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HitdaBreakz

12/11/2004

LIBRARY RECORDS - UMA INTRODUÇÃO




O universo da Library Music é um dos mais fascinantes e mais complicados de penetrar para qualquer digger. As razões são simples: por comparação com, digamos, o mundo dos Funk 45s, à raridade acrescenta-se o facto destes discos não terem sido produzidos para os circuitos normais. Ou seja, um single raro de funk pode ter sido produzido em quantidades reduzidas, mas os diggers sabem que os poderão procurar em lojas, antigos armazéns de distribuidores ou na posse dos próprios músicos que os produziram originalmente. No mundo da Library Music o caso muda radicalmente de figura.

Mas o que é afinal a Library Music? Com o aparecimento da televisão comercial nos anos 50, uma série de gente que estava envolvida no negócio da música, pelo lado do publishing essencialmente, viu aí um novo mercado a despontar. Todos aqueles novos programas – e até a publicidade que surgia nos seus intervalos – necessitavam de música para os genéricos, para as diversas rubricas, enfim para sustentar os conteúdos produzidos. Obviamente, não era possível a cada programa manter um grupo ou orquestra para criar a música necessária. O que era realmente importante era conseguir obter uma fonte de música pré-gravada que fosse encaixável nos ambientes explorados por programas desportivos, séries de ficção, documentários de ordem variada, séries de entretenimento e humor, blocos de debate, etc. O mundo da televisão – e o da rádio e o da publicidade – é muito rápido e não se compadece com os rigores da produção artística. Ou seja, depois de concluído, um documentário específico não poderia estar muito tempo à espera que um certo compositor escrevesse a partitura que ilustrasse musicalmente o assunto explorado em imagens. Tanto mais quanto os orçamentos de muitos destes conteúdos televisivos era baixo e de todo incompatível com grandes produções em estúdio. Foi para suprir estas necessidades que uma indústria de Library Music se começou a agitar nos anos 50.

Editoras como a KPM tinham as suas raízes no século XVIII em negócios de venda de instrumentos que foram evoluindo com os tempos para incluir venda de papel de música, bilhetes para teatro, etc. No caso específico da KPM, uma das mais famosas editoras deste ramo, o negócio poderia mesmo ser investigado até 1780, quando o senhor Robert Keith se instalou perto de Oxford Street para vender instrumentos de sopro. Os seus descendentes viriam a continuar no negócio e em 1950 Keith Prowse estabeleceu a Keith Prowse Music, uma companhia de publishing que é o antepassado directo da KPM. A Reddifusion, uma etiqueta comercial, envolveu-se no negócio até que em 1959 adquiriu igualmente a Peter Maurice, outra companhia de publishing, e da união das duas nasceu a KPM (Keith Prowse Maurice). A Reddifusion nesta altura percebeu que havia uma procura mundial de boa música pré-gravada para utilização em televisão, mas também rádio, cinema, publicidade, etc. Por isso, em 1960 lançou a série KPM 1000, ainda hoje avidamente procurada por coleccionadores de Library de todo o mundo.

A distribuição dos LPs da série 1000 da KPM, como de outras Libraries, era feita por subscrição a produtoras de TV, estações estatais de televisão, cadeias de rádio, estúdios de publicidade e as suas agências, produtoras de cinema, enfim, a quem deles pudesse necessitar. Quando uma destas entidades escolhia uma determinada peça musical para usar contactava a companhia de Library em questão e assinava um contrato de publishing que, em todo o caso, seria sempre bastante mais barato do que encomendar uma obra a um compositor e pagar a músicos e a um estúdio para a gravarem.

Para facilitar a vida aos seus clientes, as companhias de Library Music, como a KPM, a DeWolfe, a Bruton ou a Conroy, para citar apenas alguns exemplos, organizavam os LPs de forma temática, incluindo nas capas sempre uma descrição do tom da música. Então poderiam encontrar-se LPs com títulos como Industrial Activity ou Summer Vacations e neles faixas descritas como “fast paced theme with heavy rhytmic underscore” ou “medium tempo number, with a bossa nova like atmosphere”, dependendo do caso. Foi, obviamente, a este universo que os Cool Hipnoise se foram inspirar para o seu Música Exótica para Rádio, Filmes e TV, incluindo até uma frase que indentificasse cada um dos temas do seu álbum, como nos Lps de Library.

