti as coisas num Cd e o Doom fez uma canção com isso. Há tipos que se passam, a pensar que precisam de toneladas de equipamento.

Mas olhando para este estúdio, eu diria que tu gostas de equipamento, no entanto.
Sim, mas não como a maior parte das pessoas. Podes ver que as minhas coisas estão todas empoeiradas e sujas. Eu uso estas coisas. O equipamento é importante, mas não sou obcecado por ele. Eu vejo todo este equipamento como a mesma coisa. Se não o aguentas, não importa. O que importa é o que fazes com ele. Algumas coisas podem ter melhores efeitos ou melhor som, mas basicamente é tudo a mesma cena. Se procuras aquele som antigo, faz o que se costumava fazer. Ou se quiseres usar a tecnologia, força. Faz o que te apetecer, mas não te esqueças do analógico. Podes evoluir, mas não te esqueças da essência.

Há algumas peças de equipamento com que te sintas mais confortável, que tu uses mais?
Estas pequenas caixas, como a (Roland SP) 606 e a (Boss SP) 303. Gosto da 606, porque tem uma tonelada de efeitos. Também gosto de uma MPC, mas as Sps são tão fáceis de ligar e usar. A única cena que fiz numa MPC foi o tema dos De La Soul ("Shopping Bags").
Gosto de me mexer depressa e estas maquinetas são tão fáceis de usar. Posso estar noutra cidade, no meu quarto de hotel, e fazer beats ali mesmo. Não gasto mais de 10 minutos de cada vez em cada beat, aborreço-me e tenho que avançar para a próxima cena. Não sou como o Dre. Não me demoro uma semana só numa tarola. Talvez devesse, no entanto!

Uma coisa que pode ser trabalhosa com estas caixas é salvar sequências e samples.
Eu não salvo nada, limito-me a gravar para um CD ou para um multipistas e depois gravo os Cds de beats directamente.

Tens todas as tuas faixas partidas em partes diferentes?
Nem todas. Não me apetece que as pessoas estraguem tudo com a mistura. Eu sei como é que quero que aquilo soe e se gostaste de como o beat soava (no Cd de beats) então fica com o beat ou então não fiques. Quando o acabo, está acabado. O Busta Rhymes, o Common e outros tiraram as cenas que usaram minhas directamente do CD. Ninguém vai andar a remisturar as minhas cenas!

Já alguém recebeu multipistas das tuas cenas e estragou tudo?
Claro que sim. A remistura "Weededed" para a Groove Attack. Eles deixaram as vozes todas baralhadas, meteram-me a rimar avançado em relação ao beat. Eu nem sequer rimo no beat, quanto mais avançado em relação ao beat.

Por isso quando alguém quer trabalhar contigo, dás-lhe um CD de beats já terminados?
Eu nem sequer trabalho com ninguém. Eu trabalho com a minha crew. Estou sempre a trabalhar aqui, sózinho, isolado. Nunca estou no estúdio com um rapper. Poderia fazê-lo, mas isso iria consumir-me muito tempo. Faço tantos beats que me limito a fazer CDs e depois eles usam o que quiserem. Ouvem o beat e depois arrancam a partir dali.

E como fazes com os teus próprios projectos, como os discos de Quasimoto?
Quas sou só eu a brincar, a fazer uma cena meio doida. A improvisar com os beats. A minha cena baseia-se toda em vibes. É difícil de explicar. Não penso nisso quando faço os beats. Eu ouço música para a minha cabeça todo o dia, é como se fosse terapia para mim. A dada altura ouço alguma coisa e começo às voltas com ela.

E os famosos vocais do Quas? Quando começas a mexer com o pitch…
Eu faço isso à maneira da velha escola: gravo com o beat desacelerado e depois volto a colocá-lo à velocidade normal. É difícil rimar assim! Tens que fazer (com uma voz esquisita) "Qua-si-mo-do..." Odeio fazer vozes. Tenho que fazer com que a minha voz soe estranha, que soe um bocado apalermada e depois acelero aquilo tudo. Também já fiz cenas com uma voz com o pitch mais baixo do que o normal, mas ainda ninguém ouviu isso. Ainda não editei nenhum desse material.

Já me disseram que às vezes samplas pedaços enormes de canções, tipo 15 ou 20 segundos.
Sim! Aprendi isso com as velhas cassetes de DJ Quik, em que ele apenas metia um disco qualquer e rimava por cima. Como o Ghostface fez com "Holla." Gosto dessas cenas. O beat já está lá, mexe com a cena apenas.

Costumas resistir à vontade de acrescentar muitas cenas a um sample?
Isso acontece-me pelo menos metade das vezes. Metade das vezes limito-me a usar um loop. Acrescento uns kicks da 808 ou qualquer cena assim. Às vezes as pessoas encontram loops fantásticos e fodem tudo a tentar acrescentar muitas cenas ao loop. Às vezes não tens que fazer nada: a cena já funciona como está. Se acrescentas alguma coisa ao loop, estragas tudo.

