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HitdaBreakz

9/06/2004

MASH ME UP, YOU BASTARD POP!


Estás todo satisfeito num clube. De repente, ouves um riff tradicional de guitarra. "Os Doors, já não oiço Doors numa discoteca há tempos, porreiro". Preparas-te para cantar "You know the day destroys the night, the night divides the day" mas no preciso momento em que as tuas cordas vocais estão prontas para soltar a tua melhor imitação do Jim Morrisson, ouves a voz do Nas [audio]. Ou então estás, outra vez satisfeito, num bar, e ouves o baixo dos White Stripes. "Grande, vem aí o Seven Nation Army". Mas não, o que vem é o Chuck D [audio] dos Public Enemy a pedir para trazerem o barulho. Ou ainda, estamos novamente a dançar os sons do momento. Nisto, entra o conhecido som do Don't stop till you get enough do rei da pop, Michael Jackson. Lá estás tu outra vez pronto para soltar a letra toda e... "que é isto? indiano?" [audio]. Bemvindo ao mundo dos mashups. Ou, se quiserem, ao munda da pop bastarda (bastard pop)

As pistas de dança têm assistido com grande intensidade a este fenómeno quase panmusical. Mashups, sim, aquelas mistelas entre coisas que conhecemos muito bem com coisas que conhecemos ou bem ou não tão bem. O resultado final é sempre o mesmo: junta-se a parte vocal de uma canção com a parte instrumental de outra canção. Os mashups brincam, no entanto, com outras coisas. Brincam com o facto de, como acima aconteceu, estarmos à espera de uma coisa e aparecer-nos outra, fazendo-nos ficar com a cara que fazemos quando recebemos uma prenda de anos uma semana depois do nosso aniversário. Faz parte da natureza humana, vá se lá é saber porquê - o ser humano acha piada a surpresas destas e fica feliz por ver duas coisas diferentes juntas.

Existem numerosos exemplos de mashups em todos os quadrantes da música, seja no hiphop, seja no techno, seja no house, seja no nujazz. E cada vez mais pessoas, conceituados ou meros anónimos, se aventuram na nobre arte de misturar o que parece imisturável. Mas parece que, conhecidos ou não, o conceito de bastard pop passa por um processo quase de do-it-yourself, não só em termos de produção (que é bastante simples) mas também em termos do (não) licenciamento de ambas as faixas: é que a regra geral é o "esquecimento" por quem faz os mashups de avisar os autores de ambas as faixas de que as estão a usar. Excepções como os 2Manydjs (ou Soulwax, quando não estão atrás dos pratos) são raras, já que pagaram os royalties de todos temas que usaram para o seu projecto editado em disco, As heard on Radio Soulwax.

Vou fazer aqui um parêntesis para falar desta mashup dos Soulwax entre o conhecido tema dos Blackstreet com o Dr. Dre, o No diggity, e duas bases sonoras que, à primeira vista, parecem iguais... mas não são. Para tal, a mashup vai ser dividida aqui em duas partes (a parte 1 [audio] e a parte 2 [audio]). A primeira parte usa a base sonora do The Message [audio], o pioneiro tema do Grandmaster Flash. A segunda parte é um break tirado de um tema chamado Every brother ain't a brother, dos Panache [audio], um raro 12" de discofunk na R&R Records. A semelhança entre ambos os temas é tão grande tão grande que não é, não pode ser, casual. Não sei qual é a exacta relação entre o Message e o tema dos Panache, qual é a cópia de qual. Ambos foram editados em 1981, pelo que um foi a base do outro, de certeza absoluta. Qual é que influenciou qual, isso não vos sei dizer, mas vou averiguar. O Every brother foi também usado num dos meus temas favoritos de toda a discografia da Quannum, o Lady don't tek no dos Latyrx [audio].

Há quem encontre, nesta situação, paralelos com o que é feito no hiphop : o uso de samples sem o devido licenciamento. Mas não acho que a maneira como a bastard pop usa os samples seja parecida com a maneira como o hiphop usa os samples. Há toda uma filosofia no sampling do hiphop que não é, de todo, a filosofia do bastard pop. Partilham apenas as considerações económicas que samplar algo implica a quem sampla (pagar a quem é samplado) porque, de uma forma muito muito rude - há um mundo de diferença entre ambos - no hiphop, os samples servem para dar base à voz de um MC, que tenta enquadrar o que é dito com o que está sonoramente por baixo da voz dele, enquanto que no bastard pop, ambos os níveis (voz e beat) são tratados como samples e sem qualquer conexão entre eles a não ser de tom ou de ritmo.

É este espírito de DIY, de facilidade, que tem permitido uma enorme dose de criatividade nos mashups que têm saído. De hits do mainstream ainda nas charts a coisas obscuras, tudo é permitido, tudo é possível, apenas limitado pelo gosto e pelo conhecimento de quem junta. Mas é mais do que apenas isto. Há toda uma ideia de liberdade anti-pop que é, paradoxalmente, reconhecida por quem faz mashups. Diz Dsico, um dos mais conhecidos produtores de mashups, que é comparável o que ele anda a fazer ao que Duchamp fez à Mona Lisa: anda a desfigurar a pop.



No entanto, todas estas ideias livres podem estar a bater num chavão tão velho como o mundo: "se não os podes vencer, junta-te a eles". E é isso que a indústria musical tem feito. Fê-lo no início dos anos 90, quando um dos primeiros mashups de grande sucesso, protagonizado pelos DNA [audio], em que juntavam um tema deles com a voz (não autorizada) da Suzanne Vega, foi, num ápice, rejeitado, acolhido, integrado e vendido pela própria editora da Suzanne Vega. E está a fazê-lo agora. Um mashup não-autorizado - onde se junta a voz da Kylie Minogue (no tema Can't get out of bed) com o clássico dos New Order, o Blue Monday - foi editado oficialmente no single da cantora. As Sugababes têm um single chamado Freak like me, que é a recriação oficial de um mashup antigo do seu produtor, Richard X. O David Bowie organizou um concurso onde o autor da melhor mashup de duas músicas dele recebia um automóvel de luxo. A MTV tem um programa no ar chamado MTV Mash, que ainda recentemente passou pelo Lux, em Lisboa.

Isto faz-nos pensar: será que são pequenos exemplos de uma maior liberdade na indústria musical ou apenas o normal aproveitar da indústria musical, apenas visando ganhos, do pulsar despreocupado do underground?