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HitdaBreakz

4/11/2005

ESTADO DA NAÇÃO




A propósito do próximo álbum de D-Mars, assinado pelo alter-ego Rocky Marsiano e com o título de "The Pyramid Sessions", a equipa da Loop:Recordings tem estado envolvida na criação de um clip que gira em torno da para nós tão nobre actividade de diggin' in the crates. O que me fez pensar neste universo. Ao fim de duas décadas de coleccionismo mais ou menos intenso (para mim) e, sobretudo, ao fim de uma década de uma agitada cena Hip Hop nacional, qual será o estado da nação dos nossos crate diggers? Não é, certamente, o mais famoso. E para chegar a tal conclusão, basta metermo-nos no carro e dar um pulo até à vizinha Espanha onde uma intrincada rede de lojas, revistas (como a Enlace Funk), editoras (como a Vampi Soul) e grupos fazem da cena local de crate diggin' uma realidade muito mais evoluída do que a nossa. Basta entrar nalguns dos mais famosos fóruns internacionais (os tantas vezes por aqui citados Soul Strut e Vinyl Vultures, por exemplo) para perceber que há diggers espanhóis a trabalharem seriamente.

Obviamente, a falta de uma rede mais séria de diggers nacionais não é um problema, antes um sintoma de um problema. Descarta-se com demasiada facilidade a informação e muitas vezes quem faz um esforço para educar (como é o caso - posso assumi-lo - do HdB) é confundido com quem normalmente debita sermões que pouco ou nada interessarão a quem acha que já tudo sabe e nada mais precisa de saber. E, no entanto, é impossível não estabelecer uma ligação directa entre uma cena de coleccionismo carregada de vitalidade e uma produção musical pertinente (e não apenas no Hip Hop...). Quem conhece bem o passado prepara melhor o futuro.

É claro que já há produções de Hip Hop nacional carregadas de soul e groove que beneficiam de um estudo atento do passado, mas os equívocos continuam a existir: há quem pergunte em fóruns de internet por sites onde ir buscar samples, quem se limite a ir às colecções de música clássica que os pais adquiriram ao Reader's Digest e tanta, mas tanta gente para quem samplar não implica nenhum grau de pesquisa. O primeiro loop que aparecer - mesmo se se desconhecer a origem - é o primeiro a ser utilizado. Mas vamos olhar para os exemplos internacionais: Shadow, Madlib, Premier, Large Professor, Pete Rock, MF Doom, Jay Dilla, Cut Chemist, Nu-Mark, Coldcut, 9th Wonder, Jakeone, Rza... todos eles mestres na sua arte, todos eles diggers convictos, todos eles profundos conhecedores do passado. Dá trabalho fazer essa pesquisa e compilar todos esses conhecimentos? Imenso. Não é mesmo nada fácil. E chega a ser desesperante, por se angariar tanta informação online que depois não tem correspondência real no terreno. Mas que diabo, as coisas estão muito melhores: há já muita informação disponível em português (não só o HdB, mas em blogs como Piecemaker, MPC4000 e outros), uma rede de lojas interessante, produtores atentos e inúmeros spots onde conseguir peças raras que pedem - gritam mesmo - para ser sampladas. E há, claro, a Internet que coloca o universo inteiro ao alcance de um click. O Hip Hop é uma cultura que exige cultura. Não basta vestir o uniforme e adquirir as ferramentas certas. Há que fazer os trabalhos de casa.

Ouvir breaks clássicos samplados com autoridade em produções nacionais ainda é raro, mas já há discos de Hip Hop nacional que beneficiam de grooves fluídos retirados de discos clássicos de David Axelrod ou Donovan, já há beats produzidos no nosso país onde se sentem os pops não filtrados do vinil de origem e aquele boom bap clássico dos discos de funk. No dia em que essa guarda avançada fôr mais vasta, grandes feitos poderão ser assinados no nosso país. Para que não seja necessário estarmos permanentemente a olhar para fora de portas. Entretanto, keep on diggin'.

Paz e respeito para o meu irmão D-Mars, que todos os dias vejo envolver-se com novas rodelas de plástico negro para criar aquela magia quase alquímica que resulta em novos beats carregados de balanço.