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HitdaBreakz

9/20/2004

CHARLES STEPNEY


Charles Stepney é uma daquelas pessoas cuja música é capaz de mudar a vida de uma pessoa. E, por ter sido tão prolífero, é capaz de mudar a vida de pessoas com gostos musicais bem bem diferentes. Responsável pela música que saiu na Chess, na Cadet e na Cadet Concept, responsável pelo som de Ramsey Lewis, do soul folk do Terry Callier, do espaço que a voz de Minnie Riperton tem para se espalhar, da pureza naughty de Marlena Shaw e, principalmente, pelo pot pourri de influências que são os Rotary Connection, uma das mais originais bandas de todos os tempos.

Neste artigo, Stepney dá-se um pouco a conhecer, dando-nos a nós, quem não o conhece, a hipótese de perceber alguns dos seus meandros musicais e processos utilizados (em partes, é demasiado técnico mas qualquer conversa com um produtor descamba, nove em cada dez vezes, para a técnica). E também algumas das suas ideias, algumas bem surpreendentes, como em relação ao James Brown e em relação aos Beatles.



"For The Record: Charles Stepney"
por Edwin Black
Publicado originalmente na Downbeat Magazine em 26 Novembro, 1970


Charles Stepney, supervisor musical para a Chess Records, é um daqueles trabalhadores incansáveis, quase invisíveis, e cujo único objectivo de trabalho é fazer com que outras pessoas tenham sucesso, não ele.

Stepney, ao fim de quatro anos na editora, assumiu a responsabilidade de definir o som pós-Young-Holt do Ramsey Lewis, de electrificar Muddy Waters, dando-lhe o destaque que merece na cena R&B, de conseguir tornar a guitarra de Phil Upchurch em algo que apelasse aos ouvintes e de inventar, organizar e dar vida aos Rotary Connection.

Há alguns anos, quando um jovem Stepney se preparava para vender os seus vibes por $65, o sonho de uma vida ligada à música era quase um sonho desfeito. Os clubes na zona norte de Chicago eram maioritariamente brancos e não tocavam jazz, a meio da década de 50. E os clubes da zona sul não chegavam para pagar a renda. Tendo sido colega, numa escola da zona oeste de Chicago, de Eddie Harris, de Ramsey Lewis e de Walter Perkins, entre outors, Stepney sabia que "ou tocavas bem ou era escusado entrares em palco. Porque se entrasses lá e tocasses mal,", diz Stepney, "os outros músicos e o público eram tudo menos meiguinhos contigo. Eu lembro-me que o Eddie Harris estava constantemente a levar miminhos da assistência; ele não sabia tocar o sax - mas, claro, isso era nessa altura.".

"Seja como for", continua Stepney, "eu estava sem dinheiro e convencido que nunca iria ter hipóteses na música. Até pensei para mim : mais vale tentar ser vendedor de sapatos ou bibliotecário ou o que for, e ia mesmo vender os meus vibes. Mas a minha mãe estava sempre a dizer-me para aguentar mais uns tempos. No dia em que não aguentei mais e ia vender os vibes a outro tipo, o Phil Wright, da Chess, ligou-me e disse que me tinha ouvido tocar com o Eddie Harris, acho que éramos os Jazz Jets ou outra coisa qualquer, sei é que era um nome assim foleiro, e ele pediu-me para ir tocar uma sessão no estúdio. Um dia de salário, porreiro, pensei eu, mas é apenas isso. Nunca imaginei que este convite ia ser o início da minha carreira. Por isso, isto não ia mudar a minha ideia de vender os vibes."

Mas Wright convenceu-me a não os vender e explicou-me como devia fazer para arranjar trabalho - andar pelos estúdios e arranjar sessões. Pá, o que eu aprendi foi que toda aquela merda que te ensinam na escola é mesmo isso, merda - sais da casa de banho e não vale nada."
Há quatro anos, Wright saiu da Chess. Stepney já tinha posto nos charts alguns LPs e aceitou o convite para ser o supervisor musical em full-time da Chess. "Agora estava do outro lado da janela do estúdio." E, no seu novo papel de compositor-produtor, Stepney era agora o responsável por conseguir aquela combinação musical que fez álbuns, como o Maiden Voyage, os Rotary Connection e o Upchurch, tão populares; aquele estilo inconfundível de voce da lontano [vozes de longe], os ritmos sincopados e os sons electrónicos. Mas, ao se sentar atrás da mesa de mistura, nem sempre Stepney é um homem feliz. Nem sempre Stepney está contente com os artistas que tem de produzir, e justamente.

