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HitdaBreakz

2/21/2005

A HISTÓRIA DO HIP HOP



Kool Herc


HIP HOP HOORAY!

Nascido e criado em Kingston, na Jamaica, Kool Herc deve ter tido dificuldade em adormecer algumas noites durante a sua infância devido ao glorioso trovão libertado pelos sound systems que, batalhando pela atenção do público na Beat Street, iam aumentando o volume das montanhas de colunas de graves até à beira da explosão.
Durante a primeira metade dos anos 60, a rádio jamaicana debitava James Brown durante o dia e depois do sol se por os sistemas de som locais ofereciam ao povo a sua própria versão do R&B americano. Foi esta a educação de Kool Herc que em 1967 emigrou com a sua família para Nova Iorque onde, dois anos depois, iniciou a sua carreira como DJ.
Inspirando-se nos poderosos sistemas de som de Kingston, Herc construiu as maiores colunas que conseguiu e graças ao poder do seu som – Herculords – começou a adquirir uma reputação sólida no Bronx, na primeira metade dos anos 70. Com uma educação musical completamente diferente, Kool Herc foi obrigado a um processo de tentativa e erro, que começou com os discos trazidos da Jamaica que pouco ou nenhum efeito surtiam sobre as pessoas que se acumulavam nos centros comunitários do Bronx onde normalmente estas festas tinham lugar. Nesta época era comum gangs como os Savage Skulls ou os Black Spades frequentarem essas festas e foi deste último gang que emergiu uma figura que se haveria de revelar decisiva na imposição do Hip Hop – Afrika Bambaataa.

Os breaks

Não demorou muito tempo até Kool Herc perceber que a multidão preferia funk a qualquer outro tipo de música e que se agitava mais durante as partes das músicas onde pouco mais do que baixo e bateria se faziam ouvir. Kool Herc começou então a procurar os discos com breaks de percussão, o que o obrigava a carregar toneladas de discos para as festas pois limitava-se a tocar apenas excertos de 20 ou 30 segundos de cada disco. Isto, claro, até ter percebido que com duas cópias iguais de um mesmo single poderia alternar entre as partes de percussão de cada uma delas e manter a batida constante na pista de dança. Esse fornecimento generoso de breaks surtia especial efeito junto de alguns rapazes e raparigas que respondiam à cadência oferecida pelo DJ com passos acrobáticos – inicialmente conhecidos por Break Boys, pois dançavam sobre os breaks, estes bailarinos ficaram conhecidos na história como B-Boys e a dança que encenavam como Breakdance ou B-Boying.


Kool Herc flyer

Entretanto, em 1973, Bambaataa, cansado da violência da vida nos gangs, decidiu criar a Zulu Nation, uma organização com propósitos de auto-afirmação através da cultura, que elegeu uma forma mais positiva de combater, através da dança, primeiro e, mais tarde, do graffiti, do djing e do mcing. Algures durante o ano seguinte as condições devem-se ter reunido para que se pudesse declarar o nascimento do Hip Hop. Bambaataa vai mesmo mais longe e indica a data de 12 de Novembro de 1974, a data do primeiro aniversário da Zulu Nation e de uma gloriosa festa de celebração, como o dia do nascimento do Hip Hop, um nome cunhado pelo próprio Bambaataa em flyers que anunciavam The Hip Hop Beeny Bop e que Lovebug Starski, um dos primeiros MC’s de serviço nestas festas, populizaria em rimas como “Welcome to the Hip Hop beeny Bop! That’s Right ya’ll, hip hop til you don’t stop!”


Afrika Bambaataa

Ao primeiro pilar lançado por Kool Herc – a identificação do ritmo primordial que curvaria toda uma nação perante o mesmo groove – Bambaataa acrescentou um conhecimento profundo da história da música, ao ponto de ser considerado um Master of Records, ou alguém cujo conhecimento de breaks era assombroso. O toque final seria dado já na segunda metade dos anos 70, quando um jovem habituado a frequentar as festas de Herc e Bambaataa finalmente emergiu – Grandmaster Flash.
Flash completaria a trilogia dos DJ’s pioneiros ao aperfeiçoar as capacidades de mistura que tornaram a batida de facto contínua. Flash começou por acrescentar de forma artesanal à sua mesa de mistura um botão (cross-fader) que lhe permitia passar de um disco para outro sem haver quebras de som. Tendo aprendido com Herc que os breaks de funk eram o combustível preferido dos B-Boys e com Bambaataa onde os ir buscar, Flash incendiou em definitivo as pistas ao trazer para o palco os “skills” ou capacidade técnica de misturar os discos e fazê-los fluir de forma irrepreensível. Quando Grandwizard Theodore, algum tempo mais tarde, inventou o scratch quase por acidente, estavam lançadas as bases em cima das quais seriam construídas as 3 décadas seguintes de Hip Hop!


