2/16/2005
MOOG RECORDS: SONHOS ANALÓGICOS
O sintetizador Moog é um dos grandes ícones da cultura pop, sem a menor sombra de dúvida. Produto das visões futuristas induzidas nas massas por acontecimentos revolucionários como o programa espacial da Nasa - que teve reflexos a todos os níveis: do design de interiores ao cinema, passando pelos comics e, claro, pela música - o sintetizador criado por Robert Moog impôs-se e resistiu ao passar das décadas. Uma das ideias dominantes durante toda a década de 60 foi de facto a imaginação do espaço sideral e, claro, com tanta modernidade era inevitável que a revolução electrónica - tornada visível sobretudo pela televisão - chegasse à música. É que a dada altura as guitarras eléctricas e outros instrumentos "convencionais" já não eram suficientes para traduzir todas as ideias de futuro que assombravam as pessoas. Robert Moog foi aqui uma pessoa determinante, para transportar esse futuro e a nova realidade electrónica para o mundo da música.
Robert Moog
Moog começou em 1961 um pequeno negócio de construção e venda de Theremins, o instrumento quase mágico que se toca interferindo manualmente num campo magnético e que se pode ouvir, por exemplo, no tema Good Vibrations dos Beach Boys. O espírito inventivo de Robert Moog e pesquisas na área de construção de circuitos e osciladores capazes de produzir novos sons levou a que, em 1964, começasse a produzir os seus primeiros sintetizadores modulares com a colaboração próxima de Walter Carlos. Depois do enorme sucesso do disco de Carlos entitulado Switched on Bach, o mundo acordou para as possibilidades oferecidas pela síntese modular e as estrelas começaram a adquirir sintetizadores a Robert Moog. Os Beatles compraram um, tal como Mick Jagger que em 1967 gastou uma pequena fortuna num Moog Modular. Infelizmente, os fãs dos Rolling Stones nunca puderam ouvir esse Moog numa das suas gravações e o sintetizador comprado por Mick Jagger acabou por ser vendido aos Tangerine Dream (tendo sido utilizado apenas, de acordo com uma informação fornecida - uma vez mais - através do Fórum Sons, como um adereço no filme Performance e para a composição da banda sonora de Invocation of My Demon Brother, da autoria do próprio Mick Jagger).
A verdade é que no final da década de 60 e durante praticamente toda a década de 70 assistiu-se a uma verdadeira Moog Fever, com centenas de discos de Moogxploitation a surgirem no mercado e a criarem quase um sub-género. Bastante populares eram os álbuns que reviam com a sonoridade típica do Moog melodias célebres, quer do mundo da pop quer coisas mais específicas (versões em Moog de temas de filmes, clássicos do country ou de música espanhola...). Claro que com o tempo, o Moog foi perdendo o centro das atenções para ser enquadrado de forma mais racional nos arranjos de vários compositores. Mas, mesmo assim, a peculiaridade deste instrumento garantia-lhe sempre uma dose generosa de atenções. Marc Moulin, por exemplo, determinou a alma dos seus famosos Placebo quando comprou nos anos 70 um Mini-Moog. E o próprio Stevie Wonder não dispensou a exploração destes instrumentos, tendo Robert Margouleff (dos Tonto's Expanding Head Band) como um dos programadores dos seus Moogs. E em Portugal, gente como José Cid ou Miguel Graça Moura também aderiu à Moog Revolution, incluindo estes instrumentos nalgumas das suas melhores gravações. Hoje, estes teclados são verdadeiras peças de colecção, instrumentos estimados pelos seus donos pois possuem um carácter único que a nova realidade digital nunca foi capaz de captar em toda a sua glória. Poly-Moogs, Moog-Prodigys, Mini-Moogs e outros modelos mostraram ser capazes de produzir ruído carregado de groove ao longo dos anos, em discos de jazz e funk, de rock ou de easy listening. Lá fora há um gigantesco acervo para explorar. Ficam por aqui alguns dos exemplos da minha colecção!
Beaver and Krause - In a Wild Sanctuary (LP, Warner, 1970)
Disco com pesos pesados, como Dave Grusin ou Bud Shank, conduzido pela dupla de Paul Beaver e Bernard Krause que, ao contrário de tantos outros álbuns de Moog, aproveita a tecnologia para tentar traduzir a sonoridade da natureza. É talvez um dos primeiros álbuns de música ambiental electrónica e foi bastante tocado por gente como Mixmaster Morris nas salas Chill Out das primeiras raves.
Black Mass - Lucifer (LP, MCA, 1971)
Projecto do prolífico Mort Garson, um dos pioneiros do uso da electrónica na música. Este álbum específico, como aliás o título e a capa deixam transparecer, é bastante soturno, servindo a tecnologia aqui para uma viagens aos confins mais obscuros da alma humana.
Caldera - A Moog Mass (LP, Kama Sutra Records, 1970)
Projecto de Robert Margouleff de óbvia inspiração espiritual onde as potencialidades dos sintetizadores Moog são usadas para a construção de uma peça de tom ultra-solene. Passagens de spoken word por Malcolm Cecil, companheiro de Margouleff nos Tonto's Expanding Head Band.