Muitos artistas, incluíndo alguns na Chess, são profissionais acidentais, sem talento e cujo único feito é terem agentes capazes. "Estes artistas são musicalmente estúpidos", diz Stepney. "Tenho de estar junto a alguns deles e gritar : um-dois-três-quatro - agora TOCA! Não têm qualquer sentido de contra-ritmos ou poliritmos, não sabem tocar a sua parte contra as outras partes, não sabem uma nota de música e não têm qualquer ideia do que é equilíbrio musical."

"Num concerto ao vivo, sem dúvida, eles aguentam-se. O ouvinte usa a visão, o som e o cheiro. É tão visual quanto auditivo, um concerto. Mas as músicas gravadas surgem, quase misticamente, desta caixa inanimada - o prato de vinil. O ouvinte só usa a audição. O interesse está todo centrado na qualidade da música - e é aqui que o artista é mais frágil, por não ter talento, por não ter técnica ou por o que faz ser bastante desinteressante para quem ouve."

"Acho que não é segredo para ninguém, " diz Stepney, "quem era o verdadeiro talento por trás de um grupo como os Beatles - o George Martin, o seu produtor! Tenho pena de ir contra tanta gente, mas não é possível aqueles quatro serem capazes de sequer imaginar todas as complexidades instrumentais e electrónicas de temas como Day in the life ou Eleanor Rigby ou I am The Walrus. Qualquer ouvido treinado consegue identificar as canções que os Beatles produziram eles próprios. São repetitivas e rasas - três acordes e aquele ritmo sempre igual.

"Isso faz-me lembrar outro dos meus pequenos ódios de estimação," continua Stepney. "Críticos. Críticos musicais. Estes auto-apontados defensores da literatura, determinados que estão em salvar o artista dos perigosos demónios que são os produtores. Sobreprodução, chamam-lhe. Sobreprodução. Todas as vezes que extendes harmonicamente acima da sétima e tens mais do que cinco tipos a tocar em fundo e usas mais do que letras monossilábicas - como os gritos do James Brown, volta para as cavernas, pá! - os críticos chamam-lhe sobreprodução. Já vi produtores a arranjarem os temas para os críticos. Eu não quero ter nada a ver com isso. Eu sei, e outras pessoas na indústria sabem, que de o que estes artistas precisam é de serem direccionados, de serem orientados. É para isso que temos produtores - não os financeiros - porque estes Sinatras e os outros precisam de ser tocados, como se fossem um instrumento, e de serem tocados tendo em conta toda a canção, apesar de a canção poder existir à volta deles."

Stepney tem as suas próprias ideias sobre o que é sobreprodução. "Não gosto muito de criticar, " desculpa-se Stepney, "mas estes grupos que insistem em tocar com um volume superior a 85 decibeis não estão a conseguir manter a sua imagem. O que eu quero dizer é que eles protestam contra a poluição do ar e das águas, consideram a poluição a doença dos nossos tempos, mas quanto à poluição sonora, não os oiço dizer nada. É tão perigoso quanto fumar um cigarro, acho eu. É um facto conhecido que sons à volta dos 85 decibeis são perigosos para a audição. Estes grupos de rock ácido têm uma média acima dos 100 decibeis e isto danifica as camadas mais elevadas da nossa percepção auditiva. Mas como são as camadas mais elevadas, não nos damos conta de que estamos a ficar surdos. Apenas te apercebes de menos sons nessa camada."

Membros de grupos como os Vanilla Fudge, os Cream e os Stones admitiram que estão a ficar surdos e consideram que é uma consequência necessária para transmitir a sua mensagem. Mas Stepney acha que "se um grupo toca demasiado alto, pode causar dor, mas há uma diferença entre dor e emoção honesta. A qualidade musical entra dentro de ti e transmite-te emoções. Parte dessa qualidade está nas secções com o som mais elevado. Mas confundir emoção e dor nos ouvidos é, claramente, não-musical. Precisamos de mais grupos como os Peter, Paul and Mary, os Chicago e os Blood, Sweat & Tears. Nem me venham dizer que eles não têm uma mensagem ou que não transmitem emoções aos ouvintes. E eles fazem isso sem ferir o ouvido."

