<$BlogRSDUrl$>
.

HitdaBreakz

1/18/2005

SOULMAN: UM MUNDO DE BEATS




Para quem tenha nem que seja um interesse passageiro na cultura do Diggin' o nome de Phil Stroman, ou Soulman, não deverá ser completamente estranho. Aqui na nossa barra de links lateral poderão encontrar o passe para o site onde Soulman arquiva as suas crónicas de muitos anos, começando pelas que publicou há mais de uma década na Rap Pages e que ajudou a definir uma grande tendência dos anos 90. Falamos claro de World of Beats, uma série de entusiasmantes artigos com que Soulman foi documentando "uma intrigante subcultura do hip hop que se dedica a desenterrar velhos discos", como ele próprio descreveu a actividade do Diggin' no seu primeiro artigo para a Rap Pages.

Soulman não se limitou, no entanto, a escrever. No seu site descobrimos várias Mixtapes, a começar na clássica série Archaelogists que atingiu 70 volumes em cassetes e que ajudou a orientar muitas procuras de discos com grandes beats. Além da escrita, da documentação de beats em numerosas Mixtapes e até de produção em nome próprio, o nativo de Filadélfia Phil Stroman foi igualmente, durante muito tempo, um dealer com poiso certo nas Feiras mais concorridas dos Estados Unidos, como o mítico Roosevelt Show de Nova Iorque. Todas juntas, essas coisas garantiram-lhe um estatuto mítico junto de diggers de todo o mundo. Aproveitando a sua generosidade natural, o Hit Da Breakz arrancou-lhe uma entrevista. Que se segue:

HdB - Conheces o termo “soul surfing”? É quando um tipo surfa pelo prazer de enfrentar as ondas, sem se importar com a competição ou com prémios em dinheiro. Nesse sentido, pensas que existem “soul diggers”?

Soulman – Claro que sim. Há muitas pessoas que procuram discos apenas pelo prazer de ter nova música para descobrir. Para mim essa é provavelmente a razão principal que me leva ao diggin’, mas seria um cão mentiroso de dissesse que nunca procuro discos para revender ou para samplar.

HdB – O Dj Shadow disse mais do que uma vez que o processo de composição começa quando ele está em pleno diggin’, à procura de discos para o seu novo trabalho. Por isso pergunto: quando vendes um beat a um produtor conhecido, sentes que o estás a ajudar com a composição? Será que um dia haverá nos créditos dos discos menção aos diggers?

S – Vendi já muitos discos a produtores que depois os samplaram e fizeram deles beats, mas não me parece que por isso eu mereça crédito na composição da faixa. Já ouvi falar em dealers que tentam ter algum crédito só porque venderam um sample a alguém. Não concordo mesmo nada com isso. Continuará a ser uma questão de como trabalhas o sample, como cortas o loop. Quero dizer, um pequeno “olá” nos agradecimentos do disco seria fixe, mas na verdade o que é que isso interessa. Não é por aí...

HdB – Há quem defenda que os diggers ajudram a orientar o som do Hip Hop ao irem em direcções muito específicas, ao procurarem certos tipos de música. Será que o facto de muitos produtores usarem cada vez mais sintetizadores e menos samples é um sinal de que já não há mais discos para se encontrarem por aí?

S - Man, há milhares e milhares de beats, de breaks e loops, baterias e outros sons que nunca ninguém usou espalhados por aí em discos de que nunca ninguém ouviu falar. O que acontece muitas vezes é que os produtores e as editoras não querem lidar com os aspectos legais do sampling – leva-se um grande rombo financeiramente quando se tem que pagar samples e ceder direitos de publishing. E obter autorização para os samples pode atrasar a saída de um disco ou obrigar-te a mudar o álbum inteiro se algumas autorizações não forem conseguidas.Alguns dos álbuns de rap “mais ou menos” da última década poderiam ter sido muito melhores se não tivesse havido problemas na obtenção de licença para o uso de certos samples, como aconteceu com o Bulletproof Wallets do Ghostface, por exemplo.

HdB – Há já muitos anos que compras discos. Que disco é que te tem escapado todos estes anos?

S – Oh, muitos mesmo. Mas o principal que posso apontar é o álbum dos Skull Snaps. Nunca encontrei uma cópia original no terreno. Já tive muitas hipóteses de o comprar a preços de mercado, tipo a 100 dólares e mais. Mas esse é um álbum que nem quero possuir a menos que o consiga encontrar “na natureza” bem baratinho. Sinto que é um disco que eu deveria ter sido capaz de encontrar só por fazer digging, mas a verdade é que nunca se atravessou no meu caminho. Uma vez, aqui há uns anos, estava na Feira de Discos que tem lugar na rua 57, em Nova Iorque, e um tipo que conheço encontrou-o numa caixa ao lado daquela onde eu estava por apenas dez dólares! Se eu tivesse dado atenção aquelas caixas em primeiro lugar teria conseguido o disco. Mas isso é o que acontece quando já se faz isto há algum tempo: às vezes ficamos tão fartos de ver sempre os mesmos discos que perdemos a disciplina e passamos por caixas e não ligamos e assim perdemos autênticos tesouros.

HdB – Que colecção trocarias pela tua sem pensar duas vezes?

