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HitdaBreakz

11/27/2004

O FUNK É MESMO BOM


O género "funk" é um género complicado para quem vive em Portugal. Não encontramos discos de funk quando fazemos diggin', não é normal haver bares onde possas ouvir funk, não existe muita gente interessada no género, como acontece com outros géneros da mesma época (estamos a falar dos anos 70). E, claro, isto é mais do que compreensível. Portugal não é propriamente um país devoto do funk, nunca foi. Quando o género atingiu a sua maturidade (estamos novamente a falar dos anos 70), nomes como os Meters eram (e, infelizmente, continuam a ser...) perfeitos desconhecidos no país, quando, do outro lado do oceano, o Cissy Strut e o Sophisticated Cissy atingiam, ambos, o Top 40 da Billboard para os melhores de 1969.

Mas a importância do funk em toda a música que se faz hoje é, talvez, a maior razão para que qualquer verdadeiro melómano tenha interesse por aprofundar os seus conhecimentos sobre o funk. Só de pensar que o hiphop de hoje não faria sentido sem um break de funk, só de pensar que o disco mais não é do que uma evolução sonora do funk, só de pensar o que tanta da música de dança de hoje, do house ao techno, do drum n'bass ao broken beat deve ao funk, faz com que tenha todo o sentido entender afinal que raio é isto do f-u-n-k. E não é exagero meu, basta ouvir o Humpty Dump das Vibrettes para ouvir o baixo em modo repeat ou a tarola da bateria e reconhecer nele tanta coisa recente. É que, mais do que sons, o que o funk deu ao século XXI foi a atitude, foi a maneira de chegar ao ritmo puro, à maneira de fazer dançar as pessoas. Porque é isso o funk, é a pedra filosofal para quem quer fazer dançar.

Por perceber que exige um duplo esforço para quem cá vive (foi o que aconteceu, com toda a certeza, com todos aqueles que decidiram tentar desvendar os mistérios do funk) para entender o género, o hitdabreakz vai ajudar a divulgar alguns dos discos marcantes do género para que, com a ajuda dos instrumentos habituais para quem quer descobrir música, possam ter uma ideia mais homogénea sobre o que é o funk ou a que soa mesmo um disco de funk. Vou introduzir aqui discos que são verdadeiros clássicos e outros não tão óbvios para quem não conhece o género, todos eles importantes para a definição daquilo a que chamamos funk. Aqui vão uns quantos por agora e, ao longo dos tempos, serão introduzidos outros, quer por mim quer pelo Digga.




Eddie Bo - Hook n' sling (Scram)

O Eddie Bo é um dos nomes mais importantes do funk e o facto de ser de Nova Orleães, a casa-mãe do género, dá-lhe a legitimidade que faltam a tantos outros mestres do funk. Este Hook n' Sling é não só importante (porque belo e original) mas, felizmente, um dos discos mais comuns do funk, fundamental em todas as discografias sérias do género. Por ser tão comum, não é disco para custar mais do que 10 euros. E com um break tão bom, o que são 10 euros?




Vibrettes - Humpty Dump (Lujon)

Um dos mais importantes breaks do hiphop, esta banda era um colosso de ritmo. Tem um break de bateria capaz de fazer tremer uma casa e uma linha de baixo tão simples tão simples que até mete impressão como as coisas simples são tão eficazes. As Vibrettes eram um grupo de meninas a que seriamos seriamente incapazes de associar a um monstro do funk como este disco. Mas se vos disser que o responsável pelo bicho que é o Humpty Dump é o Johnny Otis, talvez o caso mude de figura. "Johnny Otis? Quem é esse?" Bom, o Johnny Otis é uma daquelas pessoas muito importantes no mundo musical mas de que pouca gente fora dos Estados Unidos ouviu falar. A sua principal relação com o público é enquanto disc jockey da rádio, com um programa de rádio que já dura há 50 anos, o "Johnny Otis Show", programa responsável pelo lançamento de muitos e muitos grupos de rhythm and blues. Mas não é só como dj que o seu nome é reconhecido. Como compositor, produtor e líder da Johnny Otis Band, deu a conhecer ao mundo a voz da Esther Phillips, que se estreou aos 13 anos com ele. Só por isto, a sua estrela na Rock & Roll Hall of Fame é mais do que merecida - a Esther Phillips é uma diva com d grande. Mas sem Johnny Otis, não ouviriamos falar de Hank Ballard ou de Jackie Wilson. Ou das Vibrettes, como é o caso. O disco não é impossível de arranjar mas o facto de ser um dos mais importantes discos de funk do período faz com que muita gente o queira ter e, obviamente, o preço seja mais elevado.