Enquanto compositor e produtor, Stepney tem diferentes abordagens para os seus artistas. Tem de ser capaz de tanto manter a roupagem R&B dos Dells como transmitir imagens electrónicas no Mother Nature's Son. Apesar de Stepney operar principalmente dentro da electrónica, a sua abordagem é fora do normal. Numa altura em que o sintetizador é a última moda, Stepney arranja muito dos seus sons utilizando métodos alternativos. "Há dez anos que andava cheio de vontade de trabalhar com um Moog. E depois fizémos o Mother Nature's Son num Moog.

Sinceramente, não fiquei muito convencido. Talvez tenha a ver com o facto de só haver um Moog em Chicago e alugá-lo ser tão tão caro que cada nota custa uma fortuna. Mas eu estava à espera de todo o tipo de sons, sons fabulosos e diferentes mas não foi nada disso que ouvi. O que descobrio foi que o Moog produzia nada mais do que uma versão recente do do que nós já tinhamos antes. Demasiado limitado".

"Eu prefiro," diz, "aquilo que alguns podem considerar métodos antiquados, mas que eu considero serem os mais inventivos meios para produzir os sons que aceitamos como electrónicos. Consigo obter excelentes efeitos ao alterar e distorcer sons normais, usando tapes e coisas assim. Se te mantiveres a par dos mais recentes desenvolvimentos em acústica e electrónica - sendo subscritor de várias revistas internacionais de engenharia sonora, por exemplo - consegues aprender todo o tipo de técnicas.

Os efeitos que Stepney usou para Ramsey Lewis são maioritariamente retirados de um raro livro chamado New Musical Resources, escrito por Henry Cowell. Nele, Cowell define conceitos revolucionários (pelo menos, na altura em que Cowell os escreveu) para piano, incluindo técnicas para o cotovelo e o antebraço, cluster overtones e resonant muting. "Há outros sons que nós consideramos importantes para a organização musical, para além dos sons convencionais. Assim, podemos pegar num agrupamento e saber que sobretons esperar, compor isso para cordas e sopros e a diferença soa electrónica. Quase como o Requiem de Lygeti. Atmosphere é outro, onde toda uma nova qualidade de sons é escrita para a voz natural e instrumentos. Fizémos o mesmo para o Ramsey e inserimos essa textura electrónica. Como tinha dito, usámos o Moog no Mother Nature's Son, mas não nos estou a ver a utilizá-lo outra vez."

Quando Stepney compôs para o Phil Upchurch, um dos seus truques favoritos era provocar um overload nos amplificadores para causar uma incrível distorção. "Conseguimos um som grave e distorcido para o Voodoo Chile que nunca conseguiríamos num Moog - pelo menos, da mesma textura deste."

Para o Howlin' Wolf ou para o Muddy Waters, não usa mais do que guitarras eléctricas e brass, "porque estas estrelas não se sentem confortáveis numa atmosfera musical que exceda um simples ensemble de guitarra e brass."

Mas o que parece ser um dos maiores projectos de Stepney são os Rotary Connection, uma ideia para um grupo imaginada e realizada por ele. "Era 1966," lembra-se Stepney. "Marshall Chess queria entrar no mundo do rock psicadélico ou ácido. A Chess era dona de uma pequena editora europeia, chamada Pye, e ele pensou que poderíamos preencher o tempo que tinhamos entre gravações com algo."

"Eu compus percussão e algumas novas ideias vocais nesses tempos mortos. E Chess ficou tão impressionado com aquilo tudo, que pegámos nos miudos de estúdio que tinham trabalhado o que eu compus e demos-lhes um nome - até acho que a ideia foi do Chess - Rotary Connection. Fizémos um álbum inteiro de coisas, um Moog aqui, alterações electrónicas ali, e aquilo pegou imediatamente."

Uma das maiores consequências do aparecimento dos Rotary Connection foi o despontar de um talento singular, Minnie Riperton. "Esta míuda tem uma voz de soprano de à volta de quatro oitavas, imenso soul, tem pinta, é gira e tem a experiência que os Rotary lhe deram."
Stepney está a produzir um álbum, Come to my garden, com a voz da Minnie a solo em 10 composições originais de Stepney e outro arranjo. Minnie vai continuar nos Rotary e vai trabalhar mais algum tempo a solo. Se ela brilhar, vai ser mais uma estrela num céu criado por Stepney.


este artigo foi traduzido por mim, usando como base de tradução o original do artigo, disponibilizado por Kirk de Giorgio, no seu website. Vale a pena visitarem, principalmente a secção Hall of Fame.