Grandmaster Flash

O microfone

Bambaataa compreendou muito cedo que a única forma que tinha de combater a mentalidade dos gangs residia em oferecer como alternativa um mundo igualmente estruturado onde cada pessoa poderia representar um papel específico. Daí que se tenham estabelecido quatro vertentes para o Hip Hop, reunindo sob um mesmo tecto práticas distintas como o Graffiti, o B-Boying, o DJing e, claro, o MCing. O MC começou por ser uma mera sombra do DJ, limitando-se a enaltecer ao microfone as capacidades do tipo que lhe pagava o ordenado e funcionando quase como “public announcer” ou mestre de cerimónias que não só usava o microfone para comunicar à multidão qual a última “ghetto celebrity” a entrar no clube (“hey ya’ll, my man Timmy T is in the house!”) como deixava toda a gente saber que havia uma mãe à espera do seu filho à porta (“yo, Little Jimmy, stop spinnin’ and head to the door!”). Com o tempo, as rimas foram ficando mais elaboradas, mais complexas e, tal como os “skills” do DJ lhe granjeavam popularidade, também as capacidades do MC no microfone começaram a ser decisivas para arrancar aplausos à multidão.


Flyer Hip Hop

Nesta época o Disco Sound reinava supremo, estabelecendo um domínio sobre toda a Manhattan. Claro que o Hip Hop floresceu também porque oferecia uma alternativa de diversão nocturna aos menos desprovidos de fundos para frequentarem lugares como o Studio 54. Foi aliás essa aura marginal que proporcionou uma aliança ao punk, havendo registo de inúmeros eventos em clubes como o Roxy ou o Negril onde Bambaataa, os Funky 4 Plus One More, os Cold Crush Brothers, Grandmaster Flash e os Furious Five se cruzavam com grupos punk na mesma noite. Quando o Hip Hop começou a abandonar a forma de vestir mais típica dos grupos de Funk dos anos 70, com roupas extravagantes, o visual punk foi a sua primeira influência.


Cold Crush Brothers

A indústria

Obviamente que não tardou muito até que alguém tivesse ideia de editar o primeiro disco de Hip Hop, honra que caberia à Sugarhill de Sylvia Robinson com “Rapper’s Delight” dos Sugarhill Gang (1979), um tema que tomou o mundo de assalto e que, seguindo o hábito dos clubes em que o MC cantava em cima de excertos musicais conhecidos, usou parte do clássico “Good Times” dos Chic para suportar as ainda incipientes rimas do trio. A fase Old School do Hip Hop começou aqui e caracteriza-se, no essencial, por possuir um som ainda muito preso à influência do funk e do disco sound, usando-se músicos em estúdio para recriar os excertos que se queriam usar. A citação a “Trans Europe Express” dos Kraftwerk em “Planet Rock” de Bambaataa não foi conseguida através de um sampler, como já se escreveu inúmeras vezes, mas retocando a melodia, trabalho que coube a Arthur Baker que ajudou Afrika nessa produção. O ponto final definitivo na Old School foi colocado pelos Run DMC, o primeiro grupo verdadeiramente moderno do Hip Hop que trouxe para esta cultura uma forma essencialmente “street” de vestir, rimas mais elaboradas e, sobretudo, batidas criadas de forma sintética, com caixas de ritmos e alguns dos primeiros samplers do mercado.


Sugarhill Gang

A indústria, como é óbvio, retirou desta cultura o elemento que realmente poderia vender, o MCing, quase ignorando os restantes elementos basilares do Hip Hop. A verdade é que em cima das obras de pioneiros como Herc, Bambaataa, Flash, os Sugarhill Gang e os Run DMC puderam florescer as carreiras de revolucionários como os Public Enemy e De La Soul, de mestres líricos como Rakim e KRS One, de verdadeiros devotos do funk como Dr Dre e os NWA, de profetas como Tupac e Biggie Smalls, de ninjas urbanos como os Wu Tang Clan e de pensadores conscientes como Talib Kweli e Mos Def, conduzindo-nos até ao momento actual em que gente como os Neptunes e Kanye West dominam o planeta com actualizações surpreendentes de uma semente lançada há 30 anos.


Public Enemy

Não é novidade nenhuma. Houve outras culturas, como o surf ou o skate, transformadas em indústrias multimilionárias e moldadas à imagem das flutuações de mercado. O Hip Hop, no entanto, apesar dos milhões que circulam, dos grandes negócios, dos clips milionários e das autênticas estrelas pop que entretanto gerou, continua a afirmar-se como uma cultura multi-facetada, organizada desde a rua até à Penthouse mais inacessível, capaz de gerar heróis e mártires, de celebrar novos talentos e também de homenagear os seus pioneiros. Foi há 30 anos que um DJ cruzou dois discos de forma tão perfeita que arrancou um elogio ao seu MC e obrigou os B-Boys a agitarem-se na pista de dança de um qualquer clube comunitário do Bronx. Hoje, muito provavelmente, há um MC qualquer no primeiro lugar do Top de vendas norte-americano. Parabéns!


Mos Def

Texto publicado originalmente no Blitz em Novembro último!