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HitdaBreakz

10/02/2004

BLAXPLOITATION




A Blaxploitation é um camp vasto e generoso para qualquer digger, quer ele procure matéria prima para produção (breaks, loops, etc.) quer se interesse apenas pela qualidade da música. Afinal de contas, a Blaxploitation foi um veículo importante para as visões de gente como Curtis Mayfield, Marvin Gaye, Isaac Hayes ou Roy Ayers, qualquer um deles um incontornável nome da história moderna da música negra.
Muito graças à constante referenciação de bandas sonoras originais da blaxploitation na cultura Hip Hop, muitos dos discos mais importantes foram reeditados. E o site Blaxploitation é um bom sítio para se iniciar a procura desses objectos. Claro que para os exemplares mais obscuros, não há como a mais profunda dedicação de um digger convicto para garantir resultados...

BLACK IS BEAUTIFUL!!!

A Blaxploitation é ainda um género cinematográfico incompreendido, mas, ao mesmo tempo, profundamente amado, principalmente pela qualidade elevadíssima de música que gerou e que, na primeira metade dos anos 70, ajudou a cristalizar a identidade cultural negra nos Estados Unidos. Muito graças ao sampling da comunidade Hip Hop – que como será fácil de compreender se revê culturalmente nas marcas deste género – nomes como Isaac Hayes, Curtis Mayfield ou Willie Hutch viram os seus exercícios musicais para filmes da Blaxploitation serem constantemente reactualizados. Por outro lado, com a recuperação de um dos maiores ícones da Blaxploitation pela mão de Quentin TarantinoPam Grier, a estrela de Jackie Brown – esse universo regressou ao presente. Muitos dos títulos originais deste território estão agora a ser novamente disponibilizados em DVD o que nos oferece a oportunidade de voltar a olhar para a Blaxploitation e principalmente para a forma particular que encontrou para lidar com os estereótipos da comunidade negra e para a forma como sagrou o sexo no grande ecrã.
Antes, porém, só um pequeno enquadramento. Os anos 60 nos Estados Unidos foram uma época complicada: o caldeirão explosivo de Vietname, contracultura, drogas lisérgicas, Civil Rights Movement, Orgulho Negro, Malcom X e os Black Panthers, James Brown e Motown carregaram a comunidade negra para a alvorada dos anos 70 com um estado de espírito muito especial. De um lado da barricada, a comunidade negra sofria baixas pesadas sobre a sua identidade e o seu orgulho com os assassinatos de Martin Luther King e Malcolm X. Do outro, todo o remexer nas complexas questões de raça e identidade, do apelo ao orgulho na cor da pele, não encontravam grandes ecos em Hollywood. Mas quando a MGM se safou da falência com Shaft, escancarou a porta para a criação de um género que, pela primeira vez, colocava a realidade das “inner cities” no centro da acção. Literalmente.
Obviamente que filmes como Shaft, Superfly, The Mack, Cleopatra Jones, Foxy Brown ou Coffy e actores como Richard Roundtree, Ron O’Neal, Tamara Dobson e Pam Grier criaram novos modelos para a comunidade negra, habituada que estava a ter em Sidney Poitier o seu único representante nas colinas de Hollywood. O sucesso foi enorme. Em vez de uma versão “lavada” e “white approved” do homem negro para sempre associada ao actor Sidney Poitier, os negros americanos tinham agora heróis (ou anti-heróis) que falavam o calão das ruas, se mostravam exímios nas cenas de acção dentro e fora da cama e alteravam a até então ordem natural das coisas ao conseguirem vencer os maus ou vencer como maus.
Dois personagens-tipo emergiram imediatamente para ambos os sexos. No caso masculino temos o detective (“private dick” em inglês – irónico, não é?) atlético, com uma arma na mão e outra dentro das calças que distribui balázios ou orgasmos impecavelmente vestido (ou impressionantemente despido...) e sempre secundado por uma banda sonora vibrante – Richard Roundtree em “Shaft” com musica de Isaac Hayes; ou então o “pimp-hustler-dealer” às voltas para tentar não sucumbir ao “the man” enquanto despacha traidores e faz gemer as “ladies” (Ron O’Neal em “Superfly” com musica de Curtis Mayfield). Obviamente, os “brothers” passaram a dizer alto “I’m black and I’m proud”, seguindo o grito de guerra de James Brown. As “sisters”, por outro lado, tiveram que se elevar acima da condição decorativa que assumiam nalguns destes filmes e confrontar os “brothers” com algumas heroínas próprias. Também aqui dois tipos se destacaram: a “sexy” e generosamente dotada “hard working ghetto queen” capaz de usar os seus atributos físicos para defender aquilo em que acreditava e elevar a sua vida acima da miséria das ruas (Pam Grier em “Coffy” com música do mestre Roy Ayers); ou a super-heroína, generosamente dotada, treinada em artes marciais e capaz de rivalizar com James Bond (Tamara Dobson em “Cleopatra Jones” com música de JJ Johnson).
Politicamente, o género não se deu muito bem com a designação “blaxploitation” que poderia indicar a “exploitation” dos “blacks” pelo monstro de muitas cabeças – brancas – que era Hollywood. Na verdade, a Blaxploitation herdou o nome dos filmes de série-B dos anos 60 que se apoiavam em sub géneros – o “beach movie”, o “biker movie” ou o “horror flick” – para explorar audiências. As actrizes e actores negros norte-americanos, por exemplo, não interpretaram mal a designação de um género que, finalmente, lhes permitiu colocar um pé dentro da restrita porta da indústria de Hollywood.
E se, por um lado, muitos destes filmes eram apenas velhas histórias de acção traduzidas para a realidade negra, com o habitual e previsivel sub-desenvolvimento ao nível do argumento, por outro ostentaram com orgulho uma nova maneira de falar, vestir e até amar, nunca diluindo as marcas de uma cultura própria em favor de uma moral vigente. Ao nível da identidade – cultural, musical e sexual – a Blaxploitation gerou efeitos que ainda hoje se sentem na sociedade norte-americana. E, francamente, há estereótipos que nem vale a pena combater... “Black is Beautiful”, diziam as t-shirts da altura. Olhando, ainda hoje, para Pam Grier ou Richard Roundtree, ouvindo ainda hoje os discos de Marvin Gaye (Trouble Man), Barry White (Together Brothers) ou de Quincy Jones (They Call Me Mr. Tibbs) não
há como negar a veracidade dessa afirmação.

Texto de Rui Miguel Abreu originalmente publicado na Umbigo.