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HitdaBreakz

12/04/2004

MÚSICA PARA CINEMA # 3: PORN SOUNDTRACKS



Cena clássica 1:
Um detective privado volta-se e dispara um tiro com a sua Magnum contra os malfeitores que o perseguem antes de entrar no seu Camaro e acelerar em direcção à auto-estrada, onde as balas se cruzam à medida que se desenvolve uma perigosa “chase sequence”.
A música: secção rítmica rápida, baixo pulsante, guitarras “wah wah” em derrapagem e apontamentos dramáticos da secção de metais.
Cena clássica 2:
A menina inocente sai do duche no seu apartamento e dirige-se ao quarto envolvida apenas numa toalha, completamente alheia ao facto de não estar sozinha…
A música: violinos “pizzicato” acompanhados de acordes ao piano em registo grave e pesado.
Cena clássica 3:
Uma “cheerleader” abre as pernas ao máximo enquanto o “quarterback” mergulha de cabeça para receber o prémio pela vitória dessa noite.
A música: hum… whatever… soft country, electrónica anódina, soft rock…

A música para filmes pornográficos, convenhamos, é, geralmente, do pior que existe e uma verdadeira contradição – se pensarmos nisso – que obriga, quase instintivamente, quem sintoniza canais de cabo especializados ou aluga cassetes para visionamento caseiro a carregar na tecla “Mute” do telecomando logo após o início do filme. A contradição mencionada reside no facto de, com frequência, se tentar ilustrar cenas “hard” com música “soft”. A música, literalmente, não interessa e nunca poderá, pensam os produtores, substituir a sinfonia de “hums” e “ais” que, essa sim, serve de banda sonora aos filmes pornográficos.
Actualmente, na zona da Bay Area (San Francisco), Estados Unidos, existe uma Porn Orchestra, colectivo de músicos apostados em reescrever o equilíbrio entre imagens “x-rated” e música com um menu de improvisação moderna e sons de câmara que, imediatamente, coloca esta orquestra nos domínios da “avant garde” com lugar apenas em selectos espaços artísticos da zona. As performances da Porn Orchestra, escusado será dizê-lo, são acompanhadas de projecções ao vivo do género de imagens que lhe justificam o nome de baptismo.

Mas, durante um breve período – entre as décadas de 60 e 70 – o mundo da pornografia foi estranhamente permissivo a exercícios musicais mais audazes que permitiram a compositores estabelecidos, principalmente na “liberal” Europa, como Peter Thomas, Gert Wilden, Nico Fidenco ou Bruno Nicolai, escreverem música realmente audaz que hoje é rodeada de um culto crescente.
Talvez os compositores pensassem que os produtores não iam estar a olhar e isso lhes permitisse investir algum atrevimento nos scores. Talvez a atmosfera “libertina” tenha sugerido linhas de experimentação no estúdio. Ou talvez, e muito simplesmente, a coca que circulava abundante nos bastidores desse mundo tenha alargado as fronteiras aos músicos. O que é facto é que se produziram nessa época alguns discos de alta qualidade que hoje se encontram dispersos por etiquetas especializadas em reedições, como a Plastic, a Crippled Dick Hot Wax ou a Diggler.
Comum a todos os exercícios europeus de música para filmes pornográficos/eróticos do período mencionado é uma atmosfera de saudável experimentação. Provavelmente, os compositores pensavam – e com alguma razão de ser – que as imagens para as quais estavam a escrever eram tão fortes que bem podiam dar-se ao luxo de fazerem o que quisessem que ninguém iria reparar. Nesses casos o jazz e a soul eram, quase sempre, os pontos de partida para explorações musicais onde alguma tecnologia de ponta (estou a falar de Moogs, Arps, etc…) servia depois para aproximações a sonoridades mais exóticas (Brasil, África e Índia eram destinos musicais frequentes, com os ritmos dolentes da Bossa, as vincadas percussões do continente negro ou as “wild sitars” a revelarem-se perfeitos para ilustrar orgasmos no grande ecrã).
Algumas bandas sonoras para exercícios mais “soft” desta época, como a fantasia “lesbo” de Bilitis com música de Francis Lai (o mesmo de A Man and a Woman) ou o clássico dos clássicos Emmanuelle com partitura de Raymond Leffevre, tornaram-se mesmo lugares comuns no subconsciente aural da geração que viveu a adolescência no final dos anos 70. A música, no entanto, não adicionava nenhum argumento que ajudasse a explicar o escândalo de que foram rodeadas essas produções “soft” na época: música banal, com um ou outro toque de bossa adocicada e muitas, muitas cordas…

Do lado alemão da questão, Peter Thomas e Gert Wilden optavam por uma via de junção das possibilidades electrónicas da altura com a dinâmica da Big Band para criarem música inebriante, ritmada e verdadeiramente pulsante. Alguns dos “scores” de Peter Thomas para filmes eróticos estão disponíveis em Peter Scores (na Diggler Records), um conjunto de peças contaminadas de soul com a habitual e angular abordagem teutónica. Já Gert Wilden, no “soft classic” Schulmadchen Report, elevava a sua orquestra até ao ponto de ebulição impondo aos músicos um pulsar funk metronómico que, ainda hoje, garante resultados nas pistas de dança.
Mas foram os italianos, como Piero Piccioni, Nico Fidenco ou Bruno Nicolai – cujos nomes adornam dezenas de reedições hoje em dia e que podem começar por descobrir na série Beat at Cinecittà (que tem por subtítulo “a sensual homage to the most raunchy, erotic filmmusic from the vaults or Italians 60’s and 70’s cinema”…) da Crippled Dick Hot Wax – que levaram mais longe a ideia de compor para corpos nus em combustão lenta. Quase todos músicos com formação jazzística clássica, estes compositores aproveitaram as linhas de montagem (mais uma vez, não é piada…) da indústria erótica da época para levarem mais longe as suas visões onde a experimentação ajudava a contornar o pouco tempo que tinham para concluir os seus “scores”. A música resultante desse intenso trabalho era quase sempre extremamente viva, pulsante, com o tom luxuoso da grande orquestra a nunca se sobrepor ao apelo rítmico mais primário. Talvez por isso esses discos sejam tão populares entre os DJ’s que exploram o espectro “lounge” da música produzida no período 65-75.



Cena clássica 4:
Uma “bombshell” italiana geme profundamente enquanto um viril exemplo do legado genético dos legionários romanos vai em vem, entre os seus rins, com uma cadência selvagem.
A música? Fuzz guitars derretem-se por cima do sincronizado corpo da orquestra, com toda a secção rítmica a saudar a união de duas pessoas com o rigor marcial de uma batida repetitiva que explode em címbalos e solos de congas quando a “signora” já não aguenta mais e arremessa o seu corpo para trás com a violência do mais puro abandono.


PS: Mais recentemente, discos como Lialeh de Bernard Purdie ou a obra do maestro do porno sueco Tom Zacharias recolheram novos fãs através do mercado das reedições que se alimenta das descobertas efectuadas no mundo do diggin. Em ambos os casos, o funk é a receita para scores carregados de acção horizontal.