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HitdaBreakz

12/16/2004

ENTREVISTA : NEPTUNES




SCRATCH : Como é que definem um tema pop clássico?

CHAD : Um tema pop clássico é um tema com algumas décadas em cima e que podemos tocar para os putos de hoje e eles adoram, mesmo que nunca o tenham ouvido antes. Cantarolam o refrão. O nosso amor por discos desses dessa altura é visível em tudo o que fazemos hoje. Nós tentamos capturar a essência desses discos de que gostávamos há muito tempo.

PHARRELL : Para mim, um tema pop torna-se um clássico quando toda a gente gosta dele. Enquanto crescia, pop era tudo. Pop era "One more night" do Phil Collins, ainda era o "Billie Jean" [do Michael Jackson], era a Madonna, era o Prince. Transmitiam sensações às pessoas.

Nós chegámos a uma conclusão a que 95 por cento da indústria musical não chegou. Que o nosso verdadeiro trabalho é dominar o monstro. Percebes o que quero dizer? Se a pop não vale nada, muda a pop. A pop já não é assim tão má agora! Estava toda lixada há cerca de 5 ou 6 anos. Nessa altura, nós e mais algumas outras pessoas pensávamos "Que se lixe, nós vamos mudar isto." Por isso, tivémos de a atacar. Se quiseres mesmo saber, é isso que eles não sabem.

O propósito de alguns discos é catapultar-te para onde queres ir. Depois, quando já estiveres no top 40, mantém-te lá o mais tempo possível, e, depois de lá estares, dá para facilmente manteres a tua base de apoio. E é nessa altura que podes experimentar algo de novo. Tens é de não ter receios de experimentar algo de novo. É isso que fazemos constantemente. Não olhamos para o nosso sucesso e dizemos "Sim, conseguimos!". Porque não conseguiste! Hoje é um novo dia. Ontem, conseguiste mas consegues chegar lá hoje?

SCRATCH : É sempre o vosso objectivo fazer um tema pop ou vocês pensam às vezes "isto vai ser o meu tema de grime, o meu tema da rua ou o meu tema de clube"?

PHARRELL : Eu só chamo a um tema "pop" quando toda a gente o entende. Não lhe chamo pop porque é limpinho ou tem uma certa sonoridade. Chamo-lhe pop porque acho que vai ser um tema popular e isso é baseado no facto de toda a gente o entender. E quando acho que a maioria das pessoas não o vai entender, tem de soar tão bem, ser tão louco, para lhe chamar um tema grimy underground. E mesmo nessa altura, acho que deve ser tão tão bom que se exija mais do disco do que ser apenas mais um disco abre aspas fecha aspas "grimy".


Os Clipse

SCRATCH : Que discos é que fizeram que entram nessa definição?

PHARRELL : O primeiro álbum dos Clipse, por exemplo. Os Clipse confiam em nós. Às vezes, quando mostramos novas ideias a alguém, elas são demasiado ousadas para quem as ouve. Isso acontece 40 por cento das vezes. São demasiado ousadas - parecem algo tão futurista para elas que as rejeitam. Por isso, tentamos dá-las a outros artistas. O engraçado nisto é que o artista que recusou o beat por ser demasiado ousado, a maioria das vezes, quando ouve o mesmo beat noutro artista, para além de não o reconhecer como o beat que foi rejeitado, ainda nos liga a perguntar "Por que raio é que não me deste algo assim?!" Eles ouviram aquilo da primeira vez e nem sequer ligaram e agora já gostam. Nós tentámos que eles vissem a beleza naquele beat, e, consequentemente, que vissem a beleza neles próprios. Mas não viram. É como quando estás a olhar para uns ténis novos e dizes "Não, não gosto deles", mas quando os calças ou quando vês outra pessoa qualquer com eles dizes "Lindos!".

Existem só algumas pessoas que são suficientemente corajosas para chegar lá. Como no novo Snoop [Doggy Dog], "Drop it like it's hot," é um som diferente daquilo a que estamos habituados no Snoop, mas ele é um tipo que confia em nós. O Busta é outro.

SCRATCH : Há outros artistas com quem vocês estabeleceram uma relação especial?

PHARRELL : Com o Jay-Z, porque ele é mesmo um amante de música. Ele ama mesmo a música e gosta de se orientar pelas mesmas coisas pelas quais nós nos orientamos. Outra pessoa que tenho que referir é o Puff [Daddy ou Diddy ou P. Diddy, como quiserem]. O Puff deu-nos a mão quando nós não tinhamos um chavo, apenas e só porque ele se movia pela música. Muitas outras pessoas por quem tenho um carinho especial. Posso continuar, se quiseres.

