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HitdaBreakz

9/03/2004

EDITORAS : MUZA (POLÓNIA)


Já que estamos onde estamos, e parece ser recorrente esta frase neste blog, é importante tirarmos o devido partido disso. Se temos Espanha e França ao lado, que são mercados discográficos bem bem grandes, é importante arranjar discos de vinil nesses lados também. Querem exemplos? Eu gosto imenso de rock psicadélico e em Espanha é extremamente mais fácil arranjar discos de rock psicadélico dos países da América Latina (coisas como os Almendra, Revolucion de Emilio Zapata, os Kaleidoscope mexicanos e, se a coisa correr mesmo muito muito bem, os Dug Dugs) - quando digo mais fácil não é "aos pontapés", leiam antes "é possível ver a capa do disco ao vivo", coisa que não acontece noutros lados. Em França, há que aproveitar e arranjar, a bom preço, o Melody Nelson do Gainsbourg, o seu maior disco, na minha opinião. Arranjei a minha cópia em França a um preço incrível (não paguei mais de 10 euros) mas já me ofereceram 100 euros por ele. Recusei porque é a única cópia que tenho. Mas raios se eu não arranjo outra para trocar por algo que valha 100 euros! (e é isto que é importante reter quando se faz digging: as segundas cópias são sempre importantes, não só para fazer um upgrade a uma cópia ranhosa que tenhamos mas também para trocar com outros diggers).

Mas não é nem de Espanha nem de França que vamos falar hoje. Hoje vamos falar da Muza, a mítica editora polaca. Como é que se explica que uma editora num país como a Polónia se tenha tornado uma das mais importantes editoras de jazz de todos os tempos? Vamos a um pouco de história.

Porque razão teve a Polónia uma tão forte cena jazzística? A resposta encontra-se no período político que se vivia na vizinha Alemanha, por volta dos anos 30. Com o nazismo, o espaço de manobra dos judeus foi ficando cada vez mais curto (estamos ainda a falar do período pré-II Guerra Mundial) e houve muitos músicos judeus de jazz que decidiram procurar nova vida na vizinha Polónia. E, naturalmente, espalharam a sua arte e fortaleceram uma emergente cena autóctone. O jazz na Polónia afirmou-se, como noutras partes do mundo, através das swing bands, no período pós-I Guerra Mundial. A princípio, olhado com desdém, o aparecimento do swing fez com que o jazz passasse a fazer quase parte do mainstream, com um público cada vez mais receptivo e crítico e com uma comunicação social cada vez mais interessada. No entanto, não há grandes avanços musicais na área, havendo muita influência do que era feito noutros lados, nomeadamente dos EUA.

Mas, novamente, a política entra em acção e, com o fim da II Guerra Mundial (durante o qual o que menos interessava era música e o que mais interessava era sobreviver), a Polónia entra na alçada da União Soviética. Consequência directa disso foi a URSS ter banido o jazz, considerando-o "música do inimigo" e o jazz parecia condenado ao desaparecimento. Mas não foi isso que aconteceu. O facto de a Polónia estar tão perto da Alemanha permitiu aos músicos sintonizarem a "Voz da América", ouvindo nela o jazz que se fazia nos EUA e, consequentemente, mantendo os músicos polacos a par das novidades sonoras que por ali aconteciam. E o jazz submergiu, voltou aos clubes desconhecidos, às casas particulares, mas sobreviveu.

Com a morte de Estaline, as questões políticas na Polónia alteraram-se dramaticamente. E em 1956, três anos após a morte de Estaline, dois acontecimentos levam a que isso aconteça. Primeiro, o Festival Internacional da Juventude traz à Polónia milhares de jovens de todos os países do mundo e que partilham com os polacos os seus modos de viver. Segundo, um "embate" entre Gomulka, líder político da Polónia, e Krutschev termina, grosso modo, com a permissão tácita de uma menor influência soviética sobre a Polónia mas continuando esta no Pacto de Varsóvia. Estas situações levaram a que o jazz voltasse a ser considerado um meio de expressão musical tolerado pelo regime.

E como é que emergiu? Apareceram mais bandas novas, apareceram sítios para tocarem, apareceram festivais de jazz (principalmente o Jazz Jamboree) e, consequentemente, apareceram estrangeiros a tocar jazz para polacos, influenciando fortemente os músicos locais. Mas não são apenas "estrangeiros a tocar jazz", são verdadeiras estrelas no firmamento jazzístico. Estamos a falar de Dave Bruebeck (grande influência em todo o jazz polaco), Dave Pike, Ornette Coleman, Thelonius Monk, Dizzy Gillespie, Art Blakey... Miles Davis foi tocar ao Jamboree em 1983, já longe do período de que estamos a falar, mas foi recebido tão bem tão bem (no final gritava-se "We want Miles!" por todo o recinto) que perguntou à organização porque é que nunca lá tinha ido tocar, ao que a organização respondeu que era muito caro. Miles sorriu e disse que lhes tinha feito um desconto.

E é nestas condições que, anos mais tarde, nos anos 60, o verdadeiro amadurecimento do jazz polaco acontece. É nesta década que a maioria dos discos que interessam ter do jazz polaco aparecem. É nesta década que o jazz polaco se torna original, se torna uma entidade própria, culturalmente individualizada. E é nesta altura que a editora que os publica ganha notoriedade, pela excelência do que dela sai. É que a Muza (Polskie Nagrania) tem uma discografia enorme onde se misturam jazz mainstream, free jazz, concertos ao vivo, orquestras como a da BBC, jazz com funk, jazz sem funk, discos vocais sem o mínimo interesse e até álbuns do Keith Emerson ou dos Atomic Rooster... sem esquecer o portuguesíssimo Carlos do Carmo, que tem um álbum editado na Muza).

Por isso, aqui vai uma pequena lista de títulos interessantes da Muza, para descobrirem. Alguns valem verdadeiras fortunas, outros são facilmente acessíveis. Mas todos têm algo que os distingue do rebanho.


Adam Macowicz - Unit




Big Band Katowice - Music for my friends




Czeslaw Niemen - NA.E. Idee Fixe





Czerlaw Bartkowski - Drums Dream



Henryk Debich - String Beat



Jazz Carriers - Carry on!



Jerzy Milian - Jerzy Milian



Kristof Komeda - Astigmatic



Krzysztof Sadowski - Three Thousand Points



Laboratorium - Modern Pentathlon



Novi Singers - Bossa Nova




Novi Singers - Rien Ne Vas Plus



Novi Singers - Torpedo




Piotr Figiel - Piotr



Tomasz Stanko - TWET



Wojciech Karolak - Easy!




Zbigniew Namyslowski Quartet - Zbigniew Namyslowski Quartet

Só para terminar, caso queiram ter uma perspectiva mais visual e abrangente da história do jazz na Polónia, não posso deixar de recomendar este fabuloso link da Rádio Polónia. É uma excelente viagem quer pelos sons quer pela história da Polónia, o país e o seu jazz.