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HitdaBreakz

3/09/2005

MEMÓRIAS DO HIP HOP - O LIVRO DE JEFF CHANG




Há um aforismo que nos indica que não se deve julgar um livro pela sua capa. Mas, por uma vez, até pode ser justo fazê-lo se o livro que tiverem na mão for Can't Stop, Won't Stop do jornalista norte-americano Jeff Chang. A revista Vibe já havia publicado um excerto do livro e por isso a minha relação com estas quase 550 páginas de informação pura e dura e dissertação inteligente apoiada em dezenas de entrevistas a protagonistas desta cultura (de MC's a DJ's, de Writers a managers, de b-boys a membros de gangs...) já havia começado. Mas pegar no livro, em edição hardcover, com um grafismo inteligente só aumenta a sede de o ler. Sub-titulado A History of the Hip Hop Generation, Can't Stop, Won't Stop exibe na capa uma foto onde no fundo se pode observar uma casa em ruínas, provavelmente um dos monumentos ao esquecimento a que foi votado o Bronx nos anos 70 pelas políticas de degradação continuada da câmara Nova Iorquina. E depois há algumas figuras recortadas sobre a paisagem, incluindo a de uma criança, que simboliza certamente o futuro que o Hip Hop já prometia alcançar, mesmo nessa época. E em primeiro plano uma silhueta de um b-boy que se apresenta de costas, talvez para sublinhar a condição anónima de muitos dos protagonistas iniciais desta cultura. E, nem de propósito, Kool Herc, esse mesmo pioneiro fundamental para a imposição desta cultura, assina o prefácio, indicando, com palavras sábias, a verdadeira natureza deste movimento:

"O Hip-Hop é a voz desta geração. Mesmo que não se tenha crescido no Bronx nos anos 70, o Hip Hop é uma força presente. Transformou-se numa força poderosíssima. E o Hip Hop une todas estas pessoas, de todas as nacionalidades, por todo o mundo."


Can't Stop, Won't Stop é, muito mais do que uma história do Hip Hop, uma história da sociedade norte-americana nestas últimas três décadas, vista de um perspectiva hip Hop. Analisam-se os solavancos da música e da indústria, mas procura-se sempre a visão mais generosa das coisas, procurando ligar-se desenvolvimentos musicais a acontecimentos relevantes no plano social. A título de exemplo, Chang explora os momentos na história em que os ghettos se acalmaram, quando os gangs declaravam tréguas, e indica ser essa - quase sempre - uma razão para o florescimento das artes nessas áreas conturbadas. A política, a globalização e tantas outras marcas importantes da história da América nestas décadas são igualmente alvo de análise, tentando-se perceber o impacto que todas estas mudanças tiveram no Hip Hop e, claro, o impacto que o próprio Hip Hop conseguiu obter na sociedade.

E Chang faz tudo isto com estilo, com uma escrita profundamente clara e acessível, sem nunca ser facilitista, sem nunca ter medo de lidar com assuntos complexos, como a raça e a sua relação com a política. Can't Stop, Won't Stop é, portanto, uma leitura fundamental para nos ajudar a compreender melhor o impacto, o alcance, a complexidade e, sobretudo, a humanidade desta cultura. Últimas palavras para Jeff Chang:

"Fazer um livro como este é um acto que inspira uma humildade profunda. Não se cria um mundo, tenta-se apenas recapturá-lo. Em cada passo há uma dívida que se assume perante as pessoas e o objecto da nossa atenção, e essa dívida tem que ser respeitada, mas também te inspira a ultrapassar os limites do teu talento, mantendo-se sempre contigo. A minha lista de agradecimentos, à boa maneira do Hip Hop, é tão longa como qualquer um dos capítulos e ainda assim provavelmente esqueci-me de algumas pessoas e se assim tiver sido hei-de sentir-me mal para sempre. Mas aí é que está: há milhões de maneiras de contar esta história. Este livro representa apenas uma delas. Eu continuo a querer ouvir todas essas histórias. Todos precisamos de as ouvir!"


O livro foi publicado no passado mês de Fevereiro nos Estados Unidos, por isso, se se despacharem, poderão ainda ter acesso a uma primeira edição. A minha cópia foi encomendada através da Skool e ficou abaixo dos 30 euros, o que é um preço óptimo para um livro importado!