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HitdaBreakz

1/22/2005

BREAK DA SEMANATM : SKULL SNAPS - IT'S A NEW DAY


A entrevista ao Soulman é, sem dúvida nenhuma, a par da entrevista ao Jakeone, um dos pontos mais altos da existência deste blog. Não me recordo de o Soulman alguma vez ter tido uma entrevista para Portugal (o digga pode esclarecer melhor se estou a dizer alguma barbaridade), o que dá à coisa ainda maior relevo. Mas mesmo que não seja a primeira, são poucas as vezes em que se fala dos arquivistas como o Soulman ou como os Creators, pessoas que procuram discos, os encontram e, com eles, fornecem aos produtores a matéria prima para os beats que ouvimos desde a MTV à BBC à ZDB.

No entanto, e porque é uma entrevista de um digger para outro, há discos no texto que não são do conhecimento geral. Discos que, no meio dos produtores de hiphop, são muito conhecidos mas que ao normal amante de música nada diz. Por isso, e também como forma de enquadrar a entrevista, o Break da Semana desta semana vai ser sobre um dos breaks mais importantes da história do hiphop, break esse que foi referido pelo Soulman na entrevista que nos deu.




SKULL SNAPS - Skull Snaps (GSF, 1973)

Pergunta-se a qualquer pessoa que saiba da existência do disco dos Skull Snaps, quem são os Skull Snaps e a resposta costuma vir assim : "Skull Snaps são uma banda desconhecida de funk que só editou um álbum". Mas não corresponde bem à verdade. Os Skull Snaps são, em primeiro lugar, uma das últimas encarnações dos Diplomats - com tudo o que isso implica para o som do álbum. É que os Diplomats foram uma banda de Washington D.C. intimamente ligada aos grupos vocais de soul e r'n'b dos anos 50. Tiveram, com as canções escritas por Van McCoy, alguns sucessos nos charts e temas mais ritmados como o "Cards on the table" [audio] foram considerados verdadeiros clássicos, anos depois, na cena Northern Soul.

E é desta herança do beat uptempo do "Cards on the table" que se consegue perceber melhor de onde vem todo este funk do Skull Snaps. Não que seja um disco tradicional de funk, não é. A associação entre o ritmo e a melodia vocal é constante e, numa altura em que o funk já se encontra mais amadurecido, é uma associação cuidada e adulta que temos no álbum. E é esta maturidade, patente em toda a organização do álbum, que ajuda a desmistificar a ideia de ser um álbum de estreia. A ser, era uma das estreias mais auspiciosas de sempre na soul e merecedora de um acompanhamento imediato por parte de uma editora, capaz de agarrar a banda a um segundo álbum que, infelizmente, nunca saiu (há rumores de uns singles noutra editora que não a GSF mas são apenas isso, rumores).


António Monteiro, um membro dos Diplomats que pediu recentemente a demissão do grupo.

Mas não é a música que atrai os beat diggers ao Skull Snaps, nem o facto de ser uma herança dos grupos de r'n'b dos anos 60, muito menos o facto de serem sucessores de um hit do northern soul. O que interessa no Skull Snaps a tanta gente ligada ao hiphop é o facto de o Skull Snaps ter um break. "Sim, ok, mas porque é que é tão especial?". Eu, por exemplo, gosto mais de breaks poderosos como o Doggone dos Love ao break dos Skull Snaps, mas a verdade é que, o break dos Skull Snaps tem, pela maneira singular como é tocado, qualquer coisa de muito diferente que o distingue imediatamente de todos os outros (coisa que dificilmente reconheceremos no break dos Love a não ser que o oiçamos centenas de milhar de vezes).

A altura é das melhores de sempre para breaks do hiphop (é 1973, altura em que saiu este break, o Apache dos Incredible Bongo Band, o Impeach the president dos Honyedrippers e o Jungle Boogie dos Kool & The Gang, tudo ligações da coluna vertebral do hiphop) por isso o break tem todos os astros para ser bom.

Mas como é que o Skull Snaps entrou para a história do hiphop? A história é curiosa e merece ser contada. A primeira vez que alguém ouviu o que toda a gente chama o "Skull Snaps Break" mas que é de facto um break na faixa "It's a new day", foi no disco do Stezo "It's my turn". No entanto, a verdade é outra. O que aconteceu foi que dois diggers e beatmakers, de nome Dooley-O e Chris Lowe, conseguiram acesso à cave de um vizinho. Foi na cave de "Boogie Down" Brown que Dooley-O e Chris encontraram, entre outros, o disco dos Skull Snaps, sem sequer perceberem muito bem o que tinham acabado de encontrar. Chegaram a casa, ouviram os discos e o break no Skull Snaps e, claro, deu para perceber que era utilizável.

Um primo de Dooley-O, chamado Stezo, entra na jogada e associa-se à produção daquilo que devia ter sido a primeira gravação de sempre com o Skull Snaps : o Watch my moves. Quando Stezo assina pela Fresh Records, o interesse da editora vai todo direccionado ao beat do "Watch my moves" e, claro, ao break. Mas Dooley-O recusa-se a fazer algo que não seja a canção tal e qual como está e abandona as negociações. Stezo, por sua vez, e sem o conhecimento de Dooley-O, vai a casa de Chris Lowe, pega no disco e faz um beat com o break dos Skull Snaps e edita-o na Fresh. A faixa chama-se "It's my turn" - que é a oficial primeira aparição do Skull Snaps no hiphop e lendária também por causa disso. O triste disto tudo foi que Dooley-O não recebeu crédito nenhum pela sua descoberta. Até que recentemente, a Stones Throw reedita o "Watch my moves", repondo, ainda que parcialmente, a justiça.



Para os realmente interessados, esta história está descrita, com muito maior detalhe e rigor, aqui. Resta referir que o Egon da Stones Throw deve muito ao Dooley-O, já que foi o Dooley-O que o tomou debaixo da sua asa, quando Egon era apenas mais um universitário interessado por discos. O facto de a reedição ser na Stones Throw ganha, assim, um significado mais humano, também.

BREAK DA SEMANATM : SKULL SNAPS - IT'S A NEW DAY [audio]