Neste universo despontaram inúmeros músicos e compositores criativos que tinham a capacidade de entrar em estúdio e, num curtíssimo espaço de tempo, gravar sessões inteiras que obedecessem às instruções impostas pelas empresas de Library Music que os contratavam. Músicos/compositores como Alan Hawkshaw, Keith Mansfield, Brian Bennett, Janko Nilovic ou Nino Nardini, para citar apenas alguns. Mas outros, de universos exteriores, como o jazz, a experimentação electrónica ou até de círculos próximos da pop, também gravaram discos para libraries: gente como Neil Ardley, Dave Vorhaus ou até Peter Thomas e Les Baxter. Em estúdio, e porque era necessário trabalhar rapidamente, eram sempre acompanhados por músicos de primeira que entendiam de forma quase telepática as direcções que os compositores queriam seguir. Este ambiente rendeu várias obras primas que, em anos recentes, começaram a ser compiladas e inspiraram uma geração de produtores.

Em meados dos anos 90, muitos produtores de Hip Hop, ao sentirem que os filões do jazz, da soul e do funk começavam a ficar esgotados, procuraram novos tipos de música para explorar com os seus samplers e foi aí que se deu a explosão da Library Music, rapidamente aproveitada por editoras como a BBE ou a Strut que dedicaram compilações a editoras como a DeWolfe, a Bosworth e a KPM. Depois, músicos como Barry 7 (em Barry 7’s Connectors) ou Luke Vibert (em Nuggets) organizaram igualmente as suas próprias compilações que reflectiam as suas explorações pessoais no mundo das Libraries.

Nos tempos que correm, os discos de Library Music podem atingir as largas centenas de dólares e editoras como a KPM, a Themes, a MP2000 ou a DeWolfe são coleccionadas com afinco por todos aqueles que querem conhecer mais fundo as malhas do groove. É que muitos dos discos destas editoras foram produzidos a pensar em séries policiais, em cinema ou simplesmente para reflectir os tempos e por isso incluem músicas carregadas de breaks, com linhas de baixo aguçadas e arranjos realmente funky!

Hoje em dia já é possível encontrar os originais, principalmente em sites como o Ebay, porque há muito que dealers especializados “atacaram” os arquivos de estações de rádio e televisão à procura destes discos, colocando-os no mercado. Mas uma porta de entrada mais fácil neste universo será, certamente, através das compilações. Há várias e de espécie variada. Vamos apontar cinco:

5 COMPILAÇÕES DE LIBRARY MUSIC


NUGGETS - LUKE VIBERT'S SELECTION (Lo Recordings 2001)
Luke Vibert foi nitidamente inspirado pela música exploratória das editoras de Library Music e demonstra-o com uma interessante colecção de temas rebuscados nos arquivos da Chappell, da Southern, da iM e da PIL onde se descobrem nomes como os de Roger Roger, Nino Nardini e Eddie Warner.

MUSIC FOR DANCEFLOORS - THE CREAM OF THE KPM GREEN LABEL SESSIONS (Strut, 2000)
Amostra do catálogo da KPM durante a série 1000, com obras de nomes gigantes como Alan Hawkshaw, John Cameron, Duncan Lamont, Les Baxter e Alan Parker.

MUSIC FOR DANCEFLOORS - THE CREAM OF THE CHAPPELL MUSIC LIBRARY SESSIONS (Strut, 2001)
Outra etiqueta, desta vez a Chappell, explorada com o mesmo rigor. Inclui obras swingantes de gente como Johnny Hawksworth, Mark Duval, Roger Webb, Sven Libaek ou John Scott.

BITE HARD - THE MUSIC DEWOLFE STUDIO SAMPLER 1972-80 (BBE, 1998)
A BBE foi uma das primeiras editoras a acordar para este fenómeno com a compilação que dedicou à DeWolfe que inclui música incrível de gente como Keith Popworth, Alan Hawkshaw, Alan Parker e Nick Ingman.

BARRY 7'S CONNECTORS (Lo Recordings, 2001)
Barry 7, dos Add N to X, recebeu o mesmo convite igualmente dirigido a Luke Vibert para explorar os arquivos da Chappell, Southern e PIL e sugeriu uma excelente colecção de temas com assinaturas de gente como Nino Nardini, Paul Guiot, Eric Peters e Anthony King.

5 FAIXAS PARA DOWNLOAD

Entretanto, e em jeito de amostra, ficam aqui cinco faixas de outros tantos álbuns de diferentes editoras de Library Music, para aguçar o apetite para mais investigações neste universo. Em breve contaremos explorar por aqui mais a fundo exemplos particulares de editoras e compositores deste mundo muito vasto de Library Music.

1. Alan Parker - Heavy Water (do álbum da KPM, Afro Rock)
2. Nick Ingman - Thrust (do álbum da DeWoilfe, Big Beat)
3. Walt Rockman - His Masters Toys 1 (do álbum da Conroy, Moog Moods)
4. Dennis Farnon - Night Express (do álbum Chappell, Sugar and Spice)
5. Brian Bennett - In Danger (do álbum da Bruton, Drama Montage vol. 1)