SCRATCH : Quanta é a influência que os vocalistas com quem vocês trabalham tem na música? Eles entram e escolhem sobre o que é que vão cantar?

PHARRELL : Nós, habitualmente, só lhes mostramos uma canção, seja o que for que a gente tenha criado para aquele artista em concreto. Se eles não gostam mesmo do tema, então podemos mostrar-lhes outras coisas. Pode acontecer teres uma canção que não tinhas conseguido colocar antes e apercebes-te que é perfeita para aquela pessoa. Não é normal teres que mudar muita coisa num beat para outra pessoa. O que é importante é que seja algo que eles nunca tenham ouvido. Não apenas a faixa mas fazer com que, no geral, seja um som totalmente novo para eles. É isso que adoramos fazer mas a maioria das vezes recebemos respostas tipo "Bom, porque é que não me dás algo parecido com aquilo que deste ao Snoop?".

SCRATCH : Vocês fazem os refrões e tudo?

PHARRELL : Fazemos tudo! Beat, refrão, tudo. Já ouvi vários entrevistadores a protestarem "Bom, quantas mais músicas é que vocês conseguem fazer sobre sexo ou sobre o rabo grande de uma míuda?" Eu olharia para uma mulher que me perguntasse isso e dizia "Ok, quantas vezes queres que um homem tenha sexo contigo? Todas as que te apetecerem, certo? E pensas sempre na mesma coisa quando tens sexo? Claro que não! Por isso, são essas as vezes que conseguimos fazer temas sobre um grande rabo ou sexo. É tudo uma questão de perspectiva. E, sim, há mais gente a fazer isto mas, por amor de Deus, o Prince fez a carreira dele toda sobre sexo. Agora, a questão é, estarei interessado em fazer o mesmo disco sempre? Não.

SCRATCH : Não estás interessado em te repetires?

PHARRELL : É isso mesmo. Estou interessado na mudança. Só isso te vai manter aqui. Não consegues fazer o "Slave 4 You" outra vez. Não consegues fazer o "Grindin'" outra vez.



SCRATCH : Talvez não consigas mas o que é que achaste do "Tipsy" [do J-Kwon]?

PHARRELL : Acho bem, eu gosto deles, acho que são talentosos. Para aquilo que fazem, são óptimos. É claro que pensamos "Usámos aquele sample de bateria há quê? Há quatro anos? Ou mais." Eu lembro-me que essa faixa foi feita na altura do milénio. Por isso, veres que as pessoas ainda usam esses samples de bateria é simpático. Não fiquei chateado.

[NOTA DO HdB : Aquilo que está a ser discutido aqui é o facto de o beat que os TrackBoyz fizeram para o tema "Tipsy" do J-Kwon ser um roubo descarado à produção dos Neptunes para os Clipse, no fantástico "Grindin'"]
SCRATCH : Numa nota semelhante, vocês reusaram um velhinho hook de r&b com 25 anos, o "Give it to me" do Rick James e conseguiram um hit com isso.

PHARRELL : Considero isso uma vénia ao Rick James. O Rick James viu isso dessa maneira também.

SCRATCH : Vocês costumam receber pressões para não aparecerem tanto nos temas que fazem para outras pessoas?

PHARRELL : Nós tentamos fazer isso! Mas posso-te dizer uma coisa? 90 por cento das vezes, quando me ouves a cantar é apenas suposto ser vozes de referência! Estou apenas a tentar explicar como é que o hook deve ser. E depois eles dizem "Não tires isso, queremos que fique." E isso é bom e gratificante, mas nunca é essa a minha intenção, de cantar nos temas. A intenção é transmitir ao artista o sentido que nós entendemos que o tema deve seguir. A maioria das vezes, eles querem que eu fique no tema, o que não é muito bom, se fores a ver bem as coisas, porque eu não posso aparecer em todos os temas. Eu estou agradecido, não entendas mal. Mas é isso que eles pretendem e que pedem e eu estou agradecido mas, como te disse, não é essa a minha cena.

SCRATCH : Então qual é a tua cena? O que é que te inspira?

