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HitdaBreakz

9/29/2004

SIMPLESMENTE LINDO




Nascido com o apelido Greene, Al Green decidiu que o seu grito do Ipiranga quando passou a ser artista a solo era tirar um "e" ao nome, dizendo adeus a um passado musical adolescente, em coros gospel com os irmãos e em bandas pop com os amigos, tentando soar mais aos seus ídolos vocais (dele e de muitos outros) Jackie Wilson ou Sam Cooke. Mas não dava, Green tinha uma voz única e o melhor era tirar mesmo partido dela. Tirar os ensinamentos que as vozes de Wilson, Cooke e outros lhe davam, aproveitar a versatilidade que a gospel e a pop lhe tinham dado à voz, e ser original, cantar com a sua voz. Sim, influenciada mas apenas isso, não copiando. Foi isto que Willie Mitchell, um dos vices da Hi Records, percebeu, mal ouviu a voz de Al Green e foi isso que lhe disse, enquanto Green assinava o seu contrato profissional com a Hi Records. E aos poucos, a voz de Green revelou-se: o seu falsetto nada estridente, antes calmo e preciso, um sussurro que parece um grito, uma capacidade incrível para dirigir a sua voz nas gravações, cantando para nós como se nós fossemos apenas os seus únicos ouvintes.

E se há álbum onde esta voz única pode ser melhor ouvida é neste, I'm still in love with you (Hi Records, 1972). Não que noutros não seja possível ver todos estas características (podemos) mas todo o tom mais calmo do álbum (afinal de contas, é um álbum de e sobre amor) permite à voz de Green o tempo necessário para se imiscuir nos arranjos e para deles se servir para sobressair. Mas não basta isto. É que Green possui aquilo que eu mais aprecio nos cantores soul: sentirem o que estão a cantar e serem capazes de transmitir essas emoções a quem os ouve. E não tenho dúvidas que Green conhece todos os passos do amor das letras que canta.

Mas falar neste álbum apenas do Al Green era estar a falar de 1/3 da história apenas. O álbum é, no seu todo, fortíssimo. Da excelente produção do próprio Willie Mitchell, puro conhecedor das capacidades vocais de Green, provavelmente o único capaz de perceber aquela voz e do que ela precisa para expandir. No entanto, não é só aí que Mitchell dá a Green um dos seus maiores álbuns. Onde Mitchell dá a Green tudo o que é preciso para fazer deste álbum o clássico que é, é na maneira como ocupa os espaços deixados livres pela voz de Green, e, mais difícil ainda, fazê-lo sem tirar um único centímetro à voz de Green. Mas não o faz sozinho, precisa do ritmo-está-lá-nota-se-mas-não-se-nota do baterista Al Jackson, que dá um toque soul a um álbum com grandes influências musicais sulistas. Sem esquecer, claro, umas cordas que, sem exagero, estão sempre no local certo à hora marcada com uma pontualidade britânica. E, para terminar, os backing vocals, suficientes para dar novo rumo ao disco, talvez aquele que mais beneficiou com as vozes de fundo.

Quanto ao álbum, o que mais me fascina nele, é mesmo a capacidade que Green tem de cantar o amor de tantas maneiras diferentes. E, mais lamechas ainda, ser capaz de cantar os vários estados por que todos passamos quando o amor está no ar. Desde o estado "gosto tanto de ti que deixo as frases a meio" de Simply Beautiful [audio], ao estado "gosto tanto de ti e o tempo não muda o que sinto por ti" de I'm still in love with you [audio], ao estado "gosto tanto de ti que nem sei o que faço" de Love and happiness [audio], o álbum de Green torna-se, num instante, num Kama Sutra das possíveis faces do amor, capaz de tocar quem está feliz com o amor ou quem lhe roga pragas. Por ser capaz de juntar duas partes tão antagónicas como "os que amam" e "os que não amam", Al Green merecia o prémio Nobel da paz. Mas não, tem de se contentar com um mero "é dos álbuns que mais gostamos na vida". Não sei se fica a perder.