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HitdaBreakz

9/15/2004

DIPLO - FLORIDA




DJ Shadow, RJD2, Express Rising. Até ao momento, são estes os três nomes que, para mim, definem (para o bem e para o mal) o hiphop instrumental. Cada um destes mundos que acontecem na cabeça destes 3 nomes é completamente diferente. Mas, se quisermos, há um fio condutor entre o Endtroducing, o Deadringer ou o Express Rising, estabelecido que foi o critério pelo DJ Shadow, no Endtroducing e prontamente aceite como código genético deste hiphop instrumental para os restantes. Tem a ver com o ambiente do álbum, com os sons que são usados, com a fonte dos discos a ser samplados. E Diplo, quer queira quer não, não se consegue afastar completamente deste código genético no seu primeiro álbum, chamado Florida.

No entanto, estes três nomes não existem apenas nos discos que fazem. E é aqui que os mundos fora destes discos nos dá a big picture de quem é cada um destes produtores e porque é que fazem o que fazem nos discos que nos dão a ouvir. DJ Shadow tem sido um grande divulgador de funk, principalmente, em muitas das suas sessões de djing. Shadow também faz sets não só de hiphop (ouvi um em que ele vai dos Lifesavas aos Radiohead aos Massive Attack) mas é o hiphop o seu vértice principal. Dante Carfagna (Express Rising) não tem tão grande expressão enquanto dj, não é um exímio turntablista, não tem sequer um dj atrás do nome. Trabalha mais na sombra, escreve artigos de investigação musical que demonstram todo o seu conhecimento sobre os álbuns mais obscuros, para além de ser um dos principais mentores da Memphix Records. RJD2 é outro produtor. Mais ligado à produção do que ao djing, no entanto, RJD2 tem dado sets onde estabelece essa sua principal acção musical (a produção) para quem o quer ouvir, pondo, lado a lado, os temas samplados e os temas que ele samplou originalmente, criando um efeito passado/presente bem interessante.

Diplo é diferente destes nomes. Como Shadow, Diplo é, também um dj. Mas, diferentemente do Shadow, Diplo é um dj sui generis. A par do seu colega Tripledouble, Diplo é um dos responsáveis pelas noites Hollertronix em Filadélfia (onde Diplo reside) - são noites em que Diplo passa o que lhe apetece. E quando digo o que lhe apetece, é mesmo para ser tomado literalmente. Tanto é dirty south como Cure como as Le Tigre, tanto é LCD Soundsytem como dancehall, Missy Elliott e Bjork como se fossem irmãs. Não tem um plano antes/depois como o RJD2, não é um divulgador ou tão organizado musicalmente como os sets do Shadow, muito menos apenas um produtor como o Dante. Diplo é bem mais livre no que faz atrás dos pratos. E tem sido esta liberdade que lhes tem dado um sucesso suficiente para se tornarem conhecidos e para terem a liberdade de editar mixtapes que, também por representarem as noites e o seu espírito, foram um sucesso (encontrem as sessões AEIOU 1 e 2, cheias de funk e psych e breaks de discos infantis e amigos famosos como o Kanye West, ou a excelente Favela on Blast, esta última produto de uma expedição à procura de discos ao Brasil)

Por isso, se há pessoa que seria capaz de rebentar mais ou menos com o código genético do Endtroducing seria o Diplo. No entanto, não o faz tão explicitamente como era de esperar. Mas não é surpresa, já nos tinha dito que não o faria o ano passado, quando editou a mixtape dele, chamada Never Scared - foi uma das minhas mixtapes de 2003, puro som para dançar (let me see your hands up... tear the fuckin club up), capaz de nos fazer lembrar os bons velhos tempos do miami bass. E a Epistemology Suite, também de 2003, e apesar de ser um EP, foi tão rodado que, sinceramente, tem mais qualidade nos temas que tem do que dezenas de outros álbuns juntos. E é no Never Scared que tomamos primeiro contacto com o Florida - a frase Thick Jawns, por ter este significado abstracto e irredutível a apenas uma coisa, aparece tanto no Florida (chamado Indian Thick Jawn) como no Never Scared (num tema chamado Thick Jawn) - só que, apesar desta abstracção no significado, é-me completamente impossível pensar não haver ligação entre os dois, uma tentativa de continuidade nem que seja pelo nome (já que musicalmente são mundos à parte); e o tema Summer's gonna get you recebe o revamp para 2004 no Florida, após ter aparecido no Epistemology Suite.

E é, então, possuindo o ingrediente secreto que faz do Endtroducing um dos melhores álbuns de todos os tempos, que Diplo aborda este seu primeiro álbum. Não é apenas no que é samplado que Diplo tenta atingir essa semelhança com o som primordial dado pelo Endtroducing - Diplo usa e abusa dos sons cheios de drama que as cordas e os pianos transmitem, não esquecendo a escolha e a programação da bateria em alguns temas, muito semelhante ao trabalho que Shadow tem elaborado ao longo da sua carreira. Mas, honra lhe seja feita, Diplo consegue distanciar-se também desse som. Basta ouvir o Indian Thick Jawn, casa do hipnótico monólogo de PEACE ou o Into the sun, dando tanto espaço à voz da Martina Topley Bird quanto esta precisa ou o Money Power Respect. E digo isto apesar de o orgão que lá está poder fazer lembrar o Organ Donor, o que, para quem não conhece a obra do Diplo, seria uma comparação perfeitamente possível. No entanto, é bem mais uma referência aos sintetizadores dos anos 80 e do southern bounce, que povoam tanto das noites Hollertronix e também presentes no Never Scared do que propriamente um tirar o chapéu ao Organ Donor.

Tudo dito, Diplo tenta distanciar-se, no Florida, do som que é só do Endtroducing, como o fez o Dante e como o fez o RJD2 (RJD2 interessante, sim... bom, não - e digo isto sabendo que estou a falar bem de um dos seus protegidos, já que Diplo, para além de amigo, vai fazer a tournée com o RJD2) e como o fez o próprio DJ Shadow. Diplo fá-lo de uma maneira bem bem interessante, com uma abordagem muito própria e cheia de referências que, até agora, não tinham sido introduzidas nesta linha genealógica do hiphop. Lembro-vos, apenas, que distanciar não significa renegar, significa, neste caso, acrescentar. E, para mim, resumindo, é isto que Diplo faz : acrescenta, e bem, ao som primordial, que não é nem nunca será a última palavra no género (foi apenas a primeira). Se formos a ser sinceros, também o disco do Diplo não será a última palavra mas que é mais um passo seguro para lá chegarmos, isso, sem dúvida, que é.

jawn é uma das palavras típicas do, muitas vezes imperceptível, calão de Filadélfia, vem do
calão joint e tem um significado geral perto do merda português, já que é usado para tudo, como o termo merda é... "dá-me essa merda" tanto pode ser um disco como um livro e "esta merda onde estamos" tanto pode ser um McDonald's ou uma ópera... jawn é parecido.