Alguns puristas dizem que só samplam de uma prensagem original.
Man, dá-me uma compilação, uma reedição, uma cassete, não importa. Se tiver que ser, eu até ligo o meu equipamento à televisão. O Doom faz isso o tempo todo. Ele até já tirou cenas de um anúncio com jazz da BET (Black Entertainment TV). Está no novo álbum dele. Mas ao mesmo tempo agrada-me que as pessoas estejam a regressar aos loops. Não o faziam antes do Kanye, lamento dizê-lo. Fico feliz por haver algumas cenas na rádio que eu posso tocar.
Nos velhos tempos, eu adorava as cenas dos Dust Brothers. Eles fizeram o Young MC e o álbum dos Beastie Boys Paul's Boutique. São as minhas cenas favoritas deles. Quando ouvi todos aqueles loops e isso, deixou-me a trippar, lixou-me a cabeça toda. Fazer aquele disco agora iria custar tanto dinheiro. Adorava ter feito coisas naqueles tempos, faria cfenas ainda mais loucas.

Alguma vez tiveste problemas por causa dos teus samples?
Não. Não estou numa label grande, não somos a Def Jam. Alguém poderá reparar um dia, mas ainda não aconteceu. E também não me ponho a samplar o Rick James ou cenas assim.

Mas se venderes um beat ao Common ou ao Busta, por exemplo, tens que obter aprovação para o sample, certo?
Eles pedem. Mas montes de vezes nem sequer me lembro de que disco é que samplei o loop. Quando faço beats pego num disco e aqui vou eu. Montes de vezes nem sequer me dou ao trabalho de ver o que estou a usar.

Alguns dos beats que estávamos a ouvir soam como se tivessem sido feitos inteiramente com sons da Roland, como a [TR] 808 e a [TB] 303 [sintetizador de baixos]. Quantos beats fazes sem sequer samplares discos?
Eu diria que é 50/50. Mas muitos desses beats podem nem sequer chegar a um álbum acabado. Tenho toneladas de teclados, como podes ver. E nem sequer são teclados comuns. Uso-os para linhas de baixo o tempo todo.

Tens algum engenheiro de som ou alguém para te ajudar a ligar o teu equipamento?
(Risos) Não, a minha cena é tipo bedroom style! O meu homeboy ajuda-me algumas vezes, mas eu gosto de ser eu a mexer nas coisas. Já estive em grandes estúdios, mas não é a minha cena.



A tua relação com a Stones Throw parece ser a ideal.
Sim, eles deixam-me fazer o que me apetece. O Wolf é fantástico. É por isso que estou aqui, faço o que me passa pela cabeça e ainda recebo o meu dinheiro. A Stones Throw terá sempre opção sobre as minhas coisas. Antes de me ligar a eles fui a um monte de editoras que tentavam mudar as minhas cenas. Estive numa editora, e não quero dizer nomes, que era uma major e eles ofereceram-me três mil dólares pelo álbum inteiro dos Lootpack. Fui à Loud, tentei vender-lhes a cena e eles disseram-me “Sim, vamos assinar contigo”. No dia seguinte disseram-me “O Xzibit quer este beat e este beat, compramos-te esses”. E eu só disse, “Foda-se, fiz esses beats para mim próprio!”

Prestas atenção à reacção das pessoas à tua música? Há a ideia de que tu és um recluso do estúdio, que não se importa sequer se alguém gosta do que fazes.
Importo-me, mas antes de mais nada importo-me com o facto de eu próprio gostar daquilo que faço. Sim, vou a clubes e vejo como as pessoas podem gostar das minhas cenas, como ligam a certos pormenores. Mas sou eu que tenho que gostar das coisas. Alguns produtores não se importam se as pessoas gostam ou não, só se importam em fazer dinheiro com a música. Muita da minha música nem sequer sai se eu não gostar dela. E metade do que eu faço eu não gosto. Nem tudo é bom, sabes? Há que experimentar, a menos que queiras fazer sempre a mesma cena.

Alguma vez mudaste alguma coisa baseado no que algumas pessoas possam ter dito?
Não, porque eu faço o que sinto, eu faço o que quero ouvir. Se as pessoas gostarem, óptimo, mas eu faço o que quero ouvir. Depois disso fico feliz se as pessoas gostarem também. Faço cenas para quem pensa como eu.

Qual foi a reacção aos teus discos de jazz?
Foi boa. Os fãs hardcore de hip hop não gostam dessas cenas, mas eu faço aquilo que sinto. Farei sempre cenas para eles, mas também irei fazer aquilo que sinto que tenho que fazer. Desde que a essência de como começaste se mantenha, tudo correrá bem. Algumas pessoas tentam mudar de direcção e esquecer o passado e depois tudo lhes corre mal.

Samplers & Sequenciadores: Roland SP-606, Boss SP-303 Teclados: Hohner Clavinet, Fender Rhodes Suitcase Piano, RMI Electra-Piano, Arp String Ensemble, Jen SX1000, Korg Microkorg Gravação: Roland VS-1680 Extras: Contrabaixo de uma corda, Drum Kit barato, Percussões variadas.