Claude Denjean - Open Circuit (Lp, Phase 4/London, 1973)
Claude Denjean - Moog (LP, Phase 4/London, 1970)
Dois álbuns típicos de Moogxploitation, com as particularidades deste instrumento a serem usadas para conferirem um carácter único à leitura de diversos clássicos pop. A versão de Let's Stay Together de Open Circuit, por exemplo, foi samplada por Mr Scruff. No álbum Moog há igualmente uma série de curiosas versões, de Venus a Bridge Over Troubled Water.
Gianni Safred & His Electronic Instruments - Futurible (LP, RCS, 1976)
Músico italiano para mim desconhecido, Gianni Safred assinou neste álbum uma fabulosa obra prima onde o Mini Moog e o Poly Moog são usados ao lado de sintetizadores da Arp e de pianos como o Fender Rhodes. Títulos como Electronic Brain ou Jazz Computer não deixam enganar. Estamos perante uma tradução de um futuro sci-fi conseguida com enorme talento!
Hugo Montenegro - Moog Power (LP, RCA, 1969)
Um dos clássicos mais representativos da Moog Era. Uma vez mais são as versões de standards como Dizzy que fazem o conteúdo, mas o verdadeiro interesse está nos arranjos carregados de groove de Montenegro, o homem por trás da banda sonora da série televisiva The Man From U.N.K.L.E., por exemplo.
Jean Claude Fohrenbach - Electronic Band (LP, Pierre Cardin, s/data)
Disco curiosíssimo, a começar na editora - Pierre Cardin - e a prosseguir no conteúdo musical: uma mescla de estilos, da pop à soul, unidos pela singular sensibilidade electrónica de Fohrenbach.
Sid Bass - Moog España (LP, RCA, 1972)
Exemplo claríssimo de Moogxploitation: "old spanish favorites played in a exciting new way", anuncia-se na contracapa sobre a foto de um toureiro. Enfim, há algo de terrivelmente fascinante e dramático em ouvir Granada tocado com Moog!
Jean Jaccques Perrey/Gershon Kingsley - The In Sound From way Out (LP, Vanguard, 1966)
Um dos mais recuados exemplos de "electronic pop music of the future", como se anuncia na capa que os Beastie Boys já citaram. Dada a data, não me é possível confirmar se este álbum do criador do giganteco clássico E.V.A. utiliza o Moog, mas é bastante provável. Obra-prima, claro!
The Plastic Cow - Música Eletrônica (LP, RGE, 1970)
Fabuloso disco de Moog que, como nos indica o circunflexo na palavra "electrônica" do título é de edição brasileira. A escolha de reportório - com versões de Spinning Wheel, Sunshine of Your Love, Lay Lady Lay ou The Ballad of John & Yoko é das melhores em discos deste género. E os arranjos absolutamente carregados de groove.
Chris Harding & Lionel Burdge - Romantic Moog (LP, Contour, 1974)
Como todos os álbuns na Contour, também este é de baixíssimo orçamento e os nomes que eu credito como artistas - mas que na verdade são os produtores - podem até nem ter tocado no disco. Mas que interessa isso quando o Moog se curva a versões melosas de temas ainda mais melosos como My Cherie Amour, What The World Need Now is Love ou And I Love You? Se houver dia dos namorados para robots, este é o disco indicado para eles ouvirem quando forem trocar carícias metálicas.
Leonard Nimoy - Mr Spock Presents Music From Outerspace (LP, Rediffusion, 1973)
Outro disco fantástico. O tema, claro, são as estrelas e o espaço sideral e Nimoy não canta, recita! Mas há umas versões impressionantes de temas como Mision Impossible e, claro, Star Trek, tocadas por uma banda pop convencional à qual parecem ter sido acrescentados overdubs de Moog só para dar o tom electrónico que o tema exigia. Cheesy, mas delicioso ao mesmo tempo!
Tonto's Expanding Head Band - Zero Time (LP, Atlantic, 1971)
E este é o álbum clássico da dupla Malcolm Cecil/Robert Margouleff, já samplado pelos Unkle de James Lavelle e que é um verdadeiro pedaço de futuro criado no início da década de 70. Música poderosa e visionária, onde o Moog é apenas mais uma das ferramentas para ajudar à construção de uma poderosa massa sonora onde o jazz, a música electrónica de vanguarda e o rock se colam com imaginação e talento.
Walter Carlos - Bach Electronico (LP, CBS, s/data)
E este é o álbum que começou tudo. Gravado quando Walter Carlos ainda não tinha mudado o nome para Wendy e efectuado uma daquelas operações problemáticas, este foi o disco que deixou claro ao mundo o poder do som do sintetizador Moog. O resto é história!
The Carmets - Moog Electric Sounds (LP, JVC, 1973)
Álbum de um power trio japonês com espantosas versões de Popcorn, Locomotion, Riders in the Sky, Telstar ou The House of the Rising Sun. E com a particularidade acrescida de ser uma prensagem japonesa, com um dos melhores sons que já me foi dado a ouvir em vinil.
PS: agradecimentos ao post de BasSheva no Fórum Sons que me deu a ideia para este pequeno artigo.
PPS: há um artigo muito interessante, bem mais técnico e detalhado do que estas linhas aqui em cima, no site Vilar de Mouros 71. Podem lê-lo aqui.