S – Nenhuma. Não me parece que trocasse a minha colecção pela de mais ninguém. Nem mesmo pela de tipos que eu sei tecnicamente falando que têm colecções melhores do que a minha. Cada disco na minha colecção ajuda a contar a história da minha vida ou pelo menos da minha vida enquanto coleccionador de discos. Lembro-me de onde é que arranjei certos discos, as viagens, as feiras de discos em que estive. Cada disco diz algo sobre os meus gostos, o que é que se passava na minha vida quando o comprei, que tipo de sons é que eu curtia. Tudo isso ajudou a moldar a pessoa que hoje sou, musicalmente falando. Por isso os meus discos e a minha colecção são uma espécie de extensão da minha pessoa. Pegar na colecção de outra pessoa poderia até ser fantástico, sobretudo se tivesse muitas coisas que eu nunca tivesse ouvido. Mas seria sempre a colecção de outra pessoa e não a minha, percebes o que quero dizer?

HdB – Claro que sim. Avançando: estou na Europa e por isso gostaria de saber quais são os teus cinco discos europeus favoritos.

S – Ah... não sou capaz de dizer. São taaaantos os discos! Muitos dos quais poderei gostar de formas diferentes e por diferentes razões sem que isso faça de uns melhores discos do que os outros. Odeio resumir as coisas assim, não sou capaz!

HdB – Percebo perfeitamente. Já procuraste discos fora dos Estados Unidos? Se pudesses meter-te num avisão e escolher o teu destino só para fazer diggin’ para onde é que voavas?

S – Já fiz diggin’ na Jamaica, mas sem grande sucesso pois estava mais interessado em manter-me vivo do que em procurar discos. Mas foram umas grandes férias, sem dúvida. Se eu pudesse ir para qualquer sítio para procurar discos, acho que iria até ao Japão. Todos me dizem que é onde estão todos os discos, por isso certificar-me-ia que tinha os bolsos recheados para poder arrasar as crates de discos de lá!

HdB – Toda a gente sabe que vendeste coisas fantásticas a alguns produtores famosos. Mas qual foi o melhor negócio que fizeste com um disco. Não precisas de mencionar nomes...

S – No que a beats diz respeito, penso que o meu melhor negócio ainda foi o álbum de Bob Azzam que vendi por 400 dólares numa das feiras do Hotel Roosevelt. Quanto a discos, sem ser negócios por causa de um sample ou break específico, penso que o máximo que consegui foi por um disco meu que fiz no final dos anos 80 como Phill Most Chill, On tempo Jack. Vendi alguns por mais do que 500 dólares cada. Tenho alguns discos que já me valeram ofertas superiores a mil dólares, mas tenho preferido não os vender.

HdB – O que é que se passa com os beats? São apenas baterias a serem tocadas com estilo, mas são igualmente uma coisa universal. Haverá beats em todo o mundo?

S – Sim, há beats em todos os cantos do mundo onde tiverem sido impressos discos. O mundo inteiro é funky!

HdB – Sabes bem que a mortalidade é uma coisa estúpida. Já pensaste para onde deveriam ir os teus discos depois de abandonares este planeta?

S – Se tudo correr bem, todos os meus discos terão sido vendidos muito antes de eu morrer. Adoro música, mas pelo preço certo seria capaz de vender tudo. Nem teria que pensar muito no assunto. Neste momento a minha ligação aos discos já não é assim tão forte. Por isso se há para aí algum produtor milionário que tenha um cheque com pelo menos 6 algarismos para me passar que diga porque eu colocá-lo-ei em contacto com mais beats e samples do que aqueles que ele será capaz de usar até ao resto da vida. Kanye, onde andas amigo? Basta venderes uma faixa e endossar o cheque em meu nome e terás suficientes samples com vozes aceleradas para te durarem uma vida inteira!!

SOULMAN
Diggin desde...
Depende do que encaras como Diggin’... o primeiro disco que comprei foi para aí em 1977, ainda era miúdo. A compra de beats começou em 1984. Mas diggin’ a sério, mesmo de forma concentrada, terá começado por volta de 1994.

Número de discos na colecção...
Perto de 20,000 será a minha estimativa, mas na verdade não faço ideia.

Preço mais alto pago por um disco...
Também não tenho a certeza. Pelo que me lembro, cerca de 150 dólares. Embora já tenha oferecido 300 dólares por um disco no Ebay, mas não fui eu que ganhei o leilão.

A casa está a arder tenho que salvar três discos...
Não. A casa está a arder tenho que salvar os meus filhos. Se a casa estiver a arder não penso sequer nos discos, penso nas vidas. Os discos que se lixem. Embora, depois de ter salvo toda a gente eu possa ser encontrado a rezar por uma chuvada forte que apague as chamas.

O melhor grupo de Hip Hop da actualidade é…
De La Soul. E é uma vergonha que eu nem consiga dizer ninguém mais recente. Odeio soar ao típico “old school hater”, mas que se f***! Se vou responder a uma pergunta assim mais vale ser honesto. E para os que lerem isto e pensem que eu soo como um tipo velho e amargo que já não conhece a realidade, a minha resposta é para que parem de aceitar o que vos dão e comecem a exigir mais desta nova colheita de fazedores de Hip Hop que estão a aparecer. Só porque há cenas muito bem gravadas, com todos os sons de teclado mais incríveis, e só porque o tipo que rima está a usar o calão mais recente ou os estilos mais fixes de rimar do momento isso não significa que o Hip Hop que estejamos a ouvir seja de qualidade. Os ouvintes são as únicas pessoas capazes de mudar a ordem das coisas, mas se não se partilharem conhecimentos de maneira a que se possa identificar o que é bom, para que os ouvintes possam exigir mais dos seus artistas, então as coisas nunca irão mudar. Parem de se contentar com porcaria mal feita! É isso. Não pensem que eu não gosto de coisas feitas agora, não sou é capaz de embarcar nalgumas das viagens mais estúpidas dos últimos tempos. É só. Paz!