PHARRELL : Há duas coisas que me dão muito gozo. Uma, é ouvir uma progressão de acordes que me deixe "Que raio é que foi isto?!". É essa a minha cena, o que me dá prazer. Não podes comprar isto. A outra é entrar no estúdio, não saber em concreto o que vou fazer, sentar-me e andar à minha maneira pelo espaço etéreo e apanhar algo. Depois, é só focares-te nesse pequenino algo. Trabalhares nele, esculpi-lo, fazer algo dele.

SCRATCH : Tu, basicamente, tens aquele momento de inspiração onde te aparece o esqueleto da canção e depois é só uma questão de a refinar.

PHARRELL : Sim. Começa com algo básico. Pode ser um som de bateria, uma progressão de acordes, seja o que for. Um de nós encontrará algo para começar o tema nessas coisas simples e depois o outro vem e vai acrescentando algo.

CHAD : O Pharrell é que é o compositor. Eu sou muito mais um fazedor de beats, um produtor. Às vezes, venho e só mexo no reverb ou no EQ ou algo parecido. E às vezes, basta isso para alterar todo o sentimento do tema e fazer com que o tema encaixe. Não temos funções definidas, nós os dois. Às vezes, as canções precisam de algo aqui e ali, outras vezes não precisam de absolutamente nada. Quando o conheci, ele era um baterista e eu um teclista e aprendemos um com o outro ao longo destes 10 anos de trabalho em conjunto.

PHARRELL : É, definitivamente, um esforço conjunto. Eu consigo dizer-te o que é que eu pretendo mas nunca tirei o tempo para aprender a mexer em muitos destes equipamentos. Oriento-me bem na mesa de mistura mas não num computador. O que é engraçado é que eu prefiro trabalhar assim [com o Chad na produção] porque sou preguiçoso. O Chad, se quisesse, podia ser editor de Pro Tools para o resto da vida.

CHAD : Mas não quero! (risos)



SCRATCH : Vocês têm usado basicamente o mesmo equipamento ao longo dos anos como base do vosso som, o Korg 01/W e a Ensoniq ASR-10, mais alguns outros módulos de som.

PHARRELL : Mas isso vai mudar. Todo esse equipamento que temos usado, vamos deixar de os usar e vamos passar para outro nível. É tempo de mudar. Dá-me mais um mês e vamos estar noutro nível diferente. E só te digo isto : um traficante de droga, quando começa, usa a esquina de outro traficante. Mas quando cresces, vais ter de ter a tua própria esquina. Nós temos usado os teclados de outras pessoas, agora é tempo de deixar esses teclados.

SCRATCH : Então vamos ter um Korg Triton modelo Neptunes no mercado? Com quem é que vocês estão a trabalhar?

PHARRELL : Não te posso dizer. Gostava de te dizer, isso gostava. Estamos a trabalhar em algo. Não te posso é dizer com quem.

SCRATCH : Bom, deixaste-nos com água na boca. Mas voltemos à composição. Conta-me como é que fazes os hooks, como é que surgem? É que já criaram uns hooks memoráveis.

PHARRELL : É simples. Quando estamos a fazer o beat, encontramos três ou quatro partes que nos tocam, que nos motivam, e dessas, aquela que nos fizer sentir melhor, é o hook.

SCRATCH : Vocês alguma vez usaram samples de outros pedaços de música ou é sempre presets do teclado?

PHARRELL : A única vez que usámos um sample foi uma guitarra e usámo-la no "Use your heart" [das SWV]. E os sopros do "The Funeral" [dos Clipse], que veio do "God bless the child" dos Blood, Sweat and Tears.

CHAD : Muitos dos sons dos teclados são alterados. O Pharrell vai ouvindo sons do teclado para ver qual deles gosta mais e, quando encontra um som de teclas que lhe agrade, usa-o. Só que muitas vezes eu altero o som.

SCRATCH : Ou seja, vocês criam uma sequência e depois vão experimentando com sons diferentes, a ver qual dos sons é que fica bem na sequência?

PHARRELL : Geralmente, mantemos os sons da bateria. Costumam estar no ASR-10, porque estou habituado a ele. Mas posso ter um pedaço que fiz nas teclas e o Chad vem e encontra um som melhor e retoca-o. Por exemplo, eu posso ter feito uma linha de baixo e o Chad chega e encontra um som Moog que encaixa melhor no tema do que aquele que eu tinha encontrado.

SCRATCH : Quanto é importante no som dos Neptunes gravarem instrumentos tocados ao vivo para os temas que fazem (em vez de sequenciarem)?