The Chefs - Mr. Machine (reedição Funk 45)

Enquanto raridade, não podemos ir mais longe do que isto. Os Chefs são uma banda de Milwaukee que editaram este disco de puro puro funk mas nos números errados para o incrível disco que é. É que só existem 500 cópias deste disco no mundo inteiro e a procura tem mais uns zeros. Nem falo em preço porque este verdadeiro holy grail do funk não aparece pura e simplesmente no mercado para meros mortais do funk como eu, antes é trocado entre os deuses por ou várias rodelas de vinil igualmente imortais ou por mais euros do que tenho na conta bancária no próximo ano. "Mas é um disco caro porque é raro ou é alguma coisa de especial?" Bom, o facto de o Jazzman Gerald ter reeditado este disco permitiu a que os mero mortais o tenham em casa e o possam ouvir e dizer do alto da sua sapiência mortal de que, de facto, é um disco essencial. A guitarra é o ponto fulcral de todo o disco, fazendo, a espaços, lembrar os Meters. Mas diferentemente dos Meters, mestres na colocação de som no silêncio, o que temos nos Chefs é uma barreira sónica onde não há um espaço do espectro sonoro que não esteja preenchido por som. E o resultado é enorme, uma muralha sónica de ritmo, principalmente quando o guitarrista se liberta mais das suas referências meterianas para levar o tema a um patamar mais próximo de um loop de rock psicadélico do que de funk.


Rufus Thomas - Do the funky penguin (Stax)

Santo Deus! Este disco é inacreditável! Acho que não há uma vez que oiça isto e não consiga vibrar com todo o f-u--n-k que Rufus Thomas consegue meter na sua voz e à qual a banda dá uma monumental ajuda. Não conheço muitos discos de funk tão perfeitos como este, em termos de diversão. Ainda por cima, sendo editado pela Stax, é dos mais simples de encontrar. Eu comprei a minha cópia cá em Portugal, numa feira do disco qualquer, por 5 euros. Dos 5 euros mais bem gastos de todos os tempos.

Lunar Funk - Mr. Penguin (Bell)

Já que estamos numa de pinguins, este é outro disco de que gosto muito. Não é um disco fundamental mas define bem o som do funk mais simples - um hook repetido quase em loop e progressivamente sendo complementado por outros sons. Tem um break de palmas no meio, para os interessados em samples de palmas. Não se riam... arranjar salvas de palmas boas é das coisas mais difíceis de se fazer, como o Kanye West bem sabe.




Mickey & The Soul Generation - Iron Leg (Maxwell)

Grande grande disco de funk. Os Mickey & The Soul Generation têm um estilo de funk pouco convencional, quer na maneira como o seu funk se torna uma jam quer na maneira como os sons dos instrumentos se colam ao tema. E é isso que lhes dá o charme que têm. Não se afastam do funk mas a sua abordagem diferente quer aos sons quer à maneira mais... como digo isto?... séria, talvez, como tocam os temas, faz com que o som dos Mickey & The Soul Generation seja referenciado por tudo o que é coleccionador de funk. E, ainda recentemente, uma editora "muito ligada" ao DJ Shadow (para não dizer que é dele), a Cali-Tex, compilou todos os temas desta banda de funk para que, de uma só ouvidela, os possam escutar, sem terem de pagar o algum dinheiro que é preciso dar por todos esses discos. Este Iron Leg é um disco conhecido e podem encontrá-lo a um óptimo preço. Há uma outra história curiosa relativamente ao Iron Leg. Numa noite, no início dos anos 90, no Waterman's Art Center, em Brentford, Pete Tong e Paul Oakenfold tinham acabado de regressar de Ibiza com todos os clássicos do acid house, coisas como o Acid Track do DJ Pierre (nota para mim : fazer um especial acid house nem era mal pensado) e estavam a mostrá-los às pessoas. Como sabem, o acid house é caracterizado por linhas de baixo analógicas fortíssimas. Só posso imaginar a estupefacção para quem estava a ouvir acid house pela primeira vez porque sei a reacção que isso causa (para mim, foi amor à primeira vista, para os dois amigos que estavam ao meu lado, foi ir para o bar, ficar colado a ele e não sair de lá mais, com cara de seca e de "vamos embora") . E foi isso que aconteceu com Gilles Peterson e com Chris Bangs, que, coincidentalmente, eram os djs que iam tocar a seguir. Como sabemos, o acid house não é propriamente o som que associamos a Gilles Peterson e ambos os djs (que tocavam juntos) estavam meio atarantados com aquilo que iam tocar a seguir. O primeiro disco que o Gilles Peterson mete é este, o Iron Leg dos Mickey and the Soul Generation, só que vai mexendo no pitch do prato para cima e para baixo, acelerando e desacelerando o disco, para que pareça que está assim para o estragado. Chris Bangs pega no microfone (só Deus sabe o que estava um microfone a fazer ligado à mesa mas pronto, ainda bem que assim foi porque de seguida...) e diz "Que se lixe, se aquilo era acid house, isto é acid jazz". E assim nasceu o termo. Obrigado, Mickey and the Soul Generation.