PHARRELL : Eu diria que somos dos raros músicos que tocam instrumentos ao vivo para gravações de temas. Tens os Roots, tens a Jill Scott que tem muitos instrumentos tocados ao vivo no novo álbum dela. Mas não há muitas músicas que passem na rádio que o façam. Se eu tivesse a oportunidade, se eu conseguisse que as pessoas aceitam isso melhor, provavelmente tocaria muito mais instrumentos ao vivo. Eu tento sempre fazer com que os sons pareçam serem tocados ao vivo. Aquele tema do Nelly ["Flap your wings"] é todo sequenciado mas, quando ouves, não tens a certeza, não é? Mas fizémos isto [tocar ao vivo] noutros projectos. E fizémos isto muito mais do que pensam. Todas as cenas no álbum do Justin Timberlake são ao vivo.

SCRATCH : Quando estás a fazer um tema, pensas em como soará num clube?

PHARRELL : Não. Para nós, estar no estúdio é como estar num clube. Se te faz querer dançar no estúdio, sabes que também te vai querer fazer dançar no clube.

SCRATCH : Chad, lembro-me de me dizeres que costumavas tocar como dj na praia de Virginia. E tu, Pharrell, tocas como dj?

PHARRELL : Não.

CHAD : Mas à tua maneira, foste dj. O Pharrell trazia discos a minha casa, quando eu não estava ainda muito dentro do funk e da soul. Ele aparecia com discos e nós samplávamos cenas. Talvez não seja propriamente trabalho de dj, não havia scratching nem nada parecido, mas ele estava a escolher discso e a ser um connoisseur musical. Ele aparecia com cassetes de coisas que ele metia em loop ou samplava. Só sons marados, loops e ideias. Por isso, à maneira dele, e mesmo que ele não pense que é dj, ele tinha aquela atitude de dj, seja por escolher o disco e procurar nele um certo vibe.

SCRATCH : O Clones tinha muitos vocalistas convidados de peso. Estão interessados em fazer um disco Neptunes sem convidados? Apenas vocês os dois?

PHARRELL : Acho que eventualmente, dentro de um ano ou dois, vamos fazer um álbum instrumental.

CHAD : Bom, nós tentámos fazer um disco a solo. Chamava-se N.E.R.D.

PHARRELL : Não estou a ver outro álbum N.E.R.D. Foi um álbum que me deixou com um trago muito amargo na boca. Demos tanto àquele projecto mas todas aquelas más decisões da nossa editora, a Virgin, estragaram o disco. Nós não somos um grupo rock nem sequer um grupo hiphop. Por isso, isto não era um disco para a Hot 97 ou para a K-Rock. A editora devia ter-se concentrado nas universidades [e respectivas rádios]. Olhando para trás, é isso que penso. Se a Virgin tivesse ar no espaço entre as orelhas, era possível que fosse mais inteligente. A sério.

Agora que já passou tudo, nem me chateio muito com isso porque o disco N.E.R.D. é visto com algo underground. Nós é que usámos os nossos poderes como produtores para o esfregar na cara das pessoas. O N.E.R.D., sendo underground como é, faz com que ter-mos ido ao Regis and Kelly seja fantástico.



SCRATCH : Vocês não acham que são demasiado grandes para terem um disco underground?

PHARRELL : Não, acho que esse disco demonstra como não temos receios. Não temos receios de ser humildes e de mostrar a apenas um grupo de pessoas algo de diferente. Nós amamos o que fazemos mas, no final do dia, isto não é assim algo de tão sério. Só fico chateado quando acontecem coisas como aquilo que aconteceu com a Virgin. Algo que me faça sentir impotente, que eu não seja capaz de mudar. Mas eu acho que isso é a maneira que Deus tem de me lembrar que ser humilde não é ser humilde apenas quando não precisas de o ser. Às vezes, ser humilde significa mais quando tu não tens escolha.

Nós temos sempre em vista para quem estamos a fazer isto. Estamos a fazer para as nossas pessoas. Para os backpackers. Para os esquecidos, aqueles que não recebem muita atenção. Não olho para mim como o grande senhor. Olho para mim como sendo a formiga de 900 libras [qualquer coisa como 400 quilos]. Sou um gajo pequeno mas sou grande como tudo, apenas e só porque alinhei com as pessoas certas e fiz-lhes boas coisas.

Esta entrevista pode ser lida na sua versão original em inglês no nº 412 da revista SCRATCH (